Ativistas alemães acusam fabricante da arma que matou Marielle

Assassinato acendeu alarme dos que cobram controles mais severos para exportação de armas e banimento de vendas para países acusados de violar direitos humanos, como Brasil

Heckler & Koch é fábrica da submetralhadora HK MP5, que executou Marielle, no Brasil utilizada por unidades especiais da polícia

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Por Niklas Franzen, no Neues Deutschland  | Tradução: Susanna Berhorn de Pinho

Foram tiros que abalaram profundamente o Brasil. Em 14 de março, a vereadora e ativista de direitos humanos Marielle Franco foi assassinada no centro do Rio de Janeiro. Ao retornar de um evento, desconhecidos abriram fogo contra o seu veículo e atingiram a vereadora, que faleceu ainda no local, com quatro tiros na cabeça. As investigações policiais recentes apuraram que Marielle teria sido assassinada com uma submetralhadora do fabricante de armas Heckler & Koch. Segundo comunicados da imprensa baseados nas informações de um policial, trata-se de uma arma do tipo HK MP5. Essa arma é utilizada especialmente por unidades especiais da polícia no Brasil. Os investigadores da polícia civil recusam-se a comentar o caso.

O fabricante de armas de Oberndorf havia declarado em 2016 que exportaria somente para os denominados “países verdes”, ou seja, membros da OTAN ou equivalentes. Ainda não é certo se a Heckler & Koch continuará fornecendo armas para o Brasil. A empresa não quis comentar os diversos questionamentos do Neues Deutschland, mas é de conhecimento que há centenas de milhares de armas alemãs sendo utilizadas no Brasil.

Armas alemãs no Brasil

O fornecimento de armas ao Brasil tem tradição: nas últimas décadas foram exportadas centenas de milhares de armas. Na repressão a uma revolta no complexo penitenciário do Carandiru em São Paulo, foram mortos 111 presos pela polícia em 1992. A maioria foi morta com submetralhadoras do tipo MP5 da Heckler & Koch. Também no período anterior à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos, muitas armas de guerra foram exportadas para o Brasil para uma suposta pacificação das favelas.

A Alemanha só pode fornecer armas para países terceiros como o Brasil em casos excepcionais, ou seja, naqueles em que interesses da política externa e de segurança alemãs apoiem a aprovação. Segundo o último relatório de exportação de armas do governo alemão de 2017, foram concedidas 37 autorizações de exportação individuais no valor de quase 11 milhões de euros para os primeiros quatro meses de 2017.

Questionado pela reportagem, um porta-voz do Ministério da Economia alemão informa: “Lidamos de forma responsável e restritiva com a política de exportação de armas. Decidimos cada caso individualmente e consideramos princípios políticos em nossa decisão. Também a questão dos direitos humanos tem um papel muito importante”.

No entanto, a situação dos direitos humanos é precária no Brasil. O país figura entre os países mais perigosos do mundo para os defensores dos direitos humanos e ativistas sociais. A violência aumentou consideravelmente nos últimos anos. Em 2017 foram assassinadas mais de 60 mil pessoas – uma quantidade inédita. O sociólogo e criminalista Sérgio Adorno pouco tempo atrás alertou sobre uma iminente “mexicanização da situação de segurança”. As estruturas governamentais estariam, também no Brasil, cada vez mais infiltradas pelo crime organizado. Como no México, em muitos estados a “guerra das drogas” manifesta a sua violência. Enquanto já existem proibições para exportação de armamentos a alguns estados mexicanos, as armas alemãs provavelmente continuarão sendo fornecidas ao Brasil. Estima-se que empresas da Alemanha continuarão faturando altos valores com o armamento e as atividades quase bélicas que ocorrem em muitos bairros pobres.

“O fornecimento de armas ao Brasil é errado sob todos os aspectos. Quem autoriza o fornecimento de armas bélicas para o governo brasileiro e para as empresas de armas torna-se cúmplice das graves violações de direitos humanos e dos assassinatos, face à situação dos direitos humanos no Brasil. Os fornecimentos de armas são moralmente condenáveis e a sua legalidade precisa ser questionada”, afirma Jürgen Grässlin, porta-voz da Campanha alemã contra o comércio de armas “Aktion Aufschrei – Stoppt den Waffenhandel!”

Também o caso da vereadora assassinada Marielle Franco evidencia uma vez mais o fracasso da política de segurança no Brasil. As investigações mais recentes publicadas pela polícia indicam uma conspiração homicida da qual também, supostamente, haveriam participado políticos e ex-forças de segurança. Segundo informações do jornal O Globo, uma testemunha haveria fornecido informações exatas sobre os mandatários e os motivos da ação.

Segundo o informante, o vereador do partido de centro-direita PHS Marcello Siciliano e um ex-policial e líder de uma milícia teriam sido os mandantes do homicídio. O Ministro da Defesa Raul Jungmann confirmou que os dois homens estariam sendo investigados. Segundo fontes da The Intercept Brasil, um policial da unidade especial BOPE poderia ser responsável pelo assassinato. A unidade de homicídios que investiga o caso teria solicitado ao BOPE que entregasse todas as submetralhadoras HK MP5 para exame balístico.

A vereadora negra de 38 anos foi uma das vozes mais ativas contra a violência da polícia e o racismo no Rio de Janeiro. A própria Marielle, originária da Maré, um bairro pobre ao norte do Rio de Janeiro, também foi ativista no oeste da cidade e sempre criticou a polícia e a milícia na região. Essas unidades criminosas, paramilitares são lideradas por policiais, soldados e bombeiros ainda na ativa ou já desligados, que controlam muitos bairros com armas. Segundo a testemunha, Siciliano teria bons contatos com uma milícia e estaria muito descontente com a crescente influência do partido de Marielle na região, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

E não só as mais recentes investigações mostram: as fronteiras entre a política, as forças de segurança e o crime organizado são permeáveis. Um ativista de direitos humanos que não quer ser identificado, originário da mesma favela que a vereadora, informa que muitos dos grupos do narcotráfico comprariam as suas armas diretamente de policiais corruptos.

Também a polícia comete graves violações de direitos humanos. Ativistas em todo o país relatam intimidações, tortura e homicídios ilegais. Em nenhum outro lugar no mundo a polícia mata com tanta frequência como no Brasil. As vítimas são geralmente a população pobre e negra das periferias. Ativistas já falam de um genocídio de jovens negros. Mesmo as forças militares são criticadas pelos graves crimes contra os direitos humanos.

Ativistas alemães como Jürgen Grässlin exigem: “Precisamos de uma proibição geral da exportação de armamento para finalmente encerrar os homicídios, inclusive com armas alemãs. Armas bélicas existentes deverão ser recolhidas e sucateadas”.

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