A ambígua situação dos refugiados africanos

Em SP, eles têm aulas de português e direito ao trabalho. Mas enfrentam mesmos preconceitos e agruras que afligem brasileiros pretos e pobres

Por Alex Tajra, na Brasileiros

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Em São Paulo, eles têm aulas de português e direito ao trabalho. Mas enfrentam os mesmos preconceitos e agruras que afligem brasileiros pretos e pobres

Por Alex Tajra, na Brasileiros

Nos meandros do centro de São Paulo surge uma nova perspectiva para os imigrantes, refugiados de conflitos ou não, que aportam nos aeroportos e rodoviárias da cidade. Há cerca de um ano e meio, a Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), por meio de um projeto de seu fundador e diretor executivo, frei David Santos, iniciou um curso básico gratuito de português para imigrantes e refugiados que procuram uma esperança na maior metrópole do País.

“Eu só tenho que agradecer este lugar”, diz Richard Mahognon, de 24 anos, nascido em Benin, no oeste da África, no Brasil há cerca de um ano e cinco meses, em uma pequena sala na Educafro onde conversou com Brasileiros. Mahognon contou que veio para o Brasil em um programa do governo federal, o PEC-G (Programa de Estudantes-Convênio de Graduação), que oferece possibilidades de formação superior para cidadãos de países em desenvolvimento que possuem acordos educacionais e culturais com o Brasil. Richard conseguiu uma vaga na Universidade Federal da Paraíba e foi para o Nordeste no início de 2015.

Um dos requisitos do PEC-G para que o imigrante consiga passar mais de um semestre na universidade é uma avaliação de português. A questão é que muitos imigrantes não conseguem atingir este objetivo por uma série de fatores e acabam sendo obrigados a retornar para seus países. Este foi o caso de Richard, que chegou com um mês de atraso para o seu curso na Paraíba devido às burocracias do programa e não conseguiu passar no exame de proficiência de português. Uma grande decepção para quem saiu de seu país para poder estudar. “Decidi vir para o Brasil porque é melhor para os estudos. Para estudar na faculdade em Benin é uma bagunça”, conta.

Richard Mahognon, do Benin, e Alfred Ekanga, do Camarões - Foto: Wanderley Preite Sobrinho/Brasileiros

Após a frustração com a prova, o beninense atravessou o País, desembarcou em São Paulo há cerca de uma semana e solicitou a ajuda de Frei David e da Educafro.”Tive que pedir auxílio porque aqui não tem ajuda. Cheguei aqui com um mês de atraso, fiquei seis meses para estudar língua portuguesa e fui reprovado. Pela lei brasileira eu deveria pegar minhas malas e ir embora.” Ao descobrir a Educafro através de um amigo africano, Richard também encontrou um novo panorama para sua vida no Brasil com as aulas do idioma falado no Brasil.

No pequeno cômodo em que Brasileiros conversou com o imigrante, também estava presente o camaronês Alfred Ekanga, de 30 anos, que, assim como Richard, deixou sua terra natal, e seu emprego como agente de viagens, em busca de melhores condições educacionais. “Trabalhei seis anos na minha área em Camarões, mas lá o turismo é pouco desenvolvido”, explica. Outro fator que foi fundamental para a decisão de Alfred foi o aumento da violência no país africano, onde o Boko Haram, grupo terrorista vinculado ao Estado Islâmico, já atinge a região norte, na fronteira com a Nigéria. “Presenciei dois ataques suicidas, um foi no meio da rua e outro dentro de um supermercado. Quero viver em um país onde se tem paz”.

Os dois estrangeiros, que já se tornaram colegas de classe nas aulas na Educafro, se exaltam quando o assunto do racismo vem à tona. Ambos parecem concordar que os imigrantes negros sofrem muito com o preconceito no Brasil, mesmo que a maioria da população do País se declare negra ou parda. “O que o negro brasileiro sofre, o negro imigrante sofre em dobro”, afirma, convicto, Richard, que logo é cortado por Alfred: “Sofremos preconceito, é muito difícil conseguir um emprego por exemplo, e poucas pessoas querem ajudar”. O camaronês ainda disse, no começo de sua estadia no Brasil, a dificuldade com a língua foi imensa já que, como em outros diversos países na África, as línguas oficiais do Camarões são inglês e francês.

Refugiados e imigrantes de diversos países participam de curso de português em São Paulo - Foto: Wanderley Preite Sobrinho/Brasileiros

Richard então contou uma história que, para uma grande parcela da população brasileira, é rotina em um país racista. “Meu irmão, que já veio para o Brasil e teve de voltar para a África por questões de saúde, uma vez entrou no ônibus lotado e uma mulher começou a espirrar perfume nele. Foi uma discriminação, um preconceito. Ele ficou com vergonha, saiu do ônibus e pegou um táxi”.

