Aécio no Roda Viva: o que disse e o que calou

Conservadorismo aflorou nos ataques à América Latina e afirmações de moralismo. Ex-governador omitiu tentativa de censurar internet e difamação sistemática na rede

Por Marcelo Hailer, na Revista Fórum

Mesmo num ambiente superprotegido como foi o Roda Viva ontem, a questão da cocaína o assombrou.

.

Conservadorismo da candidatura aflorou nos ataques à América Latina e afirmações de moralismo. Ex-governador omitiu tentativa de censurar internet e difamação sistemática na rede

Por Marcelo Hailer, na Revista Fórum

A edição desta segunda-feira (2) do programa “Roda Viva” com o pré-candidato à Presidência da República Aécio Neves (PSDB) foi didático e paradigmático no que diz respeito ao início, de fato, do debate eleitoral. Se Eduardo Campos (PSB) não busca se diferenciar do projeto em curso, o candidato tucano assumiu rumo contrário: o seu projeto político para o Brasil consiste em “cortar relações ideológicas com certos países da América Latina”, redução da maioridade penal tendo como inspiração o projeto de lei senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), contrário à descriminalização da maconha, flexibilização da CLT, enfim, retomar a agenda neoliberal, que marcou o Brasil na década de 1990.

Dois temas marcaram a primeira parte do programa: internet e cocaína. Neves disse existir uma “verdadeira quadrilha de submundo” que propaga mentiras e citou o caso da Prefeitura de Guarulhos que, de acordo com o pré-candidato, é utilizada para sustentar blogs e sites que existem unicamente para atacá-lo. Deve ter se inspirado na reportagem” da revista “IstoÉ”. Faltou o candidato citar as páginas difamatórias que eram/são alimentadas por integrantes do Instituto FHC (iFHC) e membros do PSDB.

Neves ainda declarou que cerca “20 mil pessoas” serão contratadas pelo PT para trabalhar na internet e que, claro, para atacá-lo. Mas também não contou que entrou com ações contra o Facebook e Google.

A primeira tensão surgiu quando o jornalista da revista “Piauí”, Fernando Barros, perguntou ao candidato se ele era usuário de cocaína. Aécio Neves não escondeu o seu desconforto e atacou o repórter ao dizer que ele gastava tempo dos colegas e o seu com histórias inventadas no “submundo da internet”. Mais uma vez o tucano não comentou a respeito dos processos que move contra o Facebook e Google, nos quais pede a retirada de conteúdos que citem o seu nome. E, aproveitando o gancho da internet, o senador ainda defendeu uma ação de polícia mais forte na rede, ignorando completamente que o Brasil acabou de aprovar a legislação mais avançada sobre internet, o Marco Civil da Internet.

Assim como Eduardo Campos, Aécio Neves defende a redução de ministérios, mas, como o seu adversário socialista, não soube dizer como e prometeu até agosto apresentar um programa de corte. Além do corte de ministérios, Neves também afirmou que vai reduzir pela metade o número de cargos comissionados. E mais uma vez ficou com o jornalista da revista “Piauí” o papel do contraponto no meio de uma roda de amigos, ao lembrar ao senador que em seu governo, em Minas Gerais, ele não diminuiu o número de secretarias, mas aumentou. E mais uma vez o candidato demonstrou forte irritação.

Reforma política também esteve no centro da roda. Aécio Neves disse que, se eleito, vai apresentar três pontos de reforma: voto distrital misto, fim da reeleição e mandato de cinco anos e cláusula de barreira para diminuir o número de partidos. E aí mais um ponto em que o candidato tergiversou e assumiu que, claro, a regra do fim da reeleição só valeria para a próxima legislatura, ou seja, Aécio quer ficar nove anos no poder.

Maconha e redução da maioridade penal

Os temas mais espinhosos ficaram para o final do programa. Questionado a respeito da regulamentação e descriminalização da maconha, Aécio Neves se declarou contra e, pasmem, se colocou à direita de Fernando Henrique Cardoso, que é favorável à não penalização do porte de maconha. “O Brasil não deve ser o laboratório para a descriminalização. Essa não é uma agenda que atende ao anseio do brasileiro. O que precisamos ter é uma política contra o crack e contra o tráfico. Tenho divergência com o FHC. Não sou a favor da descriminalização da maconha”, declarou o pré-candidato tucano.

