Pazuello escorrega e compromete Bolsonaro – mas ainda não o suficiente

Omissão do presidente na crise do Amazonas e na compra de imunizantes da Pfizer vai tomando corpo

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Se na quarta-feira Eduardo Pazuello ficou mais ou menos livre para falar o que quis à CPI da Pandemia, pondo em prática o extenso treinamento que recebeu do Palácio do Planalto, ontem alguns senadores conseguiram dele respostas mais comprometedoras para o governo – muito embora ele não tenha sido tão pressionado quanto poderia. Em um ato falho, ele disse que gostaria que o Brasil contasse hoje com “200 milhões de recuperados” da covid-19. A demonstração explícita de sua crença na imunidade coletiva (via contaminação) acabou não sendo explorada pelos senadores. 

Há um ponto relevante sobre a falta de oxigênio no Amazonas: ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Pazuello afirmou que Jair Bolsonaro participou da decisão de não aprovar um pedido de intervenção na saúde pública do estado naquela época, em janeiro. 

Ele disse, porém, que a decisão foi tomada em conjunto após o governador Wilson Lima (PSC-AM) argumentar “que o Estado tinha condição de continuar fazendo a resposta dele”. Só que Lima  um aliado do presidente  o desmentiu: “Nunca houve recusa do Estado para qualquer tipo de ajuda relacionada às ações de enfrentamento à covid-19. Além disso, o Governo do Amazonas sempre pediu a colaboração federal para auxiliar no combate à pandemia”, disse ao Estadão. A intervenção foi pedida pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) no dia 15 de janeiro, logo que estourou a crise. 

Jogo das diferenças

A referência à reunião em que se decidiu sobre o Amazonas foi a primeira vez em que Eduardo Pazuello implicou Jair Bolsonaro diretamente em uma decisão desse porte. Mas houve outro momento em que ele se viu enredado pelas perguntas de Randolfe Rodrigues, quando tentava explicar mais uma vez a demora nas negociações com a Pfizer.

Ele sustentava que havia um entrave jurídico por conta das malfadadas cláusulas leoninas. Rodrigues apresentou então a minuta de uma Medida Provisória elaborada por vários ministérios, inclusive o da Saúde, com um artigo que resolveria o problema; estava assinada por todas as autoridades do governo responsáveis, menos o presidente da República, pois era ainda uma proposta. Então ele presentou seguida o texto que foi efetivamente aprovado (a MP 1.026/2021). Era praticamente idêntico à minuta, com duas diferenças. Uma: o dispositivo havia sumido. Outra: a assinatura de Jair Bolsonaro. Pazuello precisava explicar, então, quem tinha eliminado o dispositivo que poderia ter resolvido rapidamente a aquisição das doses.

O general tentou argumentar que a supressão do artigo teria sido decidida por não haver “consenso” sobre ele. Como todos os ministros haviam assinado a minuta, infere-se que, entre eles, estava tudo bem. Segundo esse raciocínio, o dissenso só poderia ter sido fruto de uma pessoa: Jair Bolsonaro. Mesmo assim, o general conseguiu não dizer, letra por letra, que o texto havia sido modificado a pedido do presidente. “Não pelo presidente, mas pelo governo”. De todo modo, o termo serviu. 

Na véspera, o ex-ministro havia dito que pareceres do TCU, da AGU e da CGU eram contrários à assinatura do contrato. Isso poderia ter motivado essa decisão “do governo”, mas, ao que parece, não foi assim. O TCU desmentiu Pazuello ainda na quarta-feira, durante a sessão. Quanto aos demais órgãos, O Globo analisou documentos indicando que o governo começou a se posicionar contra a negociação em dezembro, mas só pediu pareceres à AGU e a CGU em fevereiro. Eles ficaram prontos apenas em março. Já a MP 1.026 foi publicada antes, em janeiro

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