Prisões: a culpa da sociedade e a da mídia

Opinião pública ainda crê em presídios cruéis, como remédio contra crime. Tal irracionalidade é repetida, todos os dias, por TVs e jornais

Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania

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Opinião pública ainda crê em presídios cruéis, como remédio contra crime. Tal irracionalidade é repetida, todos os dias, por TVs e jornais

Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania

O que mais assusta na tragédia ocorrida na região metropolitana de São Luis (MA) e no Complexo Penitenciário de Pedrinhas é a constatação extemporânea, tardia e hipócrita da mídia, de parte da classe política e dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sobre as condições desumanas dessa prisão e de praticamente todas as outras pelo país afora.

Alguém acredita seriamente que um país rico como este não tem condições de construir prisões minimamente dignas para os cerca de 500 mil presos brasileiros? Até porque, não seria necessário construir prisões para toda essa gente, mas apenas para a parte que constitui o excedente da população carcerária.

Então, se “um país rico como este” poderia ter prisões minimamente humanas, por que não tem? Resposta: porque a sociedade brasileira quer que suas prisões sejam desumanas mesmo. E por que este povo quer isso? Porque acredita não só que prisões desumanas podem dissuadir os que cogitem ingressar no crime como acredita que violência policial produz o mesmo efeito.

Não é preciso nem discutir o mérito dessa ideia maluca. É melhor discutir sua efetividade. Como se sabe, tem muita gente que vive espalhando por aí que nossas prisões são “colônias de férias” e que o castigo que a lei prevê para os criminosos é “brando demais”. Vendo o que aconteceu em Pedrinhas, percebe-se quanto idiota há por aí espalhando essas tolices.

O sistema carcerário brasileiro é o quarto maior do mundo e um dos mais cruéis e desumanos. Cumprir um ano de prisão no Brasil equivale a cumprir dez em uma prisão civilizada. Assim, o aumento de penas que tantos pregam como “solução” para o crime não passa de outra cretinice cavalar.

Mas por que a sociedade pede prisões desumanas e as autoridades, premidas por interesses políticos, atendem a essa exigência não apenas burra, mas suicida da maioria dos brasileiros? Simples, porque estes são insuflados cotidianamente pela mídia e, também, por políticos demagogos que se entregam a prometer tudo que o povo pede, por mais absurdo que seja.

Mas quem insufla toda essa burrice é a mídia, acima de qualquer outro. Seus programas policialescos, ao estilo Datena ou Marcelo Resende – que se reproduzem como pragas pelas televisões e rádios regionais e até municipais de todo país –, instilam ódio na sociedade.

Esses apresentadores de programas sangrentos sobre crimes vivem dizendo sobre a violência que gostariam de praticar com as próprias mãos contra os bandidos, durante seus arroubos de machões. O espectador/ouvinte é estimulado a pensar na prisão como forma de vingança e nunca como forma de ressocializar o preso.

Até porque, o princípio de ressocialização não é conhecido. E que princípio é esse? O de que aquele que comete crimes seja preso como forma de proteção à sociedade, não como forma de ela se vingar dele. E o de que é preciso ressocializar porque todo criminoso preso volta às ruas um dia e, se não for ressocializado, volta pior.

Quem passa por uma prisão brasileira, no mais das vezes sai dela pior do que entrou não só porque “aprende o que não presta lá dentro”, mas porque sai de lá no mínimo revoltado. Só que, muitas vezes – ênfase em muitas vezes –, sai de lá com graves problemas mentais, tornando-se um risco ainda maior do que o criminoso meramente revoltado.

A solução para a violência e a criminalidade no Brasil, portanto, não é só mais justiça social, menos pobreza e miséria zero. É, também, construir prisões que preparem o presidiário para ser reinserido na sociedade. Enquanto forem o que são, nossas prisões continuarão sendo a linha de montagem do crime, onde o bandido se profissionaliza e se torna monstruoso.

Para que isso ocorra, a mídia teria que parar de insuflar ódio e começar a instilar reflexão na sociedade. Haveria que explicar que violência policial e prisões desumanas nunca conseguiram diminuir violência e criminalidade em parte alguma do mundo. Mas aí é querer demais. Programas que insuflam ódio e burrice dão muito mais audiência.

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5 comentários para "Prisões: a culpa da sociedade e a da mídia"

