Rumo a uma economia sem trabalhadores?

Pela primeira vez na história brasileira, fim da recessão trouxe mais desemprego. Há 26,4 milhões de desocupados e subocupados. No Nordeste, já são 34,6% da força de trabalho.

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Por José Eustáquio Diniz Alves* no EcoDebate | Imagem: Kenneth Hayes MillerAbraham Harriton’s Avenue Unemployment Agency (1937)

Os clássicos da economia política nos ensinam que o trabalho é uma indispensável fonte de riqueza das nações. A primeira frase do pioneiro livro de Adam Smith A Riqueza das Nações, de 1776, diz: “O trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente”. Karl Marx (cujo ducentésimo aniversário de nascimento se comemorará em 05/05/2018) reafirmou a teoria do trabalho como a verdadeira fonte de valor e de geração de mais-valia. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem como uma das suas bandeiras centrais, atingir e universalizar a meta de: “Pleno Emprego e Trabalho Decente”.

Porém, o Brasil está na contramão da história e mantém fora do círculo de riqueza e bem-estar 26,4 milhões de pessoas, que estavam desempregadas ou subutilizadas no 4º trimestre de 2017, segundo dados da PNAD contínua do IBGE.

O gráfico abaixo mostra a taxa de ocupação e as taxas combinadas de subutilização da força de trabalho no Brasil do Brasil entre 2012 e 2017. Nota-se que a taxa composta de subutilização da força de trabalho (medida mais ampla do desperdício do potencial produtivo do país) era de 20,9% no primeiro trimestre de 2012, caiu para o nível mais baixo de 14,8%, no 3º trimestre de 2014 e subiu durante a recessão econômica, atingindo 22,2% no 4º trimestre de 2016 e alcançando o pico para o fim de ano, de 23,6% no 4º trimestre de 2017.

O incrível é que entre o final de 2016 e o final de 2017 a taxa combinada de subutilização da força de trabalho aumentou, mesmo com a dita retomada da economia. No ano passado, segundo o Banco Central, o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), registrou uma expansão de 1,04% na comparação com 2016. Ou seja, o Brasil saiu da recessão, mas o emprego não cresceu e a desocupação (em sua medida mais ampla) aumentou. É a primeira vez na história brasileira que uma retomada da economia, depois de uma recessão, trouxe mais desocupação.

A publicação do IBGE explica a metodologia adotada (ver referência abaixo) e, de maneira simplificada, a “Taxa composta da subutilização da força de trabalho” traz no numerador – Subocupados por insuficiência de horas + desocupados + força de trabalho potencial; e no denominador – Força de Trabalho ampliada

O gráfico abaixo mostra que, para o Brasil, no 4º trimestre de 2017, a taxa de desocupação foi de 11,8%, a taxa combinada de subocupação por insuficiência de horas trabalhadas foi de 18%, a taxa combinada de desocupação e força de trabalho potencial foi de 17,8% e a taxa composta da subutilização da força de trabalho foi de 23,6%. As mesmas taxas para a região Nordeste foram muito mais altas, sendo que a taxa composta da subutilização da força de trabalho foi de impressionantes 34,6%. Ou seja, mais de um terço dos potenciais trabalhadores do Nordeste não encontram postos de trabalho para contribuir com a riqueza do Brasil. As menores taxas de desocupação encontram-se na região Sul. Evidentemente, a região Sul possui uma renda per capita maior do que a região Nordeste.

A tabela abaixo mostra a taxa composta da subutilização da força de trabalho para as regiões e as Unidades da Federação (UF). A menor taxa é encontrada em Santa Catarina que tinha um desperdício da força de trabalho de 11,3% no 1º trimestre de 2012 e caiu para 10,7% no 4º trimestre de 2017. Já o Piauí tinha uma taxa elevada, de 35,2%, no 1º trimestre de 2012 e subiu ainda mais para 40,7% no 4º trimestre de 2017. Ou seja, de cada 10 potenciais trabalhadores do Piauí, 4 estavam fora do círculo de geração de riqueza. Se a situação geral do Brasil e do Nordeste é crítica, pior ainda é para os jovens que apresentam taxas muito mais elevadas.

Portanto, o Brasil não tem conseguindo criar empregos formais e de qualidade no padrão necessário, pois fez uma opção pela especialização regressiva, primarizando a economia e aumentando a dependência das commodities. Produzir petróleo, minério e soja não é suficiente para criar empregos decentes para a maioria da população brasileira. Manter baixas taxas de poupança e altos níveis de endividamento reduz as taxas de investimento e sem renovação da capacidade produtiva é impossível gerar empregos de qualidade. Com o intenso e precoce processo de desindustrialização, as jovens gerações – uma parte daqueles que foram às ruas em junho de 2013 – são as mais prejudicadas.

Políticas de transferência de renda ajudam a minorar os problemas da extrema pobreza, mas unicamente o pleno emprego com trabalho decente poderá fazer o país sustentável em termos econômicos. Somente empregos produtivos geram riqueza. Com a falta de oportunidades decentes no mercado de trabalho, o Brasil está criando uma geração perdida, pois cresce o número de desempregados e o número dos chamados nem-nem-nem (jovens que nem estudam, nem trabalham e nem procuram emprego). Jovens sem perspectiva de melhoria de vida são presas fáceis para o crime e possuem alta probabilidade de atuarem como atores ou vítimas da violência.

Sem trabalho o Brasil não tem futuro. Em termos populacionais e de estrutura etária, o país vive o seu melhor momento do bônus demográfico. Nunca houve tantas pessoas em idade de trabalhar no país. Mas o desperdício do potencial de 26,4 milhões de trabalhadores é o mesmo que jogar fora nossa janela de oportunidade e manter a população na armadilha da renda média.

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Referência

Indicadores IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Divulgação Especial Medidas de Subutilização da Força de Trabalho no Brasil, IBGE, RJ, 23/02/2018

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/945b7728b5ccfabb75699bef33b1e2b3.pdf

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* Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE

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