Para compreender a Petrobras além da crise (2)

Não é só de petróleo que se trata. Líder em inovação, empresa atua até em biocombustíveis produzidos a partir de algas — e alternativos aos fósseis. É exatamente isso que está sendo desmontado desde já

Experimento para produzir etanol a partir de algas. Desde 2016, a Petrobras Biocombustível, que liderou a pesquisa brasileira no setor, está sendo prograssivamente desativada

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Por Carolina Bueno e Suzana Sattamini

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O primeiro artigo da série, de Carolina Silva Bueno, está aqui

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Com a meta fiscal, para 2017, de um déficit de 139 bilhões de reais, e um contingenciamento de R$ 42,1 bilhões no orçamento deste ano, não é difícil imaginar o corte nos investimentos, que sempre foi a variável de ajuste fiscal. Isso certamente afetará todos os Estados brasileiros, abrindo caminho para justificar as privatizações.

Entretanto, muitas crises já ocorreram na economia brasileira, a história tem suas ironias e costuma pregar peças nos desavisados. No caso da Petrobras, quando muitos analistas de plantão passavam a tratar a privatização como o remédio para o enfrentamento desses ciclos, eis que a estatal passa por todas essas crises e alcança o posto de uma das mais importantes empresas de petróleo do mundo.

Na atual conjuntura econômica não seria diferente que o fantasma da privatização novamente pairasse sobre a empresa. A Petrobras é o “filé mignon” da economia brasileira. Certamente, nenhuma empresa no Brasil gerou ao longo de toda sua existência tantas encomendas para o mercado interno quanto a Petrobras. Segundo a ABEIN (Associação Brasileira de Engenharia Industrial), para cada R$ 1000 que a Petrobras investe, geram-se cerca de R$ 650 de investimentos em outros setores. No acumulado de 1954 a 1992, a Petrobras investiu nada menos que US$ 80 bilhões, isso significa um efeito multiplicador de US$ 51 bilhões. Já o investimento acumulado em 2015, de R$ 76 bilhões, tem um feito multiplicador em outros setores da economia de R$ 48 bilhões.

Além disso, a Petrobras caminha para estar ao lado do seleto clube mundial das grandes indústrias de energia, uma vez que já está posta a base de infraestrutura para a sua sustentação. Isso é resultado de mais de 60 anos de políticas, pesquisa e desenvolvimento na área energética, resultado de um processo cumulativo construído ao longo do tempo. Ou seja, no longo período de tempo se construiu toda uma estrutura que viabiliza essa posição estratégica da empresa e do Brasil como grande produtor mundial de petróleo e energia. Dada toda essa capacidade de infraestrutura de produção, o que está em questão agora são problemas muito maiores do que simplesmente uma empresa privada usufruir disso.

Os problemas serão de ordem geopolítica, de soberania energética, e de contas nacionais, afetando todo o funcionamento da economia brasileira, ou seja, a privatização terá efeitos na ordem político-econômica do país. E, nesse tabuleiro, as peças que estão no jogo agora são as tecnologias desenvolvidas em biocombustíveis avançados.

Não é novidade que o aquecimento global, já comprovado pela ciência, é uma realidade (vale lembrar o caso chinês, que em 2015, decretou alerta de poluição máxima). Fato é que o mundo precisa reduzir as emissões de carbono se não quiser lidar com as consequências das mudanças climáticas. Nesse contexto, os biocombustíveis estão sendo vistos como uma necessidade atual da economia para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e uma oportunidade clara de mercado.

Para entender melhor o papel da Petrobras nisso, é preciso explicar as frentes de negócios em que ela atua. Atualmente, são dois grandes blocos tecnológicos: petróleo e energia renovável (biocombustíveis). O CENPES (Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello) conta hoje com tecnologia de novos materiais, por meio da nanotecnologia, tais como grafeno, diamantoides e fibra de carbono, este último largamente utilizado na indústria bélica, fronteira tecnológica que representa a vanguarda da utilização nobre do petróleo como matéria-prima.

Biocombustíveis de segunda (produzidos a partir de resíduos agrícolas) e terceira geração (a partir de algas) também fazem parte dos pacotes tecnológicos desenvolvidos pela empresa. Nesse portfólio, há também tecnologias para produção de biogás e bio-óleo. O foco que é apresentado à sociedade visa à divulgação da utilização mais corriqueira do petróleo, como fonte de energia automotiva, fonte esta que, ao ser utilizada, contribui para a emissão de gases de efeito estufa e, consequentemente, para o aquecimento global. Deste modo, a empresa é desfavorecida frente à opinião pública, embora já esteja em curso a utilização de outras fontes de combustíveis menos poluentes, como, por exemplo, o álcool e o biodiesel.

Apesar disto, diante dos fatos, dos realistas cenários futuros e das conquistas realizadas pela Petrobras no desenvolvimento de tecnologia e suas respectivas patentes, ao contrário, as fichas, por assim dizer, são depositadas unicamente na produção de petróleo sem, no entanto, dar foco à fronteira tecnológica “certa” dos biocombustíveis, especialmente quanto manter os projetos de álcool de cana de segunda geração (produzido a partir do bagaço), agora sob risco de venda (ver relatório aqui), dado o desinteresse da empresa (que são políticos) de manter os projetos de bioenergia.

Então ao que se assiste é um retrocesso do setor de biocombustíveis, este somado ao desmonte do licenciamento ambiental e à permissiva propaganda do petróleo para o seu uso menos valorizado, especialmente quando não há nenhum tipo de agregação de valor, como óleo bruto no mercado de commodities ou o mais corriqueiro, como gasolina e diesel, fragilizando o setor de energia como um todo.

Assim, cada vez mais, a tendência é deixar o setor mais vulnerável a uma ameaça de privatização. São dois motivos por trás disso: primeiro, é um setor certo e estratégico para o futuro, e, segundo, existe uma política clara de desmonte bioenergético para justificar o desinvestimento e as vendas dos pacotes tecnológicos.

Deveria restar alguma esperança ao vislumbrar um mercado mais diversificado de energia além de um direcionamento para o uso mais nobre do petróleo, uma vez que já se detém liderança tecnológica em alguns vieses tecnológicos que poderão imprimir uma maior resiliência ao mercado de energia e menor fragilização em função da flutuabilidade do preço do barril do petróleo no mercado internacional.

Assim, vê-se no desenvolvimento das rotas tecnológicas de biodiesel e de álcool e na futura comercialização das patentes já obtidas um mercado promissor, apesar do desprezo com o qual tem sido tratado.

Se a estatal revir sua posição em relação ao desenvolvimento dos biocombustíveis, a geração de energia limpa pode vir a garantir ao Brasil vantagem competitiva, soberania energética e os efeitos multiplicadores do investimento.

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Carolina Silveira Bueno é pesquisadora pelo Núcleo de Economia Agrícola e do Meio Ambiente da Unicamp e doutoranda pelo Instituto de Economia da Unicamp

Suzana Sattamini é engenheira civil, mestre em petróleo pela UFRJ, pesquisadora aposentada do CENPES/ Petrobras e doutoranda do Instituto de Economia da Unicamp

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