Piso da Enfermagem: a queixa irracional do setor privado

Garantia salarial faz justiça a categoria indispensável e sacrificada. Impacto sobre faturamento dos planos de saúde é de apenas 2,5%. E há alternativas viáveis para obter mais recursos por meio de tributação justa

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Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

“Provamos que o impacto econômico não ultrapassa 3% do que é investido no sistema público de saúde e não vai além de 2,5% do faturado pelos planos de saúde. O piso precisa abrir a discussão sobre a ampliação do financiamento do SUS e a redução da carga tributária de atividades que geram emprego, como a saúde”. É assim que Alexandre Padilha, deputado federal e relator da PEC 11/2022, define, em entrevista a Outra Saúde, a entrada em vigor do piso nacional de enfermagem, contestada por entidades patronais do setor hospitalar.

Sancionado a contragosto pelo presidente da República em 4/8 (com o malicioso veto de reajuste pela inflação), o piso é resultado de anos de lutas de uma das categorias profissionais fundamentais da sociedade. São cerca de 2,5 milhões de trabalhadores beneficiados pela nova norma, que estabelece ganho mensal mínimo de R$ 4.750 para enfermeiras(os), 70% deste valor aos técnicos de enfermagem e 50% para os auxiliares de enfermagem e parteiras. Logo em seguida, porém, a garantia foi questionada pela Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), que representa os hospitais privados – e recebeu em seguida apoio das  gestoras de estabelecimentos filantrópicos. O setor alega que o piso pode gerar até 83 mil demissões.

“Isso é não reconhecer a importância da categoria. Temos casos de enfermeiros concursados em diversas partes do país que recebem R$ 1.500. O sistema de saúde tem nos profissionais de enfermagem sua base de sustentação. São a única categoria que de fato fica 24 horas por dia a cuidar das pessoas”, diz Solange Caetano, do Fórum Nacional de Enfermagem, ao Outra Saúde. Ela acrescenta: “Já demos nossa cota de sacrifício. Os hospitais são os que mais lucraram nos últimos tempos. Cabe a eles conversar com deputados e senadores para criar novas fontes de custeio, já que não querem diminuir sua lucratividade. Mas jogar nas costas dos trabalhadores e demiti-los é desumano – com eles e também os assistidos, porque a consequência é que se o pessoal fica mais restrito, os remanescentes ficam sobrecarregados e o serviço piora”.

Além disso, Solange destaca que estão na mesa diversas alternativas para o custeio do piso, assim como do próprio aumento do financiamento da saúde. Ela cita o PL 442/91, que regulamenta jogos de azar no Brasil; o PLP 205/21, sobre a desoneração de folha de pagamento de empresas do setor de saúde; o PL 840/22, que versa sobre aumento dos royalties da mineração; o PL 2337/21, que tributa lucros e dividendos e faz parte do debate sobre a reforma do Imposto de Renda; o PL 1241/2022, que prevê utilização de royalties do petróleo. Por fim, o uso de fundos da União previstos no orçamento de 2022.   

Padilha, por sua vez, revisita velhos embates políticos e classistas ao dizer que “o Brasil precisa de uma reforma tributária justa que reduza impostos aos mais pobres e incentive quem gera emprego ou queira investir em setores que geram emprego”. O Palácio do Planalto foi na direção oposta. A fim de baratear a gasolina, a demagógica redução do ICMS enfraquece ainda mais o financiamento da Saúde, como denunciam estados e municípios.

Curiosamente, ao menos em um aspecto, o relatório da comissão que encaminhou o projeto conseguiu unir trabalhadores e patrões. Ambos os lados calculam que o impacto nos cofres públicos fica em torno de R$ 16 bilhões. É exatamente um “orçamento secreto”, mecanismo imoral com o qual o presidente se blindou no Congresso depois de ter seus inúmeros crimes postos a nu, em especial após a CPI da Pandemia.

O piso nacional da enfermagem é mais uma batalha pelo orçamento público, num país que passou os últimos anos a fazer reformas a gosto do mercado e colheu resultados desastrosos no tecido social. Fechar leitos e hospitais, demitir pessoas e precarizar o atendimento ao público não são opções. Ampliar o financiamento da saúde é inescapável para que se comece a reverter o brutal mal estar social.

De acordo com o DIEESE, o salário mínimo necessário a uma vida materialmente digna seria, em agosto de 2022, de R$ 6.388. Não à toa, Solange Caetano lembra que o piso idealizado pela enfermagem era bem superior ao aprovado, e mais condizente com o cálculo do DIEESE: R$ 7.750.

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