O problema com assintomáticos

Como a mídia propagou acriticamente fala da chefe do programa de emergências da OMS

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Uma fala muito infeliz da chefe do programa de emergências da OMS, Maria van Kerkhove, foi noticiada rapidamente (e acriticamente também) por vários veículos de comunicação. “A partir dos dados que temos, ainda parece ser raro que uma pessoa assintomática realmente transmita adiante para um indivíduo secundário. É muito raro”, disse ela, ontem, em entrevista. Ainda completou que, diante disso, os governos devem se concentrar em detectar e isolar pessoas com sintomas, e rastrear seus contatos.

Isso é problemático porque os estudos disponíveis até agora mostram que pessoas têm na verdade mais chances de transmitir o SARS-CoV-2 antes do aparecimento dos primeiros sintomas, ou logo que eles começam a se manifestar, do que depois: “As pessoas que desenvolvem sintomas parecem ter cargas virais mais altas no dia do início dos sintomas ou imediatamente antes”, diz um documento publicado pela OMS na semana passada, baseado em várias pesquisas sobre transmissão.

Na entrevista, Kerkhove pareceu não diferenciar indivíduos pré-sintomáticos e assintomáticos. Os primeiros estão infectados e ainda não apresentam sintomas, mas vão apresentar. Estes são os que, sim, transmitem o vírus. Já os assintomáticos estão infectados mas nunca vão ter sintomas. Em relação a eles, não se sabe direito o potencial de transmissão.

E como saber se uma pessoa infectada sem sintomas vai ou não começar a apresentá-los um dia? Pois é, não tem como saber. Daí a orientação da própria OMS para que a população em geral use máscaras, com ou sem sintomas, para evitar de espalhar uma possível carga viral oculta. Daí também as orientações para restrições de mobilidade, chegando no limite ao lockdown. Se apenas indivíduos sintomáticos transmitissem a doença, seria bem mais fácil contê-la.

Depois, Maria van Kerkhove tentou desfazer o rolo no Twitter, mas a manchete já tinha corrido o mundo.

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