Sobre a questão da redução da maioridade penal, Neves não titubeou e  de pronto afirmou: “Não tenho nada contra a redução da maioridade penal” e utilizou o projeto de lei do senador Aloysio Nunes Ferreira que, em casos de reincidência e “mais graves”, que envolvam jovens menores de idade, seja aplicada as regras do Código Penal. Neves, mais uma vez, só esqueceu de contar que o PL de Nunes Ferreira foi rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), pois, óbvio foi considerado inconstitucional. Mas Neves insistiu e utilizou dois casos graves para totalizar a situação dos jovens, sem tocar, é claro, nas condições que levam adolescentes a cometerem atos infracionais.

“Eu não sou igual ao Eduardo Campos”

Se Eduardo Campos defendeu o programa Mais Médicos e sua continuidade, Aécio Neves deixou dúvidas, declarou que o Brasil precisa de um programa de “mais saúde”, declarou que o governo brasileiro discrimina os médicos cubanos e que, se for eleito presidente, vai obrigar todos os médicos a passarem pelo Revalida. Faltou dizer: estes médicos vão poder continuar a trabalhar.

Há mais sombra na seara tucana. Aécio Neves também se contradisse a respeito da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Confrontado com declarações do passado, de que seria a favor de uma flexibilização da CLT, Neves disse que não, mas ao mesmo tempo declarou que as leis atuais não mais correspondem ao momento presente e que precisam ser revistas. Vai flexibilizar ou não? Há mais dúvidas do que certezas.

A respeito de sua lua de mel com Eduardo Campos, Aécio Neves fez questão de deixar claro que ele e Campos não são iguais e que a principal diferença é que ele nunca trabalhou em um governo petista. Algo que Campos não esconde, pelo contrário, tem trabalhado com a tese de ter feito parte da gestão Lula, da qual foi ministro.

Retorno ao neoliberalismo

Atrás da afirmativa de que o seu programa está em construção, Aécio Neves deixa dúvida em muitas questões, mas, nos temas estruturais ela é direto: judicialização da juventude, esquecendo que existe o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), não avançar no debate sobre a questão da maconha, até mesmo contrariando setores do PSDB, cortar relações com países da América Latina, tais como Equador, Venezuela, Cuba e citou ainda Irã, Israel. Se declarou a favor de acordos bilaterais em detrimento da integração do continente.

Preocupante também é a ânsia raivosa com que o candidato se coloca em torno da rede: ao mesmo tempo em que elogia o advento da internet, defende mais policiamento dos sujeitos online, na contramão do mundo e dos debates sociais em rede, sem contar que ignora completamente o Marco Civil da Internet.

Como disse repetidamente durante o programa “Roda Vida”, se eleito, vai romper “com tudo o que está aí”. Ou seja, retomar a agenda neoliberal, marcada por práticas de novas colonizações e subordinações dos emergentes frentes às velhas “potências” que, basta dar uma lida básica nos jornais, se encontram em franco declínio e com ascensão de grupos neonazistas.

Se Eduardo Campos e Dilma Rousseff (PT) representam a continuidade do programa em curso, com as suas respectivas diferenças, a candidatura de Aécio Neves surge para assumir o espaço abandonado pelo Democratas (antigo PFL). Aécio Neves sabe que há um recrudescimento de grupos conservadores e ele se coloca como porta-voz desses grupos, ficando mais próximo de tipos como Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Pastor Everaldo (RJ), candidato fundamentalista do Partido Social Cristão à Presidência da República.

Mas não se deve subestimar tal guinada à direita do tucanato. O candidato do PSDB sabe que há espaço para uma agenda à direita e vai assumi-la (já o fez), nem que, para isso, como deixou claro, coloque Fernando Henrique Cardoso e outras figuras de seu partido, mais próximo dos candidatos à esquerda, as isole e transforme o PSDB em um PFL da contemporaneidade.

Leia Também:

23 comentários para "Aécio no Roda Viva: o que disse e o que calou"

  1. Mauro disse:

    Se a calamidade fosse só na educação. E a saúde, segurança, cultura…….em Minas?

  2. Mauro disse:

    Sou de Belo Horizonte e fico preocupado com o candidato Aécio Neves. Aqui vivemos sob o peso das mãos da sua irmã. Digo que Minas é um país a parte, creio que só estamos melhor que o Maranhão. Não sabemos de nada que acontece no estado, imagina se ele for presidente.

  3. Mauro disse:

    Caro Gustavo, você é mineiro?

  4. Maurício Gil - Floripa (SC) disse:

    Henrique,
    A melhor informação deste país se extrai da semanal CartaCapital, indubitavelmente a melhor revista do Brasil.

  5. Eduardo José Tollendal disse:

    Não vi o programa, mas o que será que ele disse sobre a calamidade da educação publica em Minas Gerais?

  6. Concordo com você. Me considero de esquerda, mas infelizmente o que assisti foi o jornalista da Piauí tomar um banho do Aécio.

  7. nilson disse:

    Não dá, simplesmente me recuso a trocar seis por meia dúzia, ou até por menos. Se há um ditado de que o que está ruim ainda pode ficar pior aí está um claro exemplo. Há um abismo enorme entre a ideologia política na época de Fernando Henrique Cardoso em quem votei por duas vezes e o que chamamos hoje de mantenedor do Status quo. Aécio Neves é um remake piorado de Fernando Collor de melo. Depois da entrevista que assisti no Roda Viva nem precisa de debate. Foi desesperador um candidato tão ruim. Péssima escolha do PSDB, que aliás a briga do Serra com o Aécio nas eleições passadas só causaram mais prejuízo ao partido e consequentemente a alternância do poder.

  8. Alfredo Glitz Neto. disse:

    Fico preocupado com um candidato a presidente da república , que somente critica o que tem sido feito durante o governo Dilma, mas não tem uma proposta para mudanças e melhoras ,

  9. Gustavo Mota disse:

    kkk, quanta mentira e tendenciosidade nesse textinho mixuruco.

  10. Joao Inacio disse:

    Vá ler a Veja então.

  11. heitor disse:

    Parabéns pela brilhante análise, a verdade é que o projeto do Áecio Neves é retomar a politica fracassada de FHC, com privatizações nebulosas, associação “lambe botas” dos EUA, a volta dos empréstimos com o FMI e o Brasil quebrando na primeira marolinha que aparecer. Proposta progressista como as defendidas pelo comentáriasta “pompeu teles” que seria o ideal para as mudaças de base ele não disse nada, alías infelismente acho que tais propostas são uma útopia, nunca que o congresso irá votar uma lei para reduzir o número de deputados e muito menos um lei de prisão perpétua para crime de corrupção, pompeu você sonhou muito alto…rsrs!!

  12. Pompeu Teles disse:

    OBS: quando eu disse reduzir para 5 deputados federais seria 5 deputados por estado, totalizando 120 deputados federais, mais do que o suficiente!

  13. Pompeu Teles disse:

    Você consegue enxergar que redução de maioridade penal é um paliativo banal que não resolve o problema da violência? Consegue enxergar que se reduzir para 16 anos, os criminosos irão recrutar os de 14 e 15 anos, e se reduzir para 14 anos, eles irão recrutar os de 12 e 13 anos?
    Por que não mudam o código penal, colocando penal de prisão perpétua para crimes hediondos como corrupção (será que os deputados federais votariam esta lei???) e latrocinío entre outros, e para o crime de corrupção de menores pena de 30 anos. Cortar os diversos recursos que impedem um traficante cheio de dinheiro de ir para a cadeia!
    E a reforma política, por que não reduzem para 5 o números de deputados federais (df) e acabam com os tais foros privilegiados que na prática é um brecha para que nunca sejam presos, para que 315 df, que não votam nada na prática e ficam enganando o povo com polêmicas relacionadas a causas gays e outras pautas que não trazem beneficíos para a sociedade como um todo?

  14. Washington disse:

    Henrique Rodrigues Sanches, Assistir a entrevista e em vários momentos Áecio titubeou, e sobre gerar provas não seja inocente garoto, é um jogo político, muito dinheiro envolvido, muito poder e interesses de ambos os lados, tanto da oposição quanto da situação. Existem provas cabais no caso da AP 470? Não. E ainda assim acusados foram condenados pelo mesmo motivo que a história do helicóptero carregado com cocaína foi abafado. Enfim, achei a análise do OP muito sensata e coerente com a entrevista do candidato tucano.
    Outro fato, as eleições estão em vias de fato e aos 45 minutos do segundo tempo o candidato não sabe como irá implementar determinadas mudaças que defende, como no caso das reformas política e do Código Penal, falar até papagaio fala, cadê o projeto, no papel!

  15. Olå Maurício. Estou pesquisando sobre ele e nas fontes oficiais são tudo flores mesmo, sobre o candidato Aécio Neves. Agora, estou vendo as fontes que detonam ele, para ter um meio termo. Tem alguma literatura online que possa nos indicar para podermos ter uma imagem mais balanceada?