  1. “a sociedade brasileira quer que suas prisões sejam desumanas mesmo. E por que este povo quer isso? Porque acredita não só que prisões desumanas podem dissuadir os que cogitem ingressar no crime como acredita que violência policial produz o mesmo efeito”. Que absurdo! O povo quer apenas paz. O cidadão pacato, que é a maioria na sociedade, quando vítima de violência, em casos inclusive nos quais filhos são assassinados cruelmente, até perdoam seus algozes. Os movimentos de vítimas costumam pedir paz. Eu nunca vi nenhum deles exigindo prisões desumanas ou polícia violenta. É um grande erro essa afirmativa sem fundamento. A verdade é que quem não quer gastar dinheiro construindo bons presídios é o estado. Construir prisões não dá voto. Construir estádios sim. Os governos não gostam de investir em presídios. Prisões custam muito, muito caro. É mais barato deixar as prisões existentes entregues ao esquecimento. Polícia violenta é despreparo. De novo o estado é o responsável. Polícia custa caro. Pagar salários justos, selecionar os mais qualificados para serem soldados custa caro. Mas bilhões para pão e circo não faltam. O povo quer paz, quer acesso a um sistema de saúde decente. O povo também quer diversão, futebol, estádios, mas o povo quer prioridades. Antes dos supérfluos estádios, os necessários hospitais bem aparelhados, os imprescindíveis médicos e enfermeiros bem pagos, antes dos bilionários estádios, prisões decentes onde seus presos realmente se recuperem e voltem para a sociedade. O povo quer justiça, quer trabalho e justos salários. Isto vem antes de bolsa reclusão à família do preso enquanto as famílias das vítimas vagam perdidas como párias na sociedade. Depois disso, ou vá lá que seja, concomitantemente com isso, que venham os estádios e as bolsas que quiserem. Enfim, achar que o povo seja tão manobrável pela mídia já é um exagero, é realmente subvalorizar demais a inteligência do povo. Já achar que os políticos deixam os presídios degringolarem por que estão ansiosos por atender um suposto anseio popular de vingança é supervalorizar demais o interesse dos políticos pelo povo que os elegem, é inflacionar um sentimento que certamente existe, mas não com este grau de importância e numa dimensão tão significativa. É muito erro de causa e efeito. A mudança só virá pela educação comprometida totalmente em desenvolver o raciocínio e, principalmente o senso crítico para tudo (tudo mesmo, sem exceções!) e o interesse pela política e pela história. Quando as crianças forem assim educadas, as gerações futuras darão o justo valor ao voto, saberão sobre seus senadores, deputados, governadores, presidentes, prefeitos e vereadores tanto quanto hoje sabem sobre seus times de futebol e seus jogadores e escolherão cuidadosamente quem irá fazer leis para elas cumprirem. Política educacional não basta. Precisamos de uma educação despolitizada, voltada para a crítica racional e científica a começar pela política, passando pelas demais ciências e chegando inclusive à crítica da própria mídia.

  2. Lyra Sqn disse:

    Indico que assistam tbm ”Assassinos por natureza” do Oliver stone, é uma grande crítica a mídia sensacionalista.

  3. Lyra Sqn disse:

    a humanidade e o seu apresso pela mídia sensacionalista…que nojo…esta que acaba sendo um nutriente psiquico e desviante ideologico, uma mídia que vende-se apenas a aparência o lado externo e atraente dos fatos, a mídia sensacionalista que usa as emoções e o sentimentalismo como objeto de exploração. no fundo a imprensa sensacionalista trabalha com as emoções da mesma forma que o regime totalitário trabalham com o fanatismo, tambem de natureza puramente emocional.
    Esses shows sensacionalitas passados no maior meio de comunicação preenchem o tempo com o nada e concretizam o esvaziamento cultural. Um plastico reciclado pode se tornar a sacolinha do amanhã, mas afinal essas pessoas que apenas criticam ou só assistem pacificamente a miséria de outras pessoas serão o que no amanhã? Pois é.
    O sensacionalismo e a espetacularização da vida é um dos fenomenos da sociedade pós-moderna mais preocupantes, pra quem quiser se aprofundar mais no assunto sugiro que leia a tese sustentada pelo jornalista Neal Gabler na obra ” Vida, o filme: como o entretenimento conquistou a realidade” outro crítico que vale a pena ser estudado tambem que critiva a invasão da sociedade pelo espetaculo e pelo imperio da midia é o Guy Debord seguidor da escola de frankfurt e autor da mais autencia critica do espetáculo na sociedade conteporanea, ele o chama de ”a sociedade do espetáculo” outro autor que me instigou tambem no meu primeiro ano como aluno de publicidade e propaganda foi Debord, para debord o conceito de espetáculo está intimamente relacionado com a vida humana, ela é a sua afirmação como aparência, enfim, sugiro que leiam a obra.
    Gostei do seu texto por inteiro Eduardo Guimarães e partilho suas ideias, uma palavra que você citou chamou-me a atenção ” RESSOCIALIZAÇÃO”, sim, é preciso ressocializar para não reincidir, na realidade crua e nua do sistemma penitenciario, na maioria das vezes os prisioneiros estão a inteira disposição dos guardas de presidios que fazem da cadeia um tribunal interno sem regras fixas e deixam os carcerarios sem defesa, ao invés de ser uma instituição destinada a reeducar o criminoso e prepara-lo para o retorno social a prisão é uma casa de horrores, pra não dizer de tormentos fisicos e morais, a prisão está se tornando uma industria do crime, a humilhação é tanta que com o tempo leva o preso a perder o sentido de dignidade e honra que ainda lhe resta e ao invez do estado tentar resgastar ou instituir a ética nesses cidadões…não…o estado piora as coias inserindo o condenado num sistema que segundo OLIVEIRA (apud COELHO 2003,
    p.1):
    “nada mais é do que um aparelho destruidor de sua
    personalidade, pelo qual não serve para o que diz servir,
    neutraliza a formação ou o desenvolvimento de valores;
    estigmatiza o ser humano; funciona como máquina de
    reprodução da carreira no crime; introduz na personalidade a
    prisionização da nefasta cultura carcerária; estimula o
    processo de despersonalizarão; legitima o desrespeito aos
    direitos humanos.
    A pena de prisão precisa urgentemente de uma nova finalideade, de um modelo que aponta que não basta castigar o individuo, que não basta a troca de desumanização, olho por olho e o mundo acabará cego, na minha opinião o individuo precisa de orientação, as prisões precisam de psicologos e psiquitras que acompanhem o individuo para que o sol do humanismo possa nascer.

  4. Iramaia disse:

    Olá! Concordo com a colocação de que a maior parte daquilo que é veiculado na mídia vem destituído de senso crítico e reflexão, trabalhando como um desserviço à população. No entanto, na minha visão, o texto deixou a população um pouco passiva em meio a tudo isso. Na verdade, como já colocado por alguns autores, a mídia também serve como sangue para a população que é vampiresca (muito ativa, no caso), ou seja, as pessoas também devem mudar os rumos de seus interesses e mostrar à mídia que se interessa no coletivo e no pensar sobre aquilo que acontece à sua volta.

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