O problema ‘Mesmos Médicos’

2.844 médicos vão sair de postos vinculados à Saúde da Família para vagas no novo edital do Mais Médicos: um cobertor curto que tem tudo para prejudicar a população

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30 de novembro de 2018

Segundo levantamento do conselho de secretários municipais de saúde,

O PROBLEMA MESMOS MÉDICOS

A cobertura sobre que consequências sanitárias o fim da parceria entre Cuba e Brasil trará para a população continua. Ontem, os gestores das três esferas de governo se reuniram. E o Conasems, que representa os secretários municipais de saúde, divulgou que 34% dos brasileiros inscritos no novo edital do Mais Médicos abandonaram vagas na Estratégia Saúde da Família. Com a simples substituição do vínculo com prefeituras pelo programa federal – que paga melhor em alguns casos – unidades de saúde podem sofrer um desfalque de 2.844 profissionais. Como dissemos ontem, o programa Mais Médicos se transforma no problema ‘Mesmos Médicos’.

Ainda segundo o Conasems, 1.644 médicos se apresentaram às prefeituras, ou iniciaram as atividades. O edital oferece 8,3 mil vagas. “Sei que ainda estamos nos primeiros cinco dias nesse processo de homologação das vagas, mas é preciso que isso se intensifique porque o paciente lá na ponta do sistema já está sem atendimento”, disse Mauro Junqueira, presidente do Conasems. Ele sugeriu que seja criada uma sala de situação para acompanhar o cenário. “Desde a criação do Programa nossa intenção sempre foi a de contratar médicos brasileiros, mas tivemos que recorrer a profissionais estrangeiros para suprir a demanda causada pela ausência de médicos brasileiros em comunidades ribeirinhas, de alta vulnerabilidade e distantes dos grandes centros urbanos”, acrescentou ele.

Folha fez um levantamento e constatou que todas as 151 vagas não preenchidas no edital eram oferecidas nas cidades mais vulneráveis. Deste total, 68 estavam em municípios onde 20% da população ou mais está na extrema pobreza, com renda mensal inferior a R$ 89. E 83 delas em distritos sanitários indígenas. O jornal foi a campo para dar um rosto e uma voz a esses locais rejeitados pelos médicos brasileiros. “Quando vi o edital, já sabia que sairíamos prejudicados. Tomo médico que vem aqui só quer ficar por 15 dias ou com salários mais altos”, relatou ao jornal Nádia Teixeira, secretária municipal de saúde de Juruá, cidade que fica a um dia de distância de Manaus, e onde só se chega de barco. Juruá e Jutaí, também no Amazonas, foram os dois municípios no país que não receberam nenhum médico interessado em ocupar as vagas oferecidas no novo edital. Os profissionais brasileiros pedem entre R$ 20 mil e R$ 30 mil para ficar por lá…

Mas depois problema da provisão, bate à porta o nó da fixação desses profissionais. Dados obtidos pelo jornal via Lei de Acesso à Informação revelam que 54% dos brasileiros que já participaram do Mais Médicos desiste do programa em até um ano e meio de atuação. E, como se sabe, alta rotatividade na atenção básica não faz bem à saúde. Os profissionais precisam começar do zero todo o trabalho de aproximação com as pessoas que vão acompanhar. A maior parte das desistências (58%) afeta periferias de capitais e regiões metropolitanas.

EXPECTATIVA DE VIDA

Ontem, o IBGE divulgou os novos números de expectativa de vida ao nascer, referentes a 2017. Em média, os brasileiros ganharam 3 meses e 11 dias de vida no ano passado. Nossa média está em 76 anos. Contudo, há diferenças: entre homens e mulheres, e entre locais. A longevidade masculina aumentou de 72,2 anos em 2016 para 72,5 em 2017. No caso das mulheres, a comparação no período é de 79,4 para 79,6 anos. Santa Catarina tem a maior média no país, com 79,4 anos. A pior expectativa de vida é a do Maranhão, com 70,9 anos. O IBGE inclui dados que remontam 1940 no relatório desse ano, o que mostra o impacto do quanto avançamos desde então: na época, a longevidade média era de ínfimos 45,5 anos.

