Plasma à venda

Um mercado paralelo se forma à margem da comprovação científica e da regulação estatal

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Vários países estão pesquisando o tratamento para covid-19 com o plasma de pacientes recuperados, com a aposta promissora de que os anticorpos presentes no plasma ajudem o organismo do doente a se curar. Ainda não há estudos demonstrando a eficiência disso, mas, mesmo que venha a dar certo, um problema de cara é que não haveria tratamento para todo mundo: esse tipo de terapia depende de que haja um grande volume de sangue de ex-pacientes, e não há. Já vimos por aqui como equipes de pesquisa já estão trabalhando na produção de anticorpos a partir de animais, por conta dessa limitação.

Mas há quem não esteja disposto a esperar por evidências científicas, muito menos pela produção de um novo fármaco. Na Bolívia, o Ministério da Saúde entrou de cabeça na terapia com plasma. Os incentivos para as doações são múltiplos: empresas oferecem descontos ou presentes aos clientes que tiverem feito doações, e pelo menos duas universidades anunciaram que aceitarão alunos sem vestibular se comprovarem que foram doadores, relata o El País. Mas, por problemas no sistema de saúde, o acesso a bancos de sangue e hospitais está restrito à parcela mais rica da população. Com famílias de pacientes desesperadas por atendimento e convalescentes precisando atravessar a crise econômica, floresce por lá um mercado ilegal de venda de plasma. Uma bolsa de 400 mililitros pode ser vendida por algo entre R$ 2,5 mil e 15 mil, ou trocada por promessas de emprego e pagamentos de dívidas. “As pessoas começam a pedir plasma nas redes sociais diante do primeiro diagnóstico, do primeiro resultado positivo, sem saber se seu familiar vai chegar à terapia ou se vai precisar ou não do plasma. Por via das dúvidas…”, conta o jornalista José Pomacusi, que cobre a pandemia na cidade de Santa Cruz de la Sierra.

Não é só na Bolívia. No Paquistão, onde o sistema de saúde está à beira do colapso, bolsas são vendidas pelo equivalente a R$ 15 mil a R$ 50 mil. “Os hospitais não estão envolvidos, mas vi acordos acontecerem na minha frente. Normalmente, os atendentes ou familiares de um paciente abordam alguém que se recuperou, pedindo para doar sangue. Quando uma certa quantia é acordada como pagamento, geralmente entre 200 mil e 800 mil rúpias, eles vão para um laboratório privado e extraem o plasma, que é ‘doado’ aos pacientes. Conheço uma família de cinco pessoas que se contaminou e gastou ao todo 3,5 milhões de rúpias [R$ 250 mil] em plasma sanguíneo no mercado ilegal. Eles acreditam que é uma cura milagrosa”, diz, no Guardian, um médico de um hospital em Islamabad.

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