Wajngarten acusa Pazuello e levanta suspeitas sobre jogo duplo de Bolsonaro

Ex-secretário de Comunicação poupa presidente de responsabilidade no atraso da compra de vacinas. Ao mesmo tempo, Bolsonaro elogia general da ativa

Sérgio Lima/Poder360
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“Incompetência e ineficiência”. Assim o ex-titular da Secretaria de Comunicação do governo, Fábio Wajngarten, resumiu a atuação do Ministério da Saúde na negociação para a compra da vacina da Pfizer. Em entrevista à Veja, o publicitário tentou imputar toda a culpa ao “time” do ex-ministro Eduardo Pazuello – eximindo Jair Bolsonaro de responsabilidade. “Se as coisas não aconteceram, não foi por culpa do Planalto. Ele era abastecido com informações erradas, não sei se por dolo, incompetência ou as duas coisas”, afirmou.

Wajngarten disse que foi procurado por “um dono de veículo de comunicação” que informou que a farmacêutica tinha enviado uma carta ao governo oferecendo milhões de doses de vacinas. “Liguei para a sede e me apresentei. No mesmo dia, o CEO da empresa me retornou. Foi uma conversa surpreendente. Ele relatou o que havia acontecido – ou melhor, o que não havia acontecido. O Ministério da Saúde nem sequer havia respondido à carta”. 

A partir daí, o ex-secretário de comunicação afirma ter aberto “as portas do Palácio do Planalto” à Pfizer. “Convidei os diretores da empresa a vir a Brasília. Fizemos várias reuniões. Fui o primeiro a ver a caixa que armazenava as vacinas a menos 70 graus. Eu também levei a caixa para o presidente Bolsonaro ver”, conta, acrescentando que a empresa estava disposta a “antecipar entregas, aumentar os volumes” e cobrar menos de US$ 10 por dose, bem abaixo dos US$ 30 cobrados de Israel. “Infelizmente, as coisas travavam no Ministério da Saúde”. Segundo ele, por conta das “três famosas cláusulas leoninas do contrato”. 

A Pfizer queria que o foro para a solução de eventuais conflitos fosse baseado em Nova York, também a isenção de responsabilização por eventos adversos causados pelo imunizante e que o Brasil apontasse ativos que cobrissem potenciais danos financeiros com indenização. “Houve várias reuniões para discutir e tentar superar esses obstáculos”, disse à revista. “Quando você tem um laboratório americano com cinco escritórios de advocacia apoiando uma negociação que envolve cifras milionárias e do outro lado um time pequeno, tímido, sem experiência, é isso que acontece”, criticou. 

Wajngarten tenta pintar um quadro em que Bolsonaro e Paulo Guedes estavam de acordo com a compra, mas no meio do caminho havia “a equipe que gerenciava o Ministério da Saúde”. 

A Pfizer ofereceu ao governo brasileiro no dia 15 de agosto a opção de comprar 70 milhões de doses, com entrega prevista a partir de dezembro passado. Quase um mês depois, em 12 de setembro, o CEO mundial da farmacêutica, Abert Boula, enviou uma carta não só a Pazuello, mas também ao presidente brasileiro e ao ministro da Economia, pedindo celeridade nas negociações.  

Há duas interpretações da entrevista circulando na imprensa. Alguns “por integrantes da equipe de Jair Bolsonaro”, teriam recebido a jogada de Wajngarten “como um gesto de canalhice e covardia”. “As palavras foram usadas por um dos ministros do governo, que afirma que, ao atirar no ex-ministro Eduardo Pazuello, Wajngarten fatalmente atinge Bolsonaro, ainda que pareça poupá-lo”, informa a coluna de Mônica Bergamo.

Mas entre deputados “prevalece a leitura de que as declarações de Wajngarten buscam tentar jogar a responsabilidade do agravamento da crise sanitária no colo de Pazuello e foram uma jogada ensaiada entre o ex-chefe da Secom e Bolsonaro”, apurou o Valor. Segundo o jornal, na leitura dos parlamentares a estratégia não foi “bem amarrada”, já que há vários registros oficiais que mostram a ausência de autonomia do ex-ministro da Saúde em relação ao presidente. “Nos bastidores, até mesmo aliados do Centrão falam em ‘jogo duplo de Bolsonaro’, que, na avaliação deles, deu aval para que o ex-secretário fizesse as declarações, enquanto prepara o terreno para acomodar Pazuello em um cargo dentro do Palácio do Planalto”. 

Como efeito concreto, Wajngarten – que já seria ouvido – agora deve ser um dos primeiros convocados pela CPI da Covid. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) já escreveu o requerimento em que o ex-secretário de comunicação falará na condição de testemunha, e pede para que ele disponibilize “e-mails, registros telefônicos, cópias de minutas do contrato, dentre outras provas para confirmar sua afirmação”.