Desde que chegaram a São Paulo, os dois estrangeiros se alojaram na periferia de São Paulo, na zona sul da cidade. O camaronês Alfred vive atualmente na estrada do Campo Limpo, no município de Taboão da Serra, enquanto Richard mora na Vila das Belezas. “Hoje nós conseguimos sobreviver com ajuda de nossos familiares na África, e também com a ajuda da Educafro. Faço minhas refeições em casa, porque é muito caro comer na rua”, conta Alfred, reclamando também do tempo de transporte de sua casa para o centro da cidade.

Quem cuida da alfabetização dos imigrantes e refugiados na Educafro, que oferece aulas no período da manhã e da noite, é a professora voluntária Lilian Fernandes Pedro, de 37 anos, que viu em sua paixão pelo inglês uma oportunidade de ajudar os estrangeiros. “Uma grande amiga me mostrou um jornalzinho e falou que estavam precisando de professores voluntários para os imigrantes.”. Poucos dias depois ela estava na sala de aula ensinando português. “Foi um choque, tanto para mim, quanto para os alunos. Na primeira semana foi estranho, depois a gente estabeleceu um vínculo de amizade. Muitas vezes encontro alunos nas ruas e procuro manter o contato com eles.”, conta Lilian.

A professora Lilian Fernandes Pedro - Foto: Wanderley Preite Sobrinho/Brasileiros

A professora, que já lecionou para sírios, congoleses, senegaleses, paquistaneses, iranianos e outras diversas nacionalidades, também conta que , assim como na grande parte dos alunos brasileiros, os problemas de aprendizado dos estrangeiros têm um viés pessoal e não existem dificuldades padronizadas.” Em relação à língua, cada um tem a sua dificuldade e seu ritmo. Alguns chegam aqui sem saber falar nada e aprendem rápido, enquanto outros demoram mais. O principal problema mesmo é a insegurança, o medo de estar em um país distante.”

A receptividade da Educafro para com os imigrantes e refugiados é uma contraposição às políticas internacionais observadas na Europa recentemente. À Brasileiros, o idealizador do “Português para Refugiados e Imigrantes”, frei David Santos, disse que o mundo está vivendo uma crise em relação à sua própria diversidade, e que foi necessária a exposição da trágica foto da criança síria morta na beira do mar para “acordar a humanidade”. No entanto, frei David fez um alerta à relação entre a problemática dos imigrantes e um racismo velado nas sociedades: “Quantas crianças negras já apareceram mortas na praia e a imprensa nunca deu espaço? Por ser uma criança branca, a atenção da imprensa foi muito maior.”

O frei ainda relatou os efeitos positivos do projeto, que até agora já atendeu mais de 150 estrangeiros. Segundo ele, mais de um quinto dos alunos consegue um trabalho após o primeiro mês nas salas de aula. São dois módulos a cada semestre do curso Básico I, com aulas de três horas de segunda à sexta em dois períodos (9h às 12h e 18h às 21h). “Chega no final dos três meses do curso intensivo, mais da metade dos estrangeiros já está colocada em emprego”. Frei David ainda diz que a ideia do curso gratuito é facilitar ao máximo o aprendizado para os estrangeiros, estes que, em sua grande maioria, são provenientes de estruturas sociais precárias.

Refugiados e imigrantes de diversos países participam de curso de português em São Paulo - Foto: Wanderley Preite Sobrinho/Brasileiros

A alta demanda para aulas de português é reflexo da situação imigratória do Brasil. Segundo dados do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) divulgados pela Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), o número total de pedidos de refúgio aumentou mais de 930% entre 2010 e 2013. Até outubro de 2014 foram contabilizados 8.302 novas solicitações, o que torna o Brasil o país da América Latina que mais recebeu pedidos de refúgio. Em relação aos refugiados já reconhecidos, houve um aumento de aproximadamente 1.240% entre 2010 e 2014 (154 foram reconhecidos em 2010 enquanto em 2014 o número foi de 2.032).

A Educafro não é a única instituição nesta batalha pela inclusão dos imigrantes e refugiados. A Missão Paz, órgão vinculado à igreja católica e aos padres escalabrinianos, fundadores da Congregação dos Missionários de São Carlos, auxilia os imigrantes desde 1940, quando se instalou na rua do Glicério, no tradicional bairro da Liberdade, e também oferece aulas de português para os estrangeiros. No último dia 9, a Mesquita Santo Amaro, em um projeto da associação de assistência aos refugiados Oasis Solidário, iniciou um curso de aulas de português para sírios que chegaram em situação delicada ao Brasil.

A importância destes projetos é imensurável. Não se pode esperar menos de um País que é, historicamente, formado por famílias de imigrantes. Todavia, é necessário um maior empenho por parte das autoridades governamentais para garantir uma vida plena aos refugiados, principalmente com relação à inserção dos estrangeiros no mercado de trabalho e na educação. Dito isso, cabe à população brasileira se solidarizar e, cada vez mais, construir uma nação cosmopolita que abrace suas origens.

 

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