O que esperar da volta da CPI?

Retorno deve priorizar investigação sobre empresas intermediárias e contratos para compra de vacinas. Intenção é liberar as próximas semanas para apurar novos temas, entre eles a difusão de desinformação

Foto: Sérgio Lima/Poder360
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Por Leila Salim

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Voltando após o recesso parlamentar, a CPI da Covid deve acelerar nesta semana as apurações e depoimentos sobre irregularidades na compra e negociação de vacinas. A ideia da cúpula da comissão, segundo apurou a Folha, é concentrar os primeiros esforços nos casos Covaxin e Davati e ganhar tempo hábil para, nas próximas semanas, se dedicar a novas frentes de investigação.

Entre os novos alvos, estão as suspeitas de corrupção nos hospitais federais do Rio de Janeiro e os negócios da empresa VTCLog com o Ministério da Saúde. A investigação sobre os hospitais está a cargo do senador Humberto Costa (PT-PE), que na próxima semana deve apresentar os nomes a serem convocados para depoimento. É possível que um dos primeiros seja Marcelo Lambert, superintendente do escritório da Saúde no Rio. Informações de bastidores dão conta, segundo a Folha, que Lambert teria sido indicado por Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) para o cargo. 

Já os contratos milionários da VCTLog com o Ministério, ampliados durante a gestão de Ricardo Barros, devem ser investigados a partir do depoimento da presidente da empresa, Andreia Lima. Como comentamos por aqui, a quebra de sigilo telefônico de Roberto Dias, ex-diretor de logística da pasta, mostrou repetidos contatos com a VTC, o que reforçou as suspeitas de irregularidades em licitações graúdas vencidas pela empresa. 

Desinformação na mira

A disseminação de notícias falsas também deve ganhar atenção da CPI. A ideia, segundo O Globo, é identificar agentes públicos que difundiram fake news durante a pandemia. Foram listados 26 parlamentares cujas postagens em redes sociais contém conteúdos de desinformação. 

O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), no entanto, avalia que depoimentos nesse caso não serão necessários. Segundo ele, os próprios posts servem como provas contundentes e serão anexados ao relatório final das investigações. 

Mas não apenas os parlamentares serão investigados por difusão de notícias falsas. A CPI deve abrir outra linha de investigação para apurar a participação direta do governo, via Secretaria de Comunicação (Secom), no financiamento e estímulo à propagação de desinformação sobre a pandemia. O fio a ser seguido é o da quebra de sigilo fiscal da agência Artplan, contratada pela Secom. Há suspeitas de que esse contrato tenha sido usado para financiar influenciadores digitais que disseminaram conteúdos falsos. Os dados, no entanto, mostram que a verba paga pelo governo federal à agência foi redistribuída a duas empresas subsidiárias da Artplan. A CPI pretende, agora, pedir a quebra de sigilo das subsidiárias para descobrir quem recebeu – e como empregou – a verba pública.

Também suspeita de disseminar informações falsas, a rádio Jovem Pan entrou na mira da CPI. No entanto, após a sinalização de que a comissão discutiria hoje o pedido de quebra de sigilo bancário da rádio, representantes da mídia comercial reagiram. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) rapidamente emitiu nota de repúdio, argumentando que  “qualquer tentativa de intimidação ao trabalho da imprensa é uma afronta à liberdade de expressão, direito garantido pela Constituição Brasileira”. O pedido de quebra de sigilo foi apresentado por Renan Calheiros. 

Muito maior

Mas ainda há muito a ser apurado quanto às negociações de vacinas. Amanhã, os olhos da CPI vão estar concentrados nas empresas, revendedores e intermediárias que ofertaram vacinas ao governo federal sem autorização dos fabricantes dos imunizantes. E novas revelações indicam que o “rolo”, para usar a expressão de Bolsonaro sobre a Covaxin, pode ser muito maior do que se supunha…

O reverendo Amilton Gomes de Paula, fundador da ONG Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), vai ser o primeiro depoente. Ele foi convocado para esclarecer a participação da ONG na negociação feita por Luiz Paulo Dominguetti, o policial militar  que que ofereceu 400 milhões de doses de AstraZeneca sem autorização do laboratório e sem origem comprovada. É que, como se sabe, a ponte entre o Ministério da Saúde e Dominguetti, que dizia representar a empresa estadunidense Davati, foi feita justamente pela Senah. 

Mas as suspeitas acerca da ONG ganharam novos contornos. Reportagem da Folha mostrou que a Senah, autorizada pelo Ministério da Saúde a negociar a compra de vacinas para o Brasil, fazia tratativas também com outra empresa nos Estados Unidos. E o caso não é nada simples. 

A International Covid Solutions Corp, criada em janeiro deste ano, é uma empresa novaiorquina presidida por Charles Ramesar e gerenciada pelo policial aposentado Rudranauth Toolasprashad. Conhecido como Rudy, o policial-gerente já foi afastado da corporação por suspeitas de corrupção. A empresa, por sua vez, não conseguiu comprovar como disponibilizaria as doses de vacina que pretendia vender. 

A sede oficial da companhia fica nos fundos de um escritório de advocacia no Queens, em Nova Iorque. Mas, quando a reportagem da Folha visitou o local, foi informada pelo sócio do escritório, Darmin Bachu, que a empresa responsável pela venda de vacinas funcionaria em outro lugar. Surpresa: nesse novo endereço, funciona na verdade um cinema de bairro. Pois é. 

Segundo a Folha, que teve acesso a troca de mensagens, a Senah falou em nome do governo brasileiro para negociar com essa curiosa empresa a compra de vacinas da Pfizer e da AstraZeneca, além de luvas e seringas. Lembrete importante: a AstraZeneca nega que negocie venda para empresas privadas. 

A Senah conduzia a negociação com a International Covid Solutions Corp desde janeiro,. Segundo o advogado da empresa dos Estados Unidos declarou à Folha, as negociações com o Brasil não foram adiante. Ele diz ainda que a empresa tem acesso a fornecedores da Pfizer e da AstraZeneca para compra de vacinas, mas que os nomes dos responsáveis pela negociação seriam sigilosos. 

Mais mistérios

Quanto ao caso original, envolvendo a empresa Davati, há também  novidades: o dono da companhia, o americano Herman Cardenas, disse ao Fantástico, da TV Globo, que foi enganado pelos seus parceiros brasileiros. Segundo ele, Cristiano Carvalho (que era, junto a Dominguetti, representante da Davati no Brasil) fingiu estar em contato direto com Bolsonaro e chegou a forjar uma foto para simular uma reunião com o presidente. 

Cardenasna mesma linha do dono da International Covid Solutions Corp , disse também que não pode contar de onde a companhia tiraria as 400 milhões de doses da vacina fabricada pela AstraZeneca negociadas com o Ministério da Saúde… Diante de tantas dúvidas, intermediárias e segredos, parece que o reverendo terá muito a dizer à CPI amanhã. A ver.

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