Wikileaks: o que o Pentágono quer esconder

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Temendo divulgação de 15 mil novos documentos, governo dos EUA amplia pressão para silenciar site que vaza segredos do poder. Editor Julian Assange (na foto) diz que não se intimidará

Uma batalha decisiva para o futuro da liberdade de expressão pode estar sendo travada neste instante. Seu desfecho vai se dar nas próximas semanas. Depois de ter publicado 76 mil relatos secretos sobre a guerra dos EUA contra o Afeganistão (ver texto a respeito, em Outras Palavras), o site global Wikileaks (“furos colaborativos”, em tradução livre) prepara-se para divulgar mais 15 mil. Aparentemente, o conteúdo do segundo lote é ainda mais devastador. Viriam à luz, especula-se, não apenas atrocidades cometidas por soldados no campo de batalha — mas relações diplomáticas perigosas que Washington manteve com governos aliados. Numa corrida contra o tempo para evitar o vazamento, o Pentágono – e, em especial, a direita norte-americana – têm recorrido a ameaças, mistificações e intimidação.

Na semana passada, o próprio secretário de Defesa, Robert Gates, lançou-se a elas. Numa atitude de enorme risco, ele admitiu implicitamente a autenticidade dos documentos que o Wikileaks tem em mãos. Afirmou que o material contém “enorme volume de informações sobre nossas táticas, técnicas e procedimentos”; que sua divulgação ameaça “os soldados norte-americanos e aliados” e terá “consequências potencialmente muito graves”; que será “de grande valia para o Teleban e a Al-Qaeda”. O porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, engrossou o coro em tom de guerra, afirmando que a publicação dos arquivos irá “ajudar o inimigo”. Ainda mais agressivo e ameaçador, o colunista neocon Marc Thiessen escreveu no Washington Post: “Os EUA têm capacidade cibernética para impedir que WikiLeaks divulgue o material. O presidente Obama ordenará que os militares usem a capacidade que têm? (…) Se [Julian] Assange, [o editor do Wikileaks] for deixado livre e os documentos em seu poder forem divulgados, Obama só poderá culpar a si mesmo.”

O esforço para impedir que as informações cheguem à opinião pública recebeu o apoio de uma ONG costumeiramente aliada a Washington: os Repórteres sem Fronteiras (RSF). Numa nota divulgada em 14/8, a entidade tenta mobilizar, contra o Wikileaks, o sentimento de defesa da vida. “Revelar a identidade de centenas de pessoas que colaboraram com a coalizão [liderada pelos EUA] no Afeganistão é altamente perigoso. Não seria difícil para o Taleban e outros grupos armados usar tais documentos para compor uma lista de alvos em ataques mortais”, diz o texto. Ele serviu para que parte da mídia apontasse o “isolamento crescente” do Wikileaks. Entre os que acompanham em mais detalhes a conjuntura internacional, porém, a postura era previsível. Diversas análises independentes têm apontado a forte relação dos RSF com a diplomacia norte-americana – em especial com algumas de seus projetos e personagens mais controversos [veja o verbete sobre os RSF (português, inglês) na Wikipedia]. (continua)

Que pode haver de tão perturbador (para Washington) nos 15 mil documentos? Segundo o jornal britânico The Guardian, que teve acesso a parte do imenso material reunido pelo Wikileaks, pode tratar-se de “um arquivo de milhares de telegramas, enviados pelas embaixadas dos EUA em todo o mundo, nos quais se trata de comércio de armas, encontros secretos e opiniões não censuradas de outros governos”. Em outras palavras, revelações capazes de abalar governantes e políticos que se aliaram, em todo o mundo, às principais iniciativas geopolíticas e militares de Washington, nos últimos anos — em especial no período Bush.

No fim-de-semana, o australiano Julian Assange, editor do Wikileaks, afirmou em entrevistas em Londres e Estocolmo que  o conteúdo deverá ser publicado num período de “duas semanas a um mês”. Segundo ele, a equipe de voluntários do site está revisando “linha por linha” os arquivos vazados. A triagem visaria, em especial, remover informações que possam ameaçar a segurança pessoal de personagens citadas. Também haveria meios de imprensa ajudando a interpretar e resenhar o material, embora Assange tenha preferido não nomeá-los.

Para driblar uma eventual tentativa do Pentágono de destruir os documentos, ou colocar o site fora do ar (e talvez para proteger a si mesmos), os responsáveis pelo Wikileaks adotaram um procedimento sofisticado. Há cerca de duas semanas, disponibilizaram um imenso arquivo (o “insurance.aes256”, de 1,4Gb), que supostamente contém toda a base de dados relativa aos vazamentos passados e futuros que perturbam o Pentágono. O material está blindado por criptografia, mas os apoiadores do site foram estimulados a baixá-lo. A esperança é que, difundido dessa forma, torne-se indestrutível. Para que seja aberto, por qualquer um de seus possuidores, basta que o pessoal do Wikileaks, sentindo-se ameaçado, divulgue a senha de desencriptação.

Embora a história assemelhe-se, em alguns de seus aspectos, ao enredo de um filme sofisticado de espionagem, ela envolve uma batalha política de enorme importância. O empenho do governo Obama em tentar impedir a divulgação dos documentos sugere que estão em jogo informações muito delicadas não apenas para seu antecessor, mas para as políticas dos Estados Unidos, de forma geral. Felizmente, o Wikileaks parece não se intimdar. No fim-de-semana, ao responder às críticas dos conservadores e do RSF, Julian Assange afirmou: “Temos um dever em relação aos mais diretamente afetados pelo material: o povo do Afeganistão e os rumos desta guerra, que está matando centenas de pessoas a cada semana. Temos um dever em relação ao registro da Hisória, sua precisão e integridade”. E foi adiante: “se os responsáveis pela defesa dos Estados Unidos querem ser vistos como promotores da democracia, eles devem proteger o que os fundadores de sua nação consideravam o valor central: a liberdade de expressão”.

M A I S:

> Análise de Outras Palavras sobre os primeiros vazamentos e o papel inovador jogado pelo Wikileaks.

> Textos do The Guardian (com tradução de Caia Fittipaldi / Vila Vudu) com  a história dos vazamentos, a síntese de seu conteúdo e as principais revelações.

> Nosso dossiê, com o material usado para produzir este post.

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2 comentários para "Wikileaks: o que o Pentágono quer esconder"

  1. Julio disse:

    Será que a encriptação não pode ser quebrada sem autorização dos autores?
    Nestes dias, o site Inovação Tecnológica relata a resolução, em menos de vinte passos, do cubo de Kubril por meio de um algoritmo a que chamam “número de Deus”. Este algoritmo, dizem, poderia ser usado para quebrar outros quebra cabeças.
    qualquhttp://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=numero-de-deus&id=020175100812er outro quebra-cabeças, inclusive desencriptação.

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