Quando o consumo de drogas não é crime

Hoje o Canadá libera o uso recreativo da maconha; a Suíça tem há anos o consumo controlado de heroína.

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Essas e outras notícias aqui, em dez minutos.

17 de outubro de 2018

NA LEGALIDADE

É hoje * queno Canadá, começa a valer a decisão de permitir o uso de cannabis para fins recreativos (para medicinais, ele já era permitido desde o ano 2000). Do ponto de vista econômico, devem ser gerados 750 milhões de euros anuais. Mas a matéria do Público diz que o “processo de regulamentação da nova lei promete ser moroso e obrigará ainda a muitas clarificações”. Cada província vai ter uma legislação específica, com idade mínima para a compra (desde que acima dos 18 anos) e a natureza (privada ou estatal) dos estabelecimentos que vão poder vender. Com a legislação que entra em vigor nesta quarta, as pessoas vão poder comprar pela internet, por meio de portais administrados por cada província. O Jornal da Associação Médica do Canadá se posicionou (muito) contrário à nova lei e publicou editorial a chamando de uma “experiência descontrolada”.

E o que acontece quando um país oferece o consumo controlado como alternativa à proibição – e nem estamos falando de drogas consideradas leves? Este mês, uma reportagem do Le Monde relata o caso da Suíça. Lá, o Programa Experimental de Prescrição de Entorpecentes oferece tratamento a dependentes de heroína com… doses de diacetilmorfina, heroína produzida legalmente em um laboratório do país e com uma posologia adaptada a cada caso. São 1,5 mil pacientes atendidos em 22 centros, e cada pessoa é acompanhada por um enfermeiro, um residente e um psiquiatra.

A matéria conta que experiência da prescrição médica de heroína nasceu para dar conta das cracolândias. Além dos problemas de saúde dos usuários, como infecções e overdoses, havia outros, porque eles frequentemente recorriam a roubos e prostituição para financiar o consumo. Um beco sem saída. A primeira sala de injeções do mundo foi aberta em 1986, em Berna, e aos poucos a estratégia foi se aperfeiçoando.  “Essa mudança lhes oferece disponibilidades psíquicas para se concentrarem novamente em sua vida, fixarem objetivos, retomarem contato com a família e os amigos. Têm, enfim, acesso a um psiquiatra”, diz um dos enfermeiros.

As cracolândias, desmanteladas, jamais reapareceram. A criminalidade relacionada a drogas teve uma “redução excepcional” e hoje é quase inexistente, até porque, como a droga é gratuita, deixou de ser traficada. E o consumo de heroína não aumentou. Na verdade, a droga deixou de atrair os jovens, porque a prescrição médica alterou a imagem da heroína e os usuários passaram a ser vistos como doentes crônicos. Assim, a clientela envelhece e não aumenta (hoje, a média de idade é 45 anos).

ELEIÇÕES 2018

Haddad foi entrevistado pela Vice, em vídeo. Falou sobre pontos marcantes nessas eleições, como a escalada de violência, a proliferação de notícias falsas, a Venezuela, a situação do Lula… E também sobre algumas questões ligadas diretamente à saúde: aborto e drogas. Quanto ao aborto, disse que acha muito difícil, do ponto de vista institucional, o poder Executivo ter protagonismo nesse debate, que deve acontecer com a sociedade, o Congresso, o STF. “O que cabe ao Executivo? Nós temos que zelar pra que essa questão, enquanto está sendo discutida, seja tratada como questão de saúde pública. Porque as pessoas morrem. Morrem. E a gente precisa ter uma política, educar as nossas jovens e os nossos jovens em relação ao seu próprio corpo. (…) A política pública tem que ser toda voltada do Executivo pra saúde e educação.  E tá faltando isso. Tá faltando educação, esclarecimento. Os nossos jovens não estão sendo expostos ao conhecimento científico que os ajude a compreender como lidar com o próprio corpo”.

Sobre as drogas, ele seguiu no mesmo caminho: “Nós temos que lidar mais com isso. Tornar isso parte do dia a dia do currículo escolar. Com mais educação. E cuidar de quem se tornou usuário de droga, de quem às vezes praticou o aborto e está à beira da morte por falta de assistência. Então, nós temos que ter uma outra visão um pouco mais generosa, mais abrangente”. E fala também sobre a descriminalização da maconha: “temos que saber diferenciar [o grande traficante do usuário], e a lei de 2006 era uma chance, infelizmente ela foi mal usada e, agora, a jurisprudência, que é a interpretação da lei, vai ser consolidada. Eu acho que nós temos aí uma oportunidade de avançar”.

Quanto a Bolsonaro… Como divulgamos aqui, na semana passada os médicos que o acompanham afirmaram que a partir de amanhã ele possivelmente estaria liberado para participar de debates. Mas o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), cotado para assumir a Casa Civil caso o candidato vença as eleições, disse que não vai rolar. Sua justificativa: uma pessoa que passa por uma colostomia “peida e fede“. Lorenzoni declarou ainda que, depois de anos “dizendo suas ideias”, Bolsonaro não tem mais o que falar, e que debates televisivos “não resolvem nada”: “Acabou. O jeito normal de se fazer política no Brasil acabou”.

