A importância didática do sonegômetro

Iniciativa do Sindicato dos Procuradores da Fazenda destaca: problema no Brasil não é carga tributária “alta” — mas impostos injustos e sonegados pelos mais ricos

Por Paulo Kliass, Carta Maior

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Iniciativa do Sindicato dos Procuradores da Fazenda destaca: problema no Brasil não é carga tributária “alta” — mas impostos injustos e sonegados pelos mais ricos

Por Paulo Kliass, Carta Maior

Os pedestres que costumam caminhar pela região central da capital paulista já se habituaram à cena. No início do Viaduto do Chá, no Vale do Anhangabaú, foi instalado um grande painel, que pretende exibir a atualização instantânea dos valores relativos ao pagamento de impostos em nosso País. Passou a ser conhecido como o Impostômetro. Foi uma bela jogada de marketing político, na tentativa de se apropriar do conhecido descontentamento da população em pagar tributos, ainda mais tendo em vista a péssima qualidade dos serviços públicos oferecidos como contrapartida pela máquina do Estado.

A iniciativa do movimento coube à Associação Comercial de São Paulo, uma entidade representativa dos setores mais conservadores do empresariado paulista. Ali sempre estiveram as origens políticas do movimento conhecido como “malufismo”, girando em torno da órbita do ex-governador Paulo Salim Maluf. O dirigente político que terminou ficando mais identificado com a entidade é Guilherme Afif Domingos. Sua carreira teve início como Secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, em 1980, ainda quando Maluf ocupava o cargo de governador biônico, indicado pelos militares, na época da ditadura.

Sua figura começou a crescer de importância no jogo das elites e foi saltitando, de galho em galho, pelas diferentes agremiações partidárias: ARENA, PDS, PL, PFL, DEM e, agora mais recentemente, o PSD de Kassab.

Afif: do malufismo a Ministro da Dilma

Nas eleições de 2010, Afif fez parte da coligação com o partido dos tucanos, ocupando o cargo de vice-governador de São Paulo, o primeiro na linha de sucessão de Geraldo Alckmim. Em maio último, ao final, ele foi nomeado ministro da equipe de Dilma Roussef, ocupando a pasta da Secretaria Nacional da Micro e Pequena Empresa. Era o ato definitivo de celebração do ingresso oficial do partido – recém criado como um racha do Democratas – na base de sustentação do governo do PT. Uma acomodação política que criou um constrangimento considerável no arranjo da política paulista, talvez comparável ao “abraço amigo” de Maluf em Haddad, às vésperas das eleições para a prefeitura da Capital em 2012.

Fiel às suas origens, Afif é líder daqueles que bradam raivosamente contra a presença do Estado na economia, contra o suposto excesso de tributos, contra qualquer medida governamental que vá contra os alicerces de um liberalismo idealizado. Porém, bem de acordo com as tradições do empresariado tupiniquim, eles gritam contra o poder público na hora de pagar tributos, mas adoram mamar nas tetas do Estado quando se trata elevar seus ganhos privados. Benesses públicas são sempre muito bem vindas, desde que a coleta de recursos para o fisco seja efetuada em cima de outrem.

Esse é um pouco o retrato do ambiente em que foi criado o “impostômetro”. Gente que se recusa a contribuir com a sua cota para manter a nossa república, em que sejam assegurados direitos básicos à maioria da população, tais como saúde, educação, previdência social e tantos outros. Não! A estratégia é promover um linchamento em praça pública desse “vilão”, representado pelo Estado. Somam-se os tributos pagos nas esferas municipal, estadual e federal. Pouco importa se não existe serviço público sem arrecadação de impostos. O essencial é que “eu não pague”!

Ao invés de promover uma discussão a respeito da qualidade do gasto e das prioridades a serem estabelecidas, a saída demagógica e oportunista fica sendo a denúncia vazia da “alta carga tributária”. Os números realmente impactam: o total de impostos recolhidos teia atingido a cifra de R$ 1,6 trilhão no ano passado. Ocorre que não há meios para se montar um Estado em condições de prestar bons serviços públicos sem a correspondente arrecadação. Daí para articular pressões que acabem com a CPMF, por exemplo, como fizeram em 2007, é apenas um pulo. A saúde perdeu R$ 40 bilhões de uma tacada só!