TAMBÉM DÁ PRA PIORAR

Já nos Estados Unidos, a expectativa de vida diminuiu. Por lá, os números também foram divulgados ontem. E o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) revelou que em 2016 a longevidade média era de 78,7, e no ano passado passou para 78,6 anos. Esse mês de vida perdido se deve ao maior número de mortes já registrado no país: foram 2,8 milhões no ano passado, 70 mil a mais que em 2016. Suicídios e overdose acidental por uso de drogas estão em alta, mas outras causas como AVC, diabetes, gripe, pneumonia e doenças respiratórias crônicas também crescem e preocupam. “Essas estatísticas são um alerta de que estamos perdendo americanos demais, muito cedo e com muita frequência, para condições que são preveníveis”, destacou texto assinado pelo diretor do CDC.

SOB TRUMP

E falando em Estados Unidos, o país viu a quantidade de crianças sem seguro de saúde aumentar pela primeira vez na década. Eram 3,9 milhões em 2017, 276 mil a mais do que em 2016. O site especializado KHN destaca que há uma contradição naquele país: com a economia indo bem e o nível de desemprego baixo, esse número deveria melhorar ou, pelo menos, se manter estável. Mas a pesquisa feita pela universidade Georgetown prevê que pode piorar ainda mais. E a culpa é do governo Trump, ou do trumpismo, que elegeu entre seus alvos o Affordable Care Act, conhecido como Obamacare, estratégia de expandir o seguro básico de lá (Medicaid) que está subfinanciada ou não foi adotada em alguns estados. Outro programa de seguro específico para crianças, chamado CHIP, sofreu com alta de recursos em 2017. Além disso, entre crianças hispânicas o problema é maior – e isso está ligado com políticas anti-imigração. As famílias podem entrar na mira caso se inscrevam para receber certos tipos de assistência social, entre eles o Medicaid.

AIDS: UM ALERTA AO FUTURO MINISTRO

Mário Scheffer, professor da USP e militante dos direitos das pessoas com HIV há muitos anos, e Caio Rosenthal assinam coluna de opinião na Folha hoje. Trata-se de um apelo à Luiz Henrique Mandetta, indicado por Bolsonaro pra comandar o Ministério da Saúde, para que olhe para a história do SUS, que tem no programa de HIV-Aids um caso de sucesso reconhecido internacionalmente.

É que Mandetta afirmou recentemente não acreditar na efetividade de campanhas de prevenção à contaminação pelo vírus em escolas e unidades de saúde. Bem ao estilo do bolsonarismo, ele acha que é a família quem deve conversar sobre sexualidade, e não o governo. Mesmo confrontado com os números da doença, que cresce entre os jovens, o futuro ministro continua achando que a chave para combater o que chamou de “banalização” da Aids são as famílias: “O que precisamos fazer é instrumentalizar as famílias. Você não pode esperar que o Estado diga que esse ou aquele comportamento é sexualmente correto.”

Mas Scheffer e Rosenthal lembram: “A questão não é o que as pessoas são ou o que fazem, mas se a elas são asseguradas ou não possibilidades de se prevenir e se tratar. Quanto mais discriminadas, mais expostas a se infectar estarão as populações que também não chegam facilmente ao diagnóstico e ao tratamento. A forma negativa e extrema com que muitos ainda reagem àqueles que têm HIV é uma das principais barreiras para a prevenção que, no final das contas, beneficiaria a todos. Países que trocaram essas evidências por prescrições morais e religiosas, como alguns do continente africano, colheram catástrofes de saúde pública.”

NAS ESCOLAS, SIM

A educação sexual, na mira do novo governo, é uma realidade em diversos países do mundo. Na Argentina, uma lei de 2006 prevê que ela esteja presente em todos os níveis escolares. Nos Estados Unidos, para onde Bolsonaro olha com atenção, a educação sexual no ensino fundamental é aprovada por 93% dos pais. A maior parte dos estados promovem aulas sobre prevenção da Aids. A Escócia se tornou o primeiro país do mundo a ter diversidade sexual no currículo escolar. Conteúdos sobre homofobia e transfobia agora estão nas salas de aula de lá. Na Nigéria, onde 2,8% dos adultos são portadores do HIV, o papel das escolas na prevenção dessa contaminação é apoiado por lei desde 2001. E até em Singapura, onde o sexo entre pessoas do mesmo sexo é proibido, a educação sexual está nas escolas – mesmo que, em parte, como instrumento de coerção.

