O poço da Prevent Senior não parece ter fundo

Diretor-executivo confirma que operadora alterava prontuários para retirar referência à covid-19 — o médico Anthony Wong e a mãe de Luciano Hang estão entre pacientes com documentos alterados . Médico que relatou irregularidades nos hospitais recebeu ameaças.

Foto: Jefferson Rudi / Agência Senado
.

Por Leila Salim

Esta nota faz parte da nossa newsletter do dia 23 de setembro. Leia a edição inteira. Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

Ontem, finalmente, o diretor-executivo da Prevent Senior falou à CPI – e passou à condição de investigado pela Comissão. Diante dos senadores, Pedro Benedito Batista Júnior confirmou que a operadora alterava prontuários de pacientes internados nos hospitais de sua rede com covid-19 para retirar, depois de algum tempo de tratamento, a referência à doença dos registros médicos

Ele bem que tentou remendar. Diante da reação contundente de alguns dos parlamentares, algumas horas depois de sua primeira fala ele voltou ao assunto e complementou a confissão, destacando que a alteração do código de diagnóstico serviria apenas para identificar aqueles que não precisavam mais ficar em isolamento. Segundo ele, a mudança não implicava o ocultamento da covid-19 dos atestados de óbito de possíveis vítimas. “O CID era mudado no sistema para tirar o paciente de isolamento e não no atestado de óbito ou, então, no atestado que ia para a vigilância sanitária, já notificando o paciente que estava, sim, com covid-19″, disse.

A denúncia sobre a alteração dos prontuários  foi uma das que, através de reportagem da Globo Newsvieram à tona na semana passada, no dia inicialmente previsto para o depoimento de Batista Júnior à comissão. Funcionários e ex-funcionários da Prevent acusam, ainda, a empresa de ter conduzido um estudo clínico ilegal com cobaias humanas sem consentimento dos pacientes ou familiares, publicar dados não revisados ou falsos sobre a pesquisa e coagido profissionais a receitar os medicamentos do chamado “kit covid”.

Quanto à coação dos profissionais para que prescrevessem o kit de “tratamento precoce”, Batista Júnior se desviou. Ele responsabilizou médicos e pacientes pela prática, afirmando que muitas pessoas passaram a chegar aos hospitais exigindo tratamento com cloroquina, ivermectina e azitromicina… Além disso, reafirmou a “autonomia” dos médicos para decisão do tratamento a ser seguido, negando qualquer interferência da operadora nesse sentido. 

Não é isso que diz o grupo de médicos e ex-médicos que assinam o dossiê recheado de denúncias enviado à CPI. Um deles resolveu sair do anonimato e falou ontem à Folha. Walter Correa de Souza Melo​ reafirmou a prescrição do “kit covid” como prática da empresa e disse ter sido ameaçado por Batista Júnior. Após o primeiro relato de irregularidades nos hospitais da Prevent, ele recebeu – e gravou – uma ligação com o diretor-executivo, divulgada ontem. O médico registrou ainda boletim de ocorrência na Polícia Civil de São Paulo contra Batista Júnior relatando as ameaças. 

No sigilo

Que a Prevent Senior alterava os prontuários de pacientes para atribuir outros diagnósticos que não covid-19 a quem dava entrada no hospital, o próprio diretor-executivo confirmou. Mas as denúncias vão além e as suspeitas de que havia subnotificação de mortes pela doença, através de um esquema baseado justamente no apagamento dos “rastros” de infecção por covid dos registros médicos – negadas pela empresa –ganharam relevo nos últimos dias. 
 
Na terça, uma reportagem da revista Piauí revelou que a covid-19 sumiu do atestado de óbito de Anthony Wong, médico e notório defensor do “tratamento precoce” morto em janeiro deste ano, após internação em hospital da Prevent. Consultando o prontuário médico de mais de duas mil páginas, a reportagem confirmou a utilização de todo o pacote de medicamentos sem eficácia comprovada. Ontem, o Estadão reportou outro caso: o de Regina Hang, mãe do empresário Luciano Hang (o dono da Havan), também internada em hospital da rede. Segundo o jornal, o dossiê entregue à CPI diz que o atestado da paciente foi fraudado e que foi omitido o real motivo do falecimento: a covid-19.
 
À CPI, Batista Junior argumentou que não poderia passar informações sobre pacientes tratados nos hospitais. Ele também acusou os médicos denunciantes de terem subtraído ilegalmente os dados dos pacientes e terem forjado provas contra a Prevent. A comissão aprovou requerimento para que a Prevent Senior forneça a íntegra dos prontuários da mãe de Luciano Hang e do médico Anthony Wong. 
 
Em tempo: A Prevent está ainda na mira do Ministério Público de São Paulo, que quer fazer com que a empresa suspenda a prescrição do “tratamento precoce” e pague indenização por danos morais e coletivos. Na semana que vem, a promotoria de saúde se reunirá com a operadora e apresentará uma proposta para a reparação dos danos causados. 

Esta nota faz parte da nossa newsletter do dia 23 de setembro. Leia a edição inteira. Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

Leia Também: