Chantagem contra os Waimiri Atroari

Interessados em impor linha de transmissão que provocará desmatamento e doenças, governo e Eletronorte deixam de pagar indenização, esperando que índios submetam-se

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Interessados em impor linha de transmissão que provocará desmatamento e doenças, governo e Eletronorte deixam de pagar indenização, esperando que índios submetam-se

No site do ISA – Instituto Socioambiental

Os Waimiri Atroari sofrem uma nova ofensiva do governo e da Eletronorte, que tentam passar, na marra, um linhão de transmissão de energia pelo território desse povo. O linhão busca levar energia de Manaus (AM) até Boa Vista (RR) e, segundo os planos do governo atravessaria a Terra Indígena (TI) Waimiri Atroari por 125 km, acompanhando o traçado da BR 174. A TI fica na divisa entre os Estados de Roraima e Amazonas.

A pressão agora vem em duas frentes: por um lado, o governo tenta, via Ibama, fracionar o licenciamento do empreendimento em três. A ideia é correr para licenciar cerca de 600 km do linhão que não atravessam a TI, isolando o território indígena. A construção do linhão faz parte dos planos eleitorais do senador Romero Jucá (PMDB), que busca a reeleição em Roraima. Em resposta, o Ministério Público Federal recomendou que o licenciamento não seja fracionado, e que seja emitido apenas após o consentimento dos Waimiri Atroari.

“Esse governo demitiu sumariamente dois presidentes da Funai, descontinuando agendas de consulta acordadas com os Waimiri Atroari, passou a defender a implantação da obra na marra e sem consulta e agora vem com a tática dissimulatória do licenciamento fracionado”, afirma Márcio Santilli, sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA).

Por outro lado, a Eletronorte enviou uma carta aos Waimiri Atroari ameaçando suspender os repasses de verba indenizatória ao Programa Waimiri Atroari (PWA). O Programa foi implementado como ação de indenização pelos impactos da hidrelétrica de Balbina no território e ajuda os índios a garantir o usufruto exclusivo da área demarcada e melhorar suas condições de vida. Em 1989, a usina inundou 234 mil hectares do território indígena sem o consentimento dos índios.

A Justiça já condicionou o licenciamento do linhão ao consentimento dos Waimiri Atroari. A decisão justamente destaca o massacre sofrido pelo povo Waimiri Atroari durante a ditadura militar – 90% desse povo foi morto pelas forças militares. Além disso, eles estão respaldados pela Constituição, e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. De acordo com ela, qualquer medida que afete populações indígenas e tradicionais deve ser precedida de consulta.

Com o intuito de acelerar o processo de licenciamento do linhão, a Eletronorte afirmou, na carta, que vai suspender o pagamento das parcelas das verbas indenizatórias caso os Waimiri Atroari não permitam a entrada em seu território para a elaboração do componente indígena do processo de licenciamento já no início de setembro.

Segundo informações de fontes locais, um funcionário da Eletronorte tentou sondar se os Waimiri Atroari eram a favor ou contra o empreendimento. Além disso, há uma outra frente de pressão: em 2013, a Eletronorte já havia reduzido o valor dos repasses em 30%. Desde então, os indígenas tentam recuperar essa perda. A Eletronorte também tem utilizado essa negociação para pressionar a aprovação do linhão: caso os índios consintam, o valor seria restituído.

Em resposta, os Waimiri Atroari enviaram uma carta para o presidente da Funai, Wallace Bastos. No documento, eles afirmam que repudiam a imposição da Eletronorte e a tentativa de associar a verba indenizatória por um dano já causado à aprovação do linhão. “Não aceitaremos essa imposição e só nos manifestaremos acerca da LT quando nos considerarmos suficientemente esclarecidos sobre seus impactos e sobre as medidas de compensação ou mitigação decorrentes”, afirmam.

Os Waimiri Atroari ressaltam que nunca se negaram a dialogar sobre o empreendimento. Também afirmam que, por diversas vezes, solicitaram que fossem devidamente ouvidos pelo governo ou por pessoas responsáveis pela obra, e que esses pedidos nunca foram atendidos. E lembram que foi o próprio governo que interrompeu o diálogo mais de uma vez. Em junho, as negociações começavam a avançar quando a Fundação Nacional do Índio (Funai) trocou o seu presidente novamente, interrompendo o diálogo.

Posto de vigilância Waba Manja, localizado no extremo sul do Território Waimiri Atroari, próximo ao Rio Negro, em época de vazante. 2015| Silvia Futada – ISA

Na carta, eles afirmam que estarão disponíveis para receber a equipe técnica no dia 13/9 “a fim de adequar o cronograma de trabalho ao protocolo de consulta Waimiri Atroari conforme compromisso assumido com o ex-presidente (da Funai) Franklimberg e reafirmado pelo atual presidente”. Lançado no ínicio do ano, o protocolo de consulta estabelece de que maneira os Waimiri Atroari querem ser consultados. Saiba mais aqui.

Para passar o linhão, seria necessária a construção de torres ao longo do curso da BR-174, no trecho que atravessa a TI. Isso implicaria em mais desmatamento, além da entrada de centenas de trabalhadores no território. No Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), o Ibama aponta o aumento do desmatamento como uma das consequências da obra. Outro ponto é o maior risco de transmissão de doenças em consequência do maior número de pessoas na região.

Segundo o relatório, a supressão da vegetação para lançamento dos cabos e construção de acessos vai fragmentar os habitats da região. O relatório ainda aponta que essa fragmentação é um dos mais significativos e relevantes dentro dos impactos conhecidos de linhas de transmissão. “Possui caráter permanente, já que se inicia na fase de implantação e permanece na operação do empreendimento”, afirma o documento.

O EIA-RIMA também prevê o aumento de doenças durante a implantação da obra, decorrente do aumento de pessoas da região. “A concentração de trabalhadores induz o aumento na incidência de doenças vetorialmente transmissíveis, especialmente em aglomerados urbanos submetidos à baixa condição sanitária e/ou em intervenções em área florestadas”, diz o documento. Em especial, destaca o risco de aumento da dengue e da transmissão do HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis.

Outras ofensivas

Não é a primeira vez que o governo do presidente Michel Temer (PMDB) tenta atropelar o direito dos Waimiri Atroari de serem consultados. Em maio, o Ministério de Minas e Energia (MME) tentou fazer valer uma interpretação jurídica para driblar o processo de oitiva dos índios. Assim, o MME pediu ao Ministério da Defesa que parecer com o intuito de enquadrar o linhão na categoria de obra de “interesse da Política de Defesa Nacional”. Assim, a consulta estaria dispensada.

Outra estratégia foi alterar a legislação de licenciamento ambiental por meio de um contrabando legislativo – chamado de “jabuti”. Dentro de uma Medida Provisória que tratava do tema dos refugiados na Venezuela, o deputado Jhonatan de Jesus (PRB-RR) tentou flexibilizar o processo de autorização de obras. Segundo sua proposta, as comunidades indígenas afetadas por obras deveriam ser ouvidas em, no máximo, três meses, a contar da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima). Previa ainda que a Funai teria apenas um mês para autorizar a entrada de técnicos nas TIs para a elaboração de estudos ambientais, “a contar da data de apresentação do plano de trabalho pelo empreendedor”.

Se o prazo não for cumprido, o responsável pela obra poderia concluir o levantamento sem dados de campo. A legislação atual não prevê um limite de tempo para a oitiva aos índios ou a autorização dos estudos. Após pressão dos Waimiri Atroari e da sociedade civil, o “jabuti” foi derrubado. A proposta do Ministério de Minas e Energia de tornar o linhão obra de interesse de Política de Defesa Nacional tampouco avançou.

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