A grita contra o imposto e a sonegação

Ora, tal postura reflete, na verdade, o efetivo comportamento de parcela significativa das elites em um País ainda tão marcado pela desigualdade social e econômica. Trata-se da falta de compromisso e de engajamento em um projeto de Nação que seja inclusivo, democrático e sustentável. E isso se combina ao espírito da impunidade e ao traço cultural do nosso conhecido “jeitinho”. O resultado é a tendência explícita à prática da ilegalidade no ramo empresarial que graceja por todos os cantos, estratos e setores da sociedade. Isso vai desde a contratação de força de trabalho em condições análogas à escravidão até a sonegação de tributos. Ou seja, é o império do vale-tudo para aumentar a rentabilidade e o lucro.

Com isso, ganham expressão também os movimentos que caminham no sentido oposto. Associações, entidades e profissionais que se preocupam com a questão republicana e com a obrigação que todos os setores e classes sociais têm para contribuir com a manutenção de nossa possibilidade de bem desenvolver políticas públicas para a maioria da população. Em termos bem objetivos, isso implica em aceitar a vigência de um pacto social envolvendo política tributária e capacidade arrecadadora do Estado. Além disso, propõe-se que tal modelo se articule ao tão necessário aperfeiçoamento da gestão pública, ao seu dever de realizar a despesa de forma eficiente e com qualidade. E então nasce um importante contraponto aos liberais de fachada da Associação Comercial: o “sonegômetro”.

A iniciativa foi protagonizada pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional e vem sendo encampada por outros setores da sociedade, que se identificam com a proposta de denunciar o elevado índice de sonegação fiscal em nossas terras. A metodologia adotada foi desenvolvida a partir de estudos e pesquisas envolvendo a questão tributária em nosso País e a experiência comparada no plano internacional. A grande contribuição trazida pelo movimento foi trazer à tona aquilo que todos estamos acostumados a vivenciar em nosso cotidiano de cidadãos brasileiros. As típicas situações como “com ou sem nota?”, “precisa de recibo?”, “quanto fica sem declaração?”, “só contrato sem carteira assinada!”, “será que ele me quebra esse galho?”, “você é que é trouxa de pagar imposto!”, “fulaninho tem um esquema que é dez!”, entre tantas outras modalidades da pequena sonegação. Isso para não falar das grandes jogadas das grandes corporações e do financismo, envolvendo a lavagem de elevadas somas de recursos, as operações enormes de remessa ilegal de recursos para contas nos chamados “paraísos fiscais”, o contrabando explícito corrente em parte das operações de comércio exterior, a indústria e comércio ilegal das armas e das drogas, entre outros.

Tributação progressiva e eficiência no gasto

Além disso, é importante registrar a característica marcante da regressividade de nossa estrutura tributária. Isso significa que a população dos estratos de renda mais baixa – os que vivem de seu salário ou de aposentadoria – terminam por pagar proporcionalmente mais impostos do que as camadas da parte de cima da pirâmide. Tal fato deriva da maior concentração da tributação sobre o consumo de bens e serviços e não sobre a renda, o patrimônio e o capital. Da carga total arrecadada, 75% do valor dos impostos incidem sobre no ato do consumo ou sofrem desconto na fonte de salários.

Dessa forma, as empresas e os mais ricos contam com o importante instrumento para reduzir sua contribuição ao fisco. Lançam mão do chamado “planejamento tributário” – eufemismo para buscar de forma racional e legal mecanismos para pagarem menos impostos. Para tanto “basta” contratar profissionais bem remunerados, que então se incumbem de tarefa tão especializada.

O “sonegômetro” aponta para uma sonegação estimada em 24% do total da arrecadação. Isso corresponde a um valor próximo de 10% do PIB. Se utilizarmos as informações relativas a 2012, a soma do valor sonegado alcançaria R$ 415 bilhões. Trata-se de valor que não pode ser desprezado e que relativiza um pouco o susto inicial provocado pela divulgação de nossa carga tributária – 36% do PIB.

Um dos pontos a reter, assim, é que o problema não é tanto de suposto excesso de tributos, pois quase 1/4 do que seria devido pelos contribuintes não é pago. A divulgação da carga sonegada coloca em questão a dimensão da carga arrecadada e abre o caminho para discutir o modelo atual de tributação. Por exemplo, fica evidente que o caráter regressivo de nossos impostos acaba provocando uma profunda injustiça social quanto aos setores tributados. Finalmente, esse debate também introduz uma reflexão a respeito da necessidade de se aperfeiçoar a qualidade do gasto e dos serviços prestados pelo Estado.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

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