Amazônia: O terrível acosso aos indígenas isolados

Observatório aponta que o desmatamento em territórios amazônicos onde estão aldeias sem contato cresceu 776%, só entre fevereiro e março. Avanço do “PL da grilagem”, que estimula invasões em regiões sem fiscalização, pode explicar este ataque

Área de Monocultura ao lado da Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, próximo a entrada da base Bananeira da Funai, no municipio de Seringueiras RO | Bruno Kelly – Amazônia Real
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Por Giovanna Costanti, no ISA

As Terras Indígenas (TIs) com povos isolados do Boletim Sirad Isolados tiveram em março o mês com maior desmatamento desde o início do monitoramento. O boletim encontrou 561 hectares de floresta derrubados, um aumento de 776% em relação ao mês de fevereiro. As Terras Indígenas Piripkura, Araribóia e Uru-Eu-Wau-Wau foram as mais afetadas pela explosão das invasões.

O aumento está ligado à redução das chuvas na região, o que facilita novas invasões e a ampliação de áreas já invadidas. Mas a conjuntura política também tem estimulado a derrubada da floresta. “Estamos percebendo, desde o início desse governo federal, que a cada mês a gente bate um novo recorde”, comenta Antonio Oviedo, pesquisador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA. “A curva ascendente de escalada de desmatamento e invasão tem crescido progressivamente desde o início de 2019”.

O avanço de projetos legislativos como o PL 2633/2020, que prevê a alteração de normas de regularização fundiária, e o PL 510/2021, conhecido como “PL da grilagem”, tem estimulado madeireiros e grileiros a seguirem invadindo unidades de conservação e terras indígenas, na esperança de que, com o atual governo, irão receber os títulos destas terras.

No caso da Terra Indígena Piripkura, por exemplo, a Portaria de Restrição de Uso, instrumento que garante a proteção desse território, vence ainda neste ano. A expectativa dos invasores é de que o governo federal não renove a Portaria desta terra, território do povo Piripkura. “Não há dúvidas de que o aumento do número de registros do Cadastro Ambiental Rural irregulares nessas terras já é um caso pensado”, afirma Oviedo, referindo-se ao CAR, um registro autodeclaratório de ocupação da terra, que não tem validade jurídica ou fundiária, mas que é usado de forma ilegal como um documento para comprovar propriedade da terra e, muitas vezes, colocá-la à venda. Não é à toa que Piripkura representa 92% do total da área desmatada no mês de março para os territórios monitorados.

Oviedo também relembra o Projeto de Lei Complementar, aprovado na Assembleia Legislativa de Rondônia, que reduz cerca de 200 mil hectares da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim. “Os invasores desmatam a terra inteira, tudo vira pasto e isso cria um argumento para revisar o limite e retirar esses territórios das Unidades de Conservação. Estão desmatando em uma velocidade tremenda para usar esse argumento”, afirma Oviedo.

Sirad-Isolados

O ataque à Terra Indígena Piripkura continuou intenso. Essa terra sozinha representa 92% do total da área desmatada no mês de março. O Boletim identificou a maior invasão até agora: 518,8 hectares de floresta primária desmatados em um único mês. A velocidade do desmatamento evidencia a presença de máquinas e muitos trabalhadores para a destruição da floresta. Ao todo, são mais de 2 mil hectares devastados dentro desta TI em oito meses.

Já na Terra Indígena Araribóia foram identificados 25,4 hectares desmatados em março, um aumento de aproximadamente 32% em relação ao mês anterior. Em janeiro, o território havia apresentado um desmatamento de 31 hectares.

Na Terra Indígena Caru, foram identificados 11 hectares desmatados no mês de março. Com a diminuição das chuvas, ocorreram novas invasões e ampliação de áreas já invadidas anteriormente.

A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau é a maior do estado de Rondônia e uma das mais pressionadas. Em março, foram 4,5 hectares de desmatamento. A situação deve piorar: o monitoramento identificou a invasão e a degradação de uma área de floresta primária, intocada até então. Isso significa que os invasores já estão retirando recursos dessa área, roubando madeira da região. O estrago, por hora, ainda fica encoberto pelo dossel de outras árvores e não é possível quantificar o tamanho da área. Depois da retirada das madeiras mais valiosas, os invasores costumam efetuar o corte raso, que é a derrubada integral da floresta para a implantação de pastagens – essas clareiras amplas na floresta são identificadas mais facilmente pelas imagens de satélite utilizadas para a fiscalização do crime ambiental.

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