Quase três mil organizações da sociedade civil assinaram uma nota de repúdio à declaração de Bolsonaro sobre “botar um ponto final em todos os ativismos no Brasil”. Inclusive a Abrasco.

E a situação brasileira tem sido abordada com preocupação por pesquisadores e pela imprensa internacional. Ontem, Dia Mundial da Alimentação, ela foi destacada também por conselheiros do Comitê Mundial de Segurança Alimentar das Nações Unidas, que lançaram uma “Carta de Apoio à Democracia, aos Direitos Humanos e às Políticas Públicas de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil”. Por aqui, o Conselho Federal de Nutricionistas também publicou um manifesto pela democracia, em que defende o SUS e as políticas públicas relacionadas a alimentação e nutrição.

SOBRE O QUE COMEMOS

Por falar em comida… Mais da metade dos jovens acompanhados pela atenção básica, no SUS, têm alimentação inadequada. Ontem o Ministério da Saúde divulgou dados do Sisvan (o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional) mostrando que, em 2017, 55% deles consumiram produtos industrializados regularmente, como macarrão instantâneo e salgadinho de pacote. Além disso, 42%  comiam hambúrguer e/ou embutidos; e 43% consumiam biscoitos recheados, doces ou guloseimas diversas. É no Sul que tem a maior quantidade de jovens comendo essas ‘bobagens’ salgadas – quanto aos doces, ficam na frente mas empatados com o Nordeste.

E 91% dos consumidores ignoram as ameaças ao meio ambiente causadas pelo processo de produção, consumo e desperdício dos alimentos. Quem diz é a ONG WWF, que fez um levantamento com 11 mil pessoas em dez países, entre eles o Brasil.

VAI AUMENTAR

Um estudo da Universidade de Washington monitorou 195 países e fez projeções sobre a expectativa de vida neles em 2040. No cenário mais positivo, ela vai aumentar em todos. No Brasil, onde a expectativa em 2016 era de 75,2 anos, ela pode chegar a 78,5 anos se as tendências recentes de saúde continuarem. Apesar do crescimento, ele será menor do que em outros lugares. Hoje o país é o 81º no ranking mundial, e deve cair uma posição. Duas pesquisadores ouvidas pelo Globo falam das mudanças pelas quais o sistema de saúde brasileiro precisa passar para dar conta do envelhecimento da população. Uma das estratégias é fortalecer o cuidado cotidiano, com atendimento domiciliar, com visitas dos agentes comunitários de saúde.

Impressiona o posicionamento dos EUA no ranking, que deve cair do 43º lugar para o 64º. Já em Portugal as coisas devem melhorar muito, e o país deve passar do 23º lugar para o 5º. Na China também: de 68º para 39º.

LEMBRA DELE?

O medicamento sofosbuvir, que cura a Hepatite C em 95% dos casos, mereceu nossa atenção nos últimos tempos quando o Inpi julgava a concessão de sua patente para a farmacêutica norte-americana Gilead. No fim a patente foi concedida, e a Fiocruz – que já tinha a tecnologia para produzir e a autorização da Anvisa, podendo levar a uma economia de R$ 1 bilhão nos cofres públicos –  ficou proibida de fabricar o remédio. Pois ontem saiu uma portaria do Ministério da Saúde incorporando esse medicamento, em associação ao Velpatasvir, no SUS. Uma boa notícia para quem tem a doença, mas poderia ser melhor ainda se a produção fosse nacional.

COMO NO DITADO

Sabe aquela ideia de que violência gera violência? Ela é verdade também quando se fala em palmadas em crianças. Alguns estudos já mostraram a relação entre o castigo físico na infância e o comportamento agressivo na vida adulta, mas agora uma pesquisa da Universidade McGill, do Canadá, foi além, e sugere consequências mais amplas. O trabalho, publicado na BMJ Open, analisou dados da OMS de 400 mil pessoas em 88 países. E os que possuem leis proibindo que os pais batam nos filhos são menos violentos.

DE VOLTA À VENEZUELA

Mais de seis mil venezuelanos que estavam no Brasil voltaram ao país de origem num programa de repatriação de Maduro. Somando com os que voltam de outros países, são quase oito mil. Segundo o governo daquele país, alguns dos motivos alegados por quem quis retornar foram  xenofobia, abuso de trabalho, desemprego, problemas de saúde e dificuldades econômicas.

OPINIÃO

O editorial da Folha de hoje sustenta que, na saúde pública, a crise orçamentária “não justifica a inação”. O texto é norteado pelo exemplo do hospital estadual  Agamenon Magalhães, no Recife, que reduziu em 54% sua taxa de mortalidade materna entre 2016 e 2017 sem custos extras, só com melhoras na gestão, no atendimento e na capacitação de funcionários.

SORVETE?

Uma equipe de nutricionistas da Universidade Federal de Santa Catarina (USFC).criou um sorvete especial que funciona como suplemento nutricional e, ao mesmo tempo, reduz os efeitos colaterais da quimioterapia.

* Na primeira versão desta newsletter, estava escrito “amanhã”. Culpa desta jornalista que começa a escrever na madrugada anterior ao envio.

 

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