Wajngarten também tem muito a explicar pela sua atuação na Secretaria de Comunicação. Para ficar em um exemplo: foi na sua gestão que foi veiculada a campanha publicitária “O Brasil não pode parar”, que estimulava a livre circulação de pessoas e vírus e só foi tirada do ar porque a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do MPF ameaçou processá-lo por improbidade administrativa. 

Wajngarten foi indicado ao governo por Meyer Nigri, dono da construtora Tecnisa – que também teria sido responsável pela indicação de Ricardo Salles e de Nelson Teich. 

Treine seu general

O governo teme que Eduardo Pazuello se descontrole na CPI da Covid da mesma forma como perdeu as estribeiras na despedida do Ministério da Saúde, quando afirmou que existe um esquema de distribuição de verbas – ou “pixulé” – para favorecer políticos na pasta.

Para evitar mais ‘revelações’, o general da ativa usará seu tempo para se “debruçar sobre uma série de documentos, dados e informações oficiais que reforcem a narrativa de que o governo não foi omisso na pandemia nem na crise do oxigênio em Manaus”, diz O Globo.  

É sempre bom lembrar que esse intensivo de Pazuello será pago pela Viúva, já que o militar está para receber um cargo na Secretaria-Geral da Presidência. E o melhor de tudo é que o chefe do general, ministro Onyx Lorenzoni, foi escalado para treiná-lo e “evitar que o ex-ministro se desestabilize diante da pressão”.

Não é só. Segundo o jornal, Pazuello terá à sua disposição um grupo de trabalho formado por integrantes de diferentes ministérios. E quem vai reunir as informações necessárias para responder aos questionamentos da CPI é outro investigado em potencial: o coronel Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, nomeado assessor especial da Casa Civil na última sexta-feira. 

O GT é uma ideia do ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, e deve se reunir semanalmente no Planalto, para elaborar um roteiro que será utilizado para integrantes do governo se defenderem na CPI. Dentre os participantes, estão servidores da Saúde, Defesa, Economia, do Itamaraty, Comunicações, da Advocacia-Geral da União (AGU), Controladoria-Geral da União (CGU) e Secretaria de Governo, entre outros. 

Nesse sentido, a Casa Civil pediu a vários ministérios um relatório de todas as ações tomadas no combate à pandemia, principalmente em relação a 23 acusações mapeadas pelo próprio governo. Estão na lista a negligência na compra de vacinas, a promoção do mentiroso “tratamento precoce” contra a covid-19, a militarização do Ministério da Saúde, a minimização da gravidade da pandemia, a ausência de incentivo à adoção de medidas restritivas para reduzir o contágio pela doença, etc.

Reafirmação como estratégia

Além do cargo e do treinamento, Eduardo Pazuello também tem recebido convites para viagens e elogios de Jair Bolsonaro. Além da ida ao interior de Goiás semana retrasada, na sexta-feira o general da ativa foi levado a… Manaus. 

No epicentro de uma das piores crises do governo durante a pandemia, o presidente recebeu uma homenagem da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas: o título de cidadão amazonense

Bolsonaro afirmou que a homenagem “é sinal” de que seu trabalho e o de Pazuello “foi muito bem feito”. Simpatizantes de Bolsonaro, que se aglomeraram com permissão dos organizadores do evento, gritavam “Pazuello governador”. 

Mais tarde, já sob o efeito da entrevista de Fábio Wajngarten, o presidente afirmou que o general não teve culpa pelo atraso na compra da vacina da Pfizer. “Seria uma irresponsabilidade do governo despender recursos para algo que ninguém sabia o que era ainda porque não estava ainda no mercado”. É claro que ele se esquece que o contrato com a AstraZeneca foi assinado muito antes de a vacina ter seu uso emergencial aprovado pela Anvisa… 

Em Manaus, afirmou que o Exército pode ir “para a rua” para, segundo ele, reestabelecer o “direito de ir e vir e acabar com essa covardia de toque de recolher”.

E na quinta-feira, durante a transmissão ao vivo, Bolsonaro voltou a falar em hidroxicloroquina – ou melhor, de “um negócio” que tomou que serve para tratar malária, artrite e lúpus, numa referência clara ao medicamento. 

Ligando todos esses pontos, senadores que compõem a CPI da Covid enxergam que está em curso uma tentativa de Bolsonaro de mobilizar a sua base para compensar a vulnerabilidade no colegiado. “Em caráter reservado, parlamentares que preferem não se identificar afirmam que a posição de Bolsonaro provavelmente reflete uma nova estratégia, a de partir para o confronto fora do ambiente da CPI, uma vez que não terá controle sobre o andamento das investigações”, informa a Folha.

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