Venda da Embraer: o agente oculto

Falta enxergar um ator, na desnacionalização da maior empresa tecnológica brasileira: o governo dos EUA, que agiu meticulosamente em favor da Boeing

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Por Demétrio G. C. de Toledo, no blog do GR-RI, Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais

Um dos aspectos mais intrigantes das negociações para a venda da Embraer à Boeing é o modo como os personagens desta trama são apresentados ao público. Segundo a narrativa que vai prevalecendo na grande mídia, três são os personagens envolvidos: Embraer, Boeing e o governo brasileiro, este por conta de sua golden share. [Leia aqui a série de artigos sobre a venda da Embraer publicada em Outras Palavras]

O personagem central deste que é um dos mais importantes e ousados lances da geopolítica contemporânea, no entanto, até agora se mantém à sombra, longe da ribalta. Trata-se, não é difícil de concluir, do governo dos EUA, que age coordenadamente com a Boeing. Pudera: é preciso manter as aparências e fazer tudo parecer uma simples transação de mercado, e não um ataque econômico de um país a outro.

O memorando de entendimento divulgado no dia 5 de julho de 2018 propõe a formação de uma joint venture que incorporará integralmente o negócio de aviação comercial da Embraer. A nova empresa terá uma composição acionária de 80% para a Boeing e magros 20% para a Embraer.

De acordo com os defensores da transação, se a Embraer não se desfizer do negócio de aviação comercial, a Airbus, que acaba de comprar o programa CSeries da Bombardier, engolirá a empresa brasileira, pois esta seria incapaz de competir com a gigante europeia.

Colocado nestes termos, parece até que é um favor que nos fazem desnacionalizando a Embraer e destruindo mais de sete décadas de esforço para construir a indústria aeronáutica brasileira.

Haveria, no entanto, outras soluções para a Embraer enfrentar a concorrência da Airbus aliando-se à Boeing, sem que isso resultasse na sua venda: desenvolvimento conjunto de componentes e produtos finais, comunalidade de cockpit (cabine de comando e seus instrumentos) entre os aviões das empresas, compartilhamento de infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento. Nos termos propostos, só Boeing e acionistas ganham, e o Brasil perde tudo.

O governo brasileiro, dizem, estaria assegurando os interesses nacionais por meio da preservação do setor de defesa em mãos nacionais naquilo que sobrar da Embraer após ela entregar sua mais valiosa divisão de negócios à Boeing, seu setor de aviação comercial.

É aqui que o diabo se esconde: empresa alguma de aviação consegue se manter apenas com seu setor de defesa, pois este depende exclusivamente de compras governamentais, esparsas e de negociação muito complexa. Na indústria aeronáutica atual, a sustentabilidade do setor de defesa é obtida por meio das sinergias geradas pelos produtos civis.

De tal modo que é possível dizer que, uma vez separados os setores de aviação comercial e de defesa da Embraer, este se tornará imediatamente insustentável financeira, tecnológica e comercialmente. Não é difícil vislumbrar a solução para o “insustentável” negócio de defesa da Embraer em um futuro muito próximo: a aquisição, pela Boeing (que terá 20% de participação em outra joint venture formada para comercialização do KC-390, cabendo à Embraer 80% do negócio), da combalida empresa.

As investidas do governo estadunidense sobre a Embraer por meio da Boeing não são de hoje. Os EUA chegaram muito próximos da empresa brasileira quando, ao final do primeiro mandato de Dilma, o caça da Boeing surgiu como provável escolhido pelo programa de aquisição de caças do Brasil.

A revelação da espionagem da presidenta Dilma e da Petrobras pela NSA, no entanto, atrapalhou os planos dos EUA e da Boeing de fincarem pé na Embraer por meio dos acordos de transferência de tecnologia que já vinham sendo discutidos entre a empresa brasileira e a estadunidense como contrapartida à aquisição dos caças da Boeing.

Naquele momento, a probabilidade da Boeing engolir a Embraer parecia ser muito baixa, uma vez que a nenhum governo democraticamente eleito e gozando da legitimidade política advinda da necessidade de prestar contas ao povo ocorreria se desfazer de uma empresa como a Embraer.

O Golpe de 2016 abriu uma janela de oportunidade para e entrega da Embraer à Boeing e para a destruição da indústria aeronáutica brasileira. A compra do projeto CSeries da Bombardier pela Airbus deu o empurrão que faltava para que os EUA deslanchassem seu plano cuidadosamente construído desde 2011, quando a Boeing nomeou Donna Hrinak presidenta da Boeing Brazil.

Funcionária de carreira do serviço diplomático estadunidense, Hrinak foi embaixadora dos EUA em vários países latino-americanos, entre os quais o Brasil, nos anos de 2002 a 2004. Hrinak é o ponto de contato entre Boeing e Departamento de Estado dos EUA, entre a transação de mercado e o ataque econômico dos EUA ao Brasil – e, claro, destes com o governo brasileiro, que é, no fim das contas, quem consente na entrega da Embraer.

Quando o negócio entre Airbus e Bombardier foi anunciado, a Boeing e o governo dos EUA puseram em marcha a fase final de seu plano de desmonte da indústria aeronáutica brasileira, anunciando a intenção de comprar a Embraer de “porteira fechada”.

Diante da resistência do governo brasileiro em entregar junto o setor de defesa, Boeing e governo estadunidense reformularam a proposta, disfarçando o interesse pelo setor de defesa, e apresentaram o memorando de entendimento para a compra da aviação comercial da Embraer e a manutenção do setor de defesa em mãos nacionais. O memorando foi muito bem recebido pelo governo brasileiro, que alegou que a proposta mantinha intacto o setor de defesa.

Somos levados a crer que a empresa que resultar do desmonte da Embraer e que herdar o setor de defesa continuará, nacional, firme e forte, não? Pelo contrário, esta será a primeira a sucumbir. O sucesso da Embraer se deve à existência de um importante setor de aviação comercial combinado a um setor de defesa.

Ou seja, tão logo a Embraer perca sua aviação comercial, o setor de defesa estará fadado ao fracasso – ou à venda para a Boeing! E para isto a empresa e o governo dos EUA já deram o primeiro passo: como vimos acima, o memorando de entendimento para entrega da Embraer à Boeing prevê uma segunda joint venture para comercialização do cargueiro militar KC-390.

Que forças levam o atual governo brasileiro, ilegítimo, antipopular e antinacional, a cometer tamanho descalabro? Capitais chineses são enxotados dos EUA ao demonstrarem interesse por empresas de setores estratégicos dos EUA, como se viu recentemente com a tentativa de compra da Qualcomm, barrada por uma ordem executiva do presidente dos EUA, Donald Trump.

Enquanto isso, no Brasil, governo, grande mídia, financistas e os inocentes úteis de sempre aplaudem a entrega de uma das maiores realizações tecnológico-industriais da história brasileira.

Por que, afinal, o atual governo brasileiro é tão incapaz de agir de modo minimamente comprometido com o interesse nacional? Esperemos que as eleições presidenciais restabeleçam a democracia no Brasil e que a entrega da Embraer – e tantos outros absurdos deste desgoverno – seja desfeita.

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8 comentários para "Venda da Embraer: o agente oculto"

  1. Davilson Brasileiro disse:

    Infelizmente, o texto não esclarece corretamente que os principais e fundamentais componentes das aeronaves da Embraer são e sempre foram, desenvolvidos e fornecidos pela parceria com a Boeing, especialmente, turbinas, componentes eletrônicos de comando, controle e navegação, e até mesmo o armamento dos “nossos” aviões militares.
    Portanto, essa “joint venture” entre as duas empresas, é fundamental para ambas, pois se trata de continuar atuando paralelamente em frentes diversas de negocios, visando o desenvolvimento e ampliação, dos projetos já em andamento e a criação de novos produtos.
    A aviação americana, comercial e militar está a anos-luz da Embraer, que vai se beneficiar muito com este acordo de longo prazo, seja com sua ampliação no Brasil e nos USA, seja pela construção de novas unidades fabris no país, e pelo parque industrial paralelo de peças e componentes que vai ter de ser criado, seja na capacitação e qualificação da sua equipe técnica de funcionários, seja na geração de novos empregos de mão de obra qualificada, seja na geração de riqueza e renda com a exportação de aviões mais modernos e evoluídos tecnologicamente, seja pelo prestígio que o Brasil vai agregar nessa cadeia produtiva mundial!!!
    As opções seriam se manter isolada e a médio prazo inviabilizada pela falta de fornecimento e atualização dos principais componentes da Boeing ou tentar reformular todos os seus projetos com tecnologia e novos equipamentos da AIRBUS ou simplesmente quebrar!!!
    Lógico que existem interesses estratégicos dos USA e Brasil, envolvidos nesta negociação, mas analisando todos os pontos, alternativas e olhando para o futuro, dá pra avaliar que continuam existindo todas as condições para a continuidade dos projetos e negocios da EMBRAER, agora com muito mais verbas e novas tecnologias, que só vão agregar ainda mais ao desenvolvimento e crescimento da empresa e do Brasil.

  2. José Mário Ferraz disse:

    O autor é a cultura de usar a massa bruta de povo como máquina de produzir a riqueza cujo destino a Lava Jato está mostrando, razão pela qual ela é perseguida.

  3. EMBRAER não tem a vulnerabilidade e falta de estrutura é competência que tem a empresa canadense.
    Além do que, se a Boeing precisa se juntar à EMBRAER pra aproveitar de todos seus pontos positivos e se manter competitiva, coisa que a EMBRAER já é, se esse governo cumprisse sua função, como costuma fazer os países do G7, na defesa de interesses estratégicas, essa jointventure jamais aconteceria.
    A eleições estão aí, ainda dá pra mostrar autonomia e fazer prevalecer os interesses do país.

  4. JORGE disse:

    “Legado vivo”… PARA QUEM ?????????????????????????????
    Só se for para os acionistas, para os lacaios neobestas do brazil que ganharam e ainda devem ganhar e, claro, para o governo norte americano e pára a Boeing!!!
    Por essa magnífica ótica, a solução para a empresa (SUPOSTAMENTE) não aguentar o tranco com a concorrência sucumbir é ela deixar de existir!!!
    Excelente solução!!!

  5. Fernando disse:

    Primeiramente vou deixar claro que eu, pessoalmente, não gosto da idéia da Embraer sendo vendida à Boeing e que se dependesse apenas de mim, ela seria 100% brasilera, com toda a mão de obra nacional e materiais fabricados todos no Brasil. Infelizmente não é isso que ocorre.
    Desde a muito tempo que a Embraer mantém uma fábrica nos EUA. Por quê? Pra baratear os custos de fabricação dos aviões que serão vendidos às empresas americanas. Perceba que a maior concorrente da Embraer é a Bombardier, uma empresa Canadense, e foram eles quem começaram com essa… Para terem uma vantagem em cima da Embraer, eles abriram uma montadora dentro dos Estados Unidos, assim não pagam impostos de importação.
    Depois de perderem esta vantagem, a Bombardier, que é a segunda maior fabricante de jatos comerciais leves do mundo, resolveu se juntar à Airbus, segunda maior fabricante de jatos comerciais de grande porte. Com isto, os aviões fabricados pela Bombardier passam a serem considerados como produto dos EUA fabricados fora, e deixam de pagar vários impostos quando são vendidos a empresas norte americanas. Está junção também foi bastante controversa na época, mas no fim era a única forma de eles continuarem competitivos no mercado.
    Algum tempo depois da Bombardier e Airbus se juntarem, tanto a Embraer, maior fabricante de jatos comerciais leves do mundo, quanto a Boeing, maior fabricante de jatos comerciais de grande porte, perceberam que sozinhas seriam facilmente ultrapassadas pelas suas rivais. Foi neste momento que surgiu o projeto de união das duas empresas.
    E no fim das contas é isso que vai acontecer. Podemos manter a Embraer brasileira, e vê-la falindo por conta de decisões sentimentalistas, ou vê-la deixar de ser brasileira mas mantendo seu legado vivo, e todas as suas fábricas e instalações em solo brasileiro, gerando emprego e renda para nosso país.

  6. Carlos disse:

    Outra saída seria EMBRAER fazer parcerias com a AIRBUS e BOMBARDIER. A EMBRAER continua brasileira e se protege da sanha estadunidense contra o Brasil, ou seja de país contra país. Simples assim, é o consórcio AIRBUS/BOMBARDIER vai adorar.car

  7. Willian disse:

    Belo texto, o melhor que já li sobre o assunto.
    Sou ex-funcionário da Embraer e vejo o absurdo que o Governo Brasileiro está prestes a fazer.
    Quem ganha com isso no Brasil?
    Acionistas Brasileiros e talvez alguns políticos?
    De quem é o interesse de entregar, pela segunda vez, uma Empresa de ponta, Nacional?
    Quando foi privatizada, toda a tecnologia e projeto do maior sucesso Mundial de jato comercial de 50 acentos, foi entregue por uma pechincha para Especuladores.
    E quem ganhou com isso aqui no Brasil?
    Esses protagonistas não aparecem, não é verdade?

  8. Albert Muller disse:

    A ferramenta do “combate à corrupção” é a mais poderosa arma já utilizada pelos EUA para atingirem seus objetivos nos países do 3o Mundo. Sendo os sionistas os que de fato comandam não só a política interna como a externa dos EUA, bem como a imensa maioria de todas instituições internacionais e de outros países, a Grande Mídia, completamente submissa a eles, teve papel fundamental na construção da falsa imagem de que a Petrobrás é o centro de toda corrupção, sendo ineficiente e necessitando ser privatizada (para grupos norte-americanos, é claro…). Mas o estrago ocasionado pela farsa do “combate à corrupção” vai, como todos sabem, muito além: construtoras essenciais ao desenvolvimento brasileiro destruídas devido ao bloqueio de suas contas e operações por um criminoso vendido em forma de juiz que se utiliza de “torturas premiadas”, ameaças de encarceramentos arbitrários, documentos falsificados etc. Tudo amparado pelos norte-americanos. Tal estrago demoníaco e gigantesco causado nas maiores construtoras do Brasil (e também do Mundo) resultou no desemprego de milhões de brasileiros, de forma direta e indireta, bem como numa crise econômica sem precedentes.
    Tendo, também, um presidente (fruto de um golpe também articulado pelos “donos do Mundo”) comprometido apenas com os interesses dos EUA, o Brasil vai sendo completamente destruído e entregue aos estrangeiros, sempre com a ajuda da Grande Mídia submissa e vendida.
    O caos está, por incrível que pareça, apenas no início. A Instituição norte-americana na qual Sérgio Moro dá suas palestras (AS/COA) foi criada por David Rockeffeler com o propósito de manter a América Latina como eterno quintal dos EUA. A agenda para o Brasil, a partir da Lava Jato, é clara: destruir definitivamente a soberania e economia brasileiras para que esta “nação” jamais ouse, novamente, deixar de ser miserável e mera fornecedora de commodities aos países desenvolvidos.

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