O sinal explosivo enviado pelo comandante-geral do Exército às tropas

Ao não punir Pazuello, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira abre a porteira para que fardados mergulhem na política e expõe o apego dos militares ao poder

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A “motociata” do dia 23 de maio teve concentração, trajeto definido e discurso em cima de carro de som no final. Jair Bolsonaro agradeceu à direita. “Quem quer voto impresso?”, dizia um locutor para animar o público, em referência a uma das ideias preferidas do presidente para minar a fé no processo eleitoral brasileiro. Com olho, nariz e boca de manifestação política, o passeio dos “motoqueiros do apocalipse” contou com a participação do general da ativa Eduardo Pazuello, ao arrepio do Regulamento Disciplinar do Exército e do Estatuto dos Militares. 

Ontem, o comandante-geral do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, arquivou o procedimento administrativo aberto contra Pazuello. Com isso, abriu as portas para que mais militares da ativa sigam o exemplo do general, num processo que tem tudo para ir além – violentamente além.

Em uma nota de apenas três frases, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que o comandante “analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente” por Pazuello. A defesa, apresentada no dia 27, é um escárnio: afirma que a manifestação não era um evento político-partidário. Que o país não está em período eleitoral – como se atos políticos estivessem restritos a esse calendário. E também que Bolsonaro não é filiado a partido político. 

Há dias a punição a Pazuello era assunto na mídia. Poderia variar desde uma prisão disciplinar, logo descartada, a uma repreensão por escrito ou a mera advertência verbal, cujo teor poderia nem vir a público. Nem isso Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira topou. O comandante do Exército está apegado ao cargo a esse ponto. 

Já há um conjunto de versões tentando aliviar o lado dos fardados. Oficiais procuram repórteres para dizer que, dentro o Alto Comando do Exército, houve quem discordasse de Paulo Sérgio. Que, no generalato, a “maioria” já havia se declarado a favor da punição… Ao mesmo tempo, tentam vender a versão de que “qualquer decisão geraria problemas e que uma eventual a punição a Pazuello representaria por tabela uma reprimenda ao presidente, por causa da presença de Bolsonaro no mesmo palanque”. 

“Tudo balela”, resume a jornalista Malu Gaspar. “Agora, não vai faltar quem se apresse a enviar a imprensa recados na direção contrária. Vão dizer que Bolsonaro é, em última instância, o comandante máximo das Forças Armadas. Dirão ainda que, se ele decidisse revogar a decisão de Paulo Sérgio, o prejuízo à imagem do Exército seria ainda maior”, continua, lembrando que o Exército já desafiou a autoridade de outros presidentes quando achou conveniente. “Quando Dilma Rousseff exigiu uma punição para o então general Hamilton Mourão, que em 2015 convocou militares para um ‘despertar patriótico’ e para a mudança do status quo, o comandante, general Villas Boas, negociou uma espécie de punição branca e transferiu Mourão de um comando militar para um setor burocrático, sem tropas”.

A palavra que mais se lê no noticiário desde ontem é “pressionado”. Como se Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira tivesse se visto num beco sem saída. É claro que houve pressão, e que ela culminou na nomeação de Eduardo Pazuello para um cargo no Palácio do Planalto na segunda-feira. Mas o episódio, caracterizado pelo historiador Carlos Fico como “uma posição inédita de submissão”, parece provar definitivamente que há um sólido consórcio de interesses unindo o presidente e os militares. Da mesma forma que Bolsonaro não quer deixar a cadeira em 2022, os fardados não abrem mão dos cargos e vantagens.

“Jair Bolsonaro seduziu as Forças Armadas com três moedas: prestígio, poder e dinheiro. Em troca, exigiu uma só: a submissão completa ao seu projeto político. O capitão subiu a rampa com sete ministros militares. O loteamento se espalhou pelos escalões inferiores da máquina pública. Mais de seis mil fardados se penduraram em cargos civis. Quem não ganhou emprego embolsou vantagens no contracheque. Os integrantes das Forças Armadas foram poupados da reforma da Previdência. Além de manter privilégios, arrancaram novos penduricalhos. No mês passado, uma canetada autorizou militares da reserva a furar o teto constitucional. Alguns generais passarão a receber supersalários acima dos R$ 60 mil por mês”, lista Bernardo Mello Franco. 

A corrupção da coisa pública atinge níveis inauditos. Ao mesmo tempo em que o Ministério da Defesa responde ao ministro Luís Roberto Barroso que não tem dinheiro para salvar os Yanomami e Munduruku de violentos ataques de invasores aos seus territórios, a pasta desenha dois programas de pesquisa – Propex-Defesa e Pró-Estratégia – em que o pesquisador militar ligado às Forças Armadas será enviado ao exterior ao custo de US$ 300 mil por ano. Sabe quanto custa a bolsa oferecida por Capes ou CNPq aos civis? Um décimo disso: US$ 30 mil dólares, mostrou a Piauí

A distinção entre civis e miliares, contudo, se apaga – quando em benefício dos últimos. Além dos cargos civis que ocupam, e do assalto aos cofres públicos, se depender do comandante do Exército os fardados da ativa poderão participar de manifestações políticas e até subir em palanques. Armados, quem sabe onde vão parar para defender suas preferências e privilégios?

“Pazuello sai incólume no momento em que policiais militares acham por bem prender pessoas que criticam o presidente ou, pior, atiram balas de borracha nelas. Qual será o limite para que a munição real seja empregada?”, pergunta Igor Gielow. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos, que não devem demorar: há manifestação pelo impeachment de Jair Bolsonaro marcada para o dia 19 de junho, e outras podem acontecer antes, no dia 13 durante a abertura da Copa América. 

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