O CONGRESSO APRESENTA SUAS ARMAS

Já falamos aqui algumas vezes de como as conquistas da Reforma Psiquiátrica vêm correndo riscos nos últimos tempos. Em dezembro do ano passado, gestores da saúde aprovaram mudanças na política de saúde mental valorizando internações e a atuação de instituições privadas. Em agosto, um grande grupo de deputados e senadores se articulou em uma ‘Frente Parlamentar Mista em Defesa da Nova Política Nacional de Saúde Mental e da Assistência Hospitalar Psiquiátrica’. Hoje, são 207 membros.

A novidade é que esta semana ela foi oficialmente lançada, em um evento onde as manifestações contrárias foram caracterizadas como desrespeito. O coordenador da Frente é o deputado Roberto de Lucena (PODE/SP). Fundador da Igreja ‘O Brasil para Cristo’, ele reclamou das manifestações contrárias do público, dizendo que o debate “está muito contaminado com a questão ideológica”. Você lê tudo isso no Outra Saúde, que traz uma análisede quem esteve no lançamento e escreveu sobre o que viu e ouviu.

Chama a atenção o peso da Federação Brasileira de Hospitais (entidade que representa mais de quatro mil estabelecimentos privados de saúde). Seu presidente e o diretor de seu Departamento de Psiquiatria estavam lá, ladeando os principais representantes da Frente. Um documento da Federação em favor da “nova” política foi distribuído e alguns trechos foram reproduzidos integralmente na fala do coordenador nacional de Saúde Mental, Quirino Cordeiro. E, como nota a análise, a origem de um movimento já nos diz a que ele vem.

SARAMPO EM ALTA

Na semana em que o Brasil bateu os dez mil casos de sarampo, a OMS divulgou novo relatório que aponta que essa tendência é mundial. O documento foi lançado ontem e mostra que lacunas na cobertura vacinal levaram a surtos da doença em todas as regiões do planeta, especialmente na Europa e nas Américas. O número de casos notificados foi de 173 mil em 2017. Estima-se que o número real seja de 6,7 milhões e que 110 mil pessoas tenham morrido. As maiores vítimas são as crianças. O problema recrudesce a partir de 2016, quando se registrou 30% a mais de casos em relação ao ano anterior. Países tão diferentes quanto Venezuela, Rússia e Alemanha viveram surtos e tiveram seus certificados de erradicação do sarampo sustados pela Organização.

VIOLÊNCIA

Também ontem, a Opas divulgou novos dados sobre a prevalência da violência física e sexual perpetrada por parceiros contra mulheres nas Américas. Segundo o organismo, no Brasil uma em cada sete mulheres entre 15 e 49 anos foram vítimas dessa violência em algum momento de suas vidas. O patamar mais alto é encontrado na Bolívia, onde 58,5% das mulheres vivenciaram o problema.

AGRAVAMENTO

Uma jovem de 28 anos levou três anos até descobrir a razão de sua barriga ter aumentado muito de tamanho. Ela tinha um cisto no ovário que pesava 26 quilos. Mas seu médico insistiu que, pela aparência, Keely Favell só poderia estar grávida, apesar de os testes darem negativo. Os sintomas começaram em 2014, mas a jovem só recebeu um diagnóstico em janeiro do ano passado, quando uma ultrassonografia mostrou o enorme cisto. A cirurgia aconteceu em março.  O medo de ir a um serviço de saúde, que adiou os cuidados em dois anos, é pouco explorado na história, extrema, que está circulando desde ontem em diversos sites na imprensa internacional. Fica a reflexão: ao invés de explorar o lado sensacional, os veículos poderiam ir mais a fundo e, quem sabe, ajudar mais pessoas que também têm medo de receber diagnósticos sérios.

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