Quantos são?

Os bastidores da operação de maquiagem no número de mortes, a volta atrás do Ministério e a confusão reinante

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Entre segunda e terça-feira o Brasil registrou 679 óbitos por covid-19. Ou 718. Ou 849. Ou 637… Depende da fonte consultada. Esses dados, pela ordem, foram divulgados pelo Ministério da Saúde e pelo Conass também, pela iniciativa Brasil.io, por um consórcio de veículos da imprensa e pelo MonitoraCovid-19, da Fiocruz. Isso não quer dizer que algum deles esteja errado: no fim das contas, todos se baseiam nos dados informados pelas secretarias estaduais de saúde, mas diferenças nos horários consultados geram divergências nos números. Em comum, todas as contagens mostram um total de mais de 37 mil mortes e mais de 700 mil casos conhecidos.

A confusão que o governo federal gerou no desde a semana passada – com os atrasos, as promessas de recontagem de mortos, o sumiço dos dados oficiais na internet, o retorno sem o acumulado de casos e óbitos – fez com que outras contagens paralelas ganhassem importância (algumas iniciativas, com o Brasil.io e o MonitoraCovid-19, já existiam antes e fazem um ótimo trabalho com os dados da pandemia). Por um lado, isso aumenta a exposição do governo caso esconda deliberadamente dados. Por outro, gera uma profusão de manchetes diferentes que na certa há de confundir a cabeça dos leitores. Que bom seria poder apenas confiar nos números oficiais…

Ontem vieram à tona os bastidores dessa história. Segundo apuração do Valor – depois seguido por outros veículos, como Estadão e Folha –, os militares que ocupam postos-chave do Ministério da Saúde vinham pressionando técnicos da pasta há muito tempo para maquiar os dados da pandemia. De acordo com o Estadão, a ordem partiu primeiro de Jair Bolsonaro, que a repassou a Eduardo Pazuello. E a pressão chegou até mesmo à Abin, cujos dados são só para uso interno.

Depois de muitas críticas dentro e fora do país, ontem o Ministério da Saúde liberou suas informações mais cedo, às 18 horas, e também o número acumulado de óbitos e casos registrados. Disse que continuará fazendo dessa forma. Além disso, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, o coronel Élcio Franco, afirmou que não vai ser feita nenhuma recontagem dos dados já consolidados. A ideia, como vimos, tinha sido propagada na imprensa pelo empresário Carlos Wizard, que desistiu da Secretaria de Ciência e Tecnologia antes de tomar posse.

Mas nem por isso se pode dizer que a transparência tenha passado a reinar. Voltando à reportagem do Valor, o governo defende, nos próximos dias, que sejam adotados novos critérios para tornar os números menos dramáticos, divulgando apenas as mortes ocorridas e confirmadas de fato nas últimas 24 horas. Como bem sabemos, o atraso nos diagnósticos faz com que os óbitos sejam registrados dias ou até semanas depois, de modo que as mortes registradas em um dia são, quase todas, antigas. Não é preciso gastar muitos neurônios para enxergar o problema: boa parte das mortes recentes só será confirmada no futuro. Hoje, por exemplo, há mais de quatro mil óbitos em investigação, que precisam aparecer em algum momento. Mas, se depender do desejo do governo, vão sumir, não aparecendo em estatística nenhuma.

A história só piora. Técnicos ouvidos pelo jornal afirmam que a sugestão partiu do empresário Luciano Hang, da Havan, em um vídeo encaminhado por WhatsApp. O vídeo foi enviado aos técnicos por Elcio Franco e é um show de bizarrices. Nele, Hang promete fazer uma live com Osmar Terra (pois é) para “mostrar o que está por trás dos números”; em seguida, apresenta um gráfico com as últimas mortes, que formam uma curva decrescente. Mas isso é óbvio, porque faltam justo as mortes ainda não confirmadas. Ontem essa videoconferência aconteceu. O dono da Havan e o deputado afirmaram, sem evidências, que o pico da epidemia de coronavírus já passou. E defenderam a operação abafa do Ministério da Saúde…

Os técnicos dizem que, desde o compartilhamento do primeiro vídeo de Hang, têm sido constantemente pressionados por Elcio Franco e por seu adjunto, Jorge Kormann, para mudar os critérios de divulgação. E ainda denunciam que um boletim epidemiológico elaborado pela equipe técnica foi “censurado” por Franco por conter dados cumulativos.

A propósito, todos ali sabem que, na verdade, o que existe é uma grande subnotificação, tanto de mortes como de casos. O ex-número dois da Saúde (e atual secretário-executivo do Centro de Contingência da covid-19 em SP) João Gabbardo provocou o general Eduardo Pazuello nesse sentido: “Ele foi a primeira pessoa que discutiu no Ministério essa divergência entre os casos de covid e o número de sepultamentos em Manaus. Ele mostrou claramente, com dados, que a média diária de sepultamentos tinha aumentado sete vezes, e o número de casos de covid era muito menor que essa diferença”, disse, em entrevista à CNN.

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