  16. ph disse:

    walter pois não entre no site seu conservador

  17. nelson soares oliveira disse:

    Acompanho “Outras Palavras” há bom tempo. Em minha opinião veiculam boas matérias de um modo geral. Entretanto, o presente artigo me parece exageradamente tendencioso, jornalisticamente lastimável, uma vez que as “interpretações” a respeito da performance do pré-candidato Aécio Neves no programa Roda Viva me parecem totalmente fora da realidade do que dele se “viu” e “ouviu” no referido programa. Algo do que me refiro já foi dito com propriedade, acima, pelo Henrique Rodrigues Sanches. Assisti todo o programa, atentamente, e as ilações do presente artigo me parecem bastante descabidas. Quanto ao “submundo” da Internet (ou submundos) existe e se expande. E precisam ser denunciados e discutidos. Esses submundos, no que tange à política, visam principalmente “desinformar” e “confundir”; “denegrir”, “desmoralizar”, “desvirtuar” e “desmerecer” o lado (ou lados) opostos, mesmo que pra isso seja necessário se utilizar de injúrias, calúnias, falsas notícias, boatos etc. E a imprensa, seja a “grande imprensa”, ou a “imprensa alternativa” representada em grande parte por blogs, quando se serve (ou endossa) desses mecanismos fúteis (ou antiéticos) contribui para a manutenção e ampliação do baixo grau de “informação” e “politização” da população brasileira. Do mesmo modo que Aécio Neves; Lula e Dilma ( o Lulinha também), só pra ficar nos mais notórios, têm sido costumeiramente vítimas de “factoides”. E os factoides, as manipulações e/ou distorções de notícias e fatos têm que ser combatidos e rechaçados, independentemente de onde partam e de quem seja visado ou atingido.

  18. Maurício disse:

    desonestidade maior são os defensores de Aécio por aqui…por que não postam o que o “coerente, tranquilo e sincero” Aécio faz com jornalistas, fez com a segurança, saúde e educação pública de MG? Ou então porque ele não explica as suas 51 faltas no senado e a NÃO apresentação de projetos de relevância para o povo brasileiro. Querer a volta disso ai e o que há por trás dele é regredir no tempo. Deus nos livre dessa corja…

  19. Ricardo Vilela disse:

    Eu acho que o PSDB se afastou muito do leito natural da social democracia. E avalio que essa transição que ele vem realizando, da centro-esquerda para a direita, o faz ficar em crise de identidade ideológica e partidária, e isso o levará a uma nova derrota eleitoral.
    Afinal, quais são as propostas do PSDB que expressam que ela ainda é social democrata?

  20. JEFFERSON FERREIRA disse:

    É isso mesmo produção???Como pode existir uma página tão caluniosa e tão (des)governista como esta… Chega a dar arrepios uma página tão desonesta como esta….Assisti o programa e nada nesse texto representa a verdade… É só um emaranhado de textos sem a devida coesão e contexto. Aécio, o próximo PRESIDENTE DO BRASIL….

  21. Cristina Almeida disse:

    Não consigo enxergar jovens de 16 anos como “adolescentes” ou “menores”. Eles votam, fazem sexo, chegam em casa de madrugada ou de manhã. Por que considerá-los incapazes de discernir o certo do errado? Ao tornar jovens de 16 anos responsáveis por seus atos diante da Justiça, o objetivo não é encarcerar todos os delinquentes dessa idade, mas, quem sabe, reduzir os crimes hediondos juvenis. A mudança na lei reforçaria o status que eles próprios já reivindicam em casa diante dos pais: “Eu não sou mais criança”. E não é mesmo.

  22. A desonestidade intelectual desta página é imensa.

  23. Gosto muito do site OP, mas assisti ao Roda Viva e não vi da mesma forma algumas das coisas que disseram aqui. Ele não disse que era a favor da redução da maioridade penal em si, disse que para casos comprovados de crimes hediondos, onde ele até citou o caso de um menino de 17 anos. Os ataques de internet em que ele pediu que retirassem o nome dele são relacionados aos hoax do uso de cocaína e de desvios de verbas públicas, fatos que nunca ocorreram, pelo menos este último, quanto ao uso de entorpecentes, é uma acusação grave, que imputa do acusador de gerar prova: http://www.e-farsas.com/boatos-que-se-espalharam-pela-web-envolvendo-aecio-neves.html
    Acredito na seriedade do trabalho de vocês, mas não vamos vociferar o ódio sem provas, ou ficar de forma lacônica sendo debochados só porque é de esquerda. Achei que ele foi bem tranquilo, sincero e coerente em muita coisa que disse. Só acho um erro o plano diplomático dele de cortar relações com nossos irmãos da América Latina, jogando fora todo esforço que tivemos no governo do PT de ser protagonistas do nosso continente. Ele também foi claro sobre a CLT e não disse que mudaria.
    Bom, recomendo quem não assistiu, assistir no Youtube e tirar as suas próprias conclusões: http://www.youtube.com/watch?v=cd6WV_FhRZc&feature=share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *