A semana em que as elites perderam a noção

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Como a velha mídia manipulou imagens e fatos, para tentar forçar a vitória de Serra. O papel da blogosfera na desmontagem da farsa e a necessidade de uma democratização radical das comunicações

(Este artigo é a primeira parte do Dossiê Globogate: veja ao final links para outros textos)

A esta altura, restam muito poucas dúvidas: tudo indica que também o vídeo da suposta “segunda agressão” a José Serra no bairro carioca de Campo Grande (20/10) foi manipulado pela Rede Globo. Denunciada mundialmente no Twitter, na sexta-feira (22/10), após a aparição de análises que demonstram fusão falsificadora de imagens, a emissora não procurou se defender, nas edições seguintes do Jornal Nacional. Sua redação paulista fora palco, na véspera, de uma cena insólita. Os próprios jornalistas vaiaram a “edição” das cenas em que o candidato do PSDB é atingido por um rolo de fita adesiva, materializado do nada. (leia relato de Rodrigo Vianna). Na madrugada posterior às denúncias de fraude (23h09 de 22/10), o site da Globo exibiu discretamente uma nota do “perito” “Ricardo Molina. Redigido depois que os sinais de fusão fraudulenta de imagens tornaram-se evidentes, o texto procura, em essência isentar a emissora em investigações futuras sobre falsificação. Molina alega que analisou material “encontrado na internet” (veja análise de CDM, no Blog do Nassif).

À medida em que a primeira certeza se consolida, começa a se desenhar uma segunda. A provável manipulação de imagens não foi um fato isolado. Ela articula-se com outro assunto que dominou o noticiário da velha mídia esta semana. Vazaram os depoimentos que o jornalista Amaury Ribeiro prestou à Polícia Federal, no inquérito sobre a quebra dos sigilos fiscais de Verônica Serra e outros expoentes do PSDB. O processo corre em sigilo de justiça. Porém, por serem parte envolvida, os advogados de Eduardo Jorge Caldas, ex-tesoureiro de campanha do partido, pediram, através de liminar, acesso às peças. São a fonte óbvia da inacreditável sequência de matérias publicadas, também a partir de 22/10, pela Folha de S.Paulo e Jornal Nacional.

Aqui, já não se trata, como se verá no terceiro texto desta série, de manipulação de imagens – mas de substituição explícita do jornalismo pelo panfleto partidário. Tendo acesso exclusivo ao depoimento de Amary Ribeiro, a Folha e o JN esconderam de seus leitores uma série assombrosa de informações ou pistas de grande relevância. Preferiram destacar em manchete, durante quatro dias, uma penca de ninharias, pinçadas com claro intuito de servir à campanha de José Serra. A tentativa foi reforçada pela edição de Veja que circula este fim-de-semana.

Iniciado na quarta-feira – poucas horas, portanto, depois de o candidato tucano comparecer à Globo para uma entrevista ao vivo no Jornal Nacional – o movimento inclui sinais de ataque flagrante ao direito à informação, praticado por empresas que se beneficiam de concessão e pesados subsídios públicos. Foi, provavelmente, concebido para desencadear, a onze dias do pleito, a última tentativa de vitória do candidato conservador, numa disputa em que está em jogo, também, o destino das reservas do Pré-Sal.

A força da velha mídia chocou-se, porém, com a rebeldia da internet. Entre quarta e sexta-feira, as manipulações imagéticas e factuais foram desfeitas por uma rede – auto-organizada e informal, porém muito potente – de busca e difusão da verdade. Personagens quase-anônimos desmontaram, com inteligência e conhecimento, as tentativas da Globo de fabricar a “agressão” a Serra. Jornalistas como Luís Nassif demonstraram o caráter partidista das “reportagens” da Folha. Graças ao Twitter e ao Facebook, cada nova descoberta era retransmitida instantaneamente por milhares de pessoas, o que estimulava novas investigações.

No momento em que este texto é concluído, a batalha não está decidida. O contra-ataque da blogosfera – reforçado por uma fala corajosa, de Lula, denunciando a farsa pró-Serra (na quinta-feira, 21/10) – amedrontou temporariamente a Rede Globo, a Folha e a própria campanha do PSDB. Desde sexta à noite, quando difundiram-se os vídeos que desmentiam o Jornal Nacional, a investida refluiu. O recuo, a esta altura, pode ter sido fatal para as Serra. Após as eleições será indispensável investigar o episódio da semana passada. A depender da mobilização social, ele poderá ser conhecido, no futuro, como o GloboGate. Ou o momento em que o setor mais conservador das elites brasileiras abusou descontroladamente do controle que exerce sobre a mídia, a ponto de provocar, como resposta, um amplo movimento pela democratização das comunicações.

Este texto é a primeira parte do Dossiê GloboGate. Na mesma série:

2. A batalha de Campo Grande

Produzir um incidente grave, e atribuí-lo ao adversário, é uma das formas de virar uma eleição quase perdida. Serra e a Globo parecem ter tentado esta estratégia, em 20 de outubro. Foram derrotados por milhões de internautas – e pelo Twitter

3. Como tutelar o seu leitor

Num caso exemplar de partadarismo, Folha e Jornal Nacional triaram as denúncias relacionadas à quebra de sigilos fiscais. Alardearam o que interessava a Serra e esconderam o que o comprometia

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11 comentários para "A semana em que as elites perderam a noção"

  1. Agradeço por divulgar os atos baixos desses canalhas.
    Imaginem o que esse povo que sempre estiveram no poder não já fizeram? Quantas eleições eles manipularam?
    Será que o INSS que não reconhece um aleijado de pé, mão,e mente, não está projetado para atuar assim para que sobre dinheiro para eles burlarem?
    Será que as escolas publicas que são de má qualidade, não o são por vontade desses?
    Como é interessante um povo sem cultura para que fiquem ligados na GLOBO.E ainda ser chamado de culto porque sabem o nome dos “artistas da GLOBO.
    Será que isso é cultura?

  2. Pingback: Escrevinhador
  3. uma grande questão está em nosso horizonte (já há alguns anos) que é o controle social da mídia no planeta. o poder econômico aliado ao forte controle das informações e sua fabricação produz e falsea a realidade e com isso tem o claro objetivo de colonizar mentes e racionalidades, saberes e culturas, ao ponto de aniquilar a diferença e a diversidade.
    o que está escondido neste jogo é o interesse fundamental dos grupos que apóiam o candidato josé serra (organizações globo, grupo folha e editora abril) em manter o controle
    e a colonização do imaginário e das mentalidades.

  4. Elias Nazareno disse:

    As diversas manifestações, estas sim efetivamente democráticas, de repúdio a vergonhosa manipulação do fatos feitos por uma elite carcomida pelo ódio que em grande parte simboliza um velado reconhecimento de sua ineptidão, de sua incapacidade histórica na condução do país, que para sua desgraça foi brilhantemente governado por aqueles setores que habitavam as senzalas.
    O antídoto contra sua irascível capacidade de compreender, porque não querem compreender, não é outro que mais e mais democracia.

  5. elpidio carazza disse:

    Não precisa se esforçar para compreender que nossa mídia não é séria. E vamos em frente

  6. Rouvania Lima disse:

    Aqui em Goiás esta semana fomos golpeados com dois fatos que demonstram os excessos na tentativa de manipular. Primeiro foi o factoide criado para induzir o povo a pensar que qualquer opinião da oposição tem que ser vista como censura, Um jornalista que fazia uso do espaço de uma TV estatal para difundir num horário extra as propostas de um candidato Tucano ao ser orientado pela emissora a não mais se utilizar do espaço, se aproveitou da situação e criou um factoide…deu um escândalo no ar. Insinuando que teria sido vítima de censura… Todos sabem que Agencias Estatais possuem regimento interno e que atos políticos não são aceitos. Mas enfim, o caso foi parar no CQC como se fosse a injustiça das injustiças…Pura manipulação. E ontem o candidato tucano fez uma denuncia a Polícia Federal e registrou ocorrência contra 150 usuários do microblog twitter. É assustador como estes senhores que pleiteiam o poder fazem uso de órgãos sérios e de programas de tv que não estão a par do contexto regional para induzir e incitar a população contra quem não compactua com seus interesses.
    Hoje o microblog foi usado para manifestar indignação e para fazer valer a verdade. Tanto foi os post e retweets que a tal lista com os 150 não apareceu, foi apenas mais um artifício tucano na tentativa de intimidação.
    @Anialim

  7. Paulo Cezar de Mello disse:

    Por falar em manipulação de fatos pela mídia, na sexta-feira, dia 29, deve acontecer uma manifestação pró-Serra em São Paulo. Corre, inclusive, um boato de que se planeja colocar pessoas com bandeiras e camisas do PT para “tumultuar” essa manifestação. É o caso de se ficar atento, pois na sexta já haverá pouco tempo hábil para desfazer distorções que a televisão venha a colocar no ar.

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