O escândalo dos implantes

Histórias pouco conhecidas de como marca-passos, malhas abdominais, próteses e outros dispositivos causam danos à saúde e até mortes

Ilustração: Christina Chung/ ICIJ

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Jornalistas de todo o mundo lançam luz sobre histórias pouco conhecidas de como marca-passos, malhas abdominais, próteses e outros dispositivos causam danos à saúde e até mortes

26 de outubro de 2018

O ESCÂNDALO DOS IMPLANTES

Nunca antes a indústria de implantes médicos recebeu um escrutínio tão devastador. Um projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) orquestrou esforços de 252 profissionais, provenientes de 36 países, para dar luz a histórias pouco conhecidas de como marca-passos, malhas abdominais, próteses e outros dispositivos causam danos à saúde e até mortes. Muitas.

Tudo começa com a regulação. Ao contrário dos medicamentos, os implantes demoraram para serem submetidos às agências. Na Europa, isso só aconteceu nos anos 1990 – o continente é conhecido por terceirizar a certificação para empresas privadas. Nos Estados Unidos, apesar desses aparelhos serem submetidos ao escrutínio governamental, o sistema de aprovação – conhecido como 510 (k) – é uma espécie de licenciamento expresso e aprova implantes de alto risco, a despeito de uma lei federal proibir há uma década que a fiscalização ocorra tão rápido nesses casos.

A forma como esses equipamentos entram no mercado também é igualmente problemática. Um exemplo é o Brasil. Parte do esforço de investigação coube ao repórter Allan de Abreu, da Piauí. Ele obteve documentos de um acordo de leniência celebrado entre o Ministério Público e a maior empresa de implantes do mundo, a Medtronic. Por aqui, desde a década de 1990, quatro grandes companhias formaram um cartel e fraudavam licitações no país todo. Tinham até uma planilha anual, em que a cada nova semana correspondia o nome de uma empresa “dona” dos certames que saíssem no período. As outras (Biotronik, Saint Jude e Boston Scientific) colaboravam enviando preços ligeiramente mais altos, para disfarçar. Tudo com a participação das associações que representam as empresas no país – Abimo e Abimed (ambas fazem parte do Coalizão Saúde, think tank do setor privado que diz querer “melhorar” o SUS. Mas sabe qual foi um dos resultados do cartel? Prejuízos ao SUS: os descontos para as compras públicas nunca ultrapassaram ínfimos 0,94%.

A reportagem do ICIJ ajuda a entender as raízes disso tudo: a indústria de implantes já vendeu mais de um trilhão de reais no mundo em 2018. É grande, poderosa e tende a crescer ainda mais com o envelhecimento da população (a projeção é que atinja um bilhão de pessoas até 2030). Quando um dispositivo com problemas é retirado de um mercado devido a reclamações, processos e investigações, não é retirado de outros. Além do esforço de entender o complexo cenário, os jornalistas lançaram uma base de dados em que as pessoas podem pesquisar dispositivos que deram problemas ao redor do mundo.

TRABALHO (CADA VEZ MAIS) DURO

Os trabalhadores brasileiros estão mais ansiosos, estressados e deprimidos. De janeiro a setembro, o INSS concedeu pouco mais de oito mil licenças para tratamento de transtornos mentais e comportamentais adquiridos no ambiente de trabalho. Trata-se de uma alta de 12% em relação ao ano passado. Quando se olha para 2008, primeiro ano em que há estatísticas disponíveis, esses afastamentos representaram 3,6% do total de auxílios concedidos. Dez anos depois, se a tendência dos três primeiros semestres de 2018 se confirmar, podem ficar na casa dos 5%.

Hoje, os transtornos mentais ocupam o terceiro lugar no ranking do INSS, atrás de lesões e problemas musculares. Mas esses afastamentos são mais demorados (211 dias, quando a média é 183) e têm revelado novas dinâmicas. Ou melhor, estão em sintonia com os novos tempos. A cobrança por WhatsApp é um exemplo de jornada estendida que leva os trabalhadores à quadros de ansiedade. O medo de perder o emprego por conta da crise econômica – e o consequente acúmulo de funções – também. Esse diagnóstico, aliás, ultrapassou a depressão e ocupa desde o ano passado o segundo lugar entre os afastamentos concedidos pelo INSS. Desde 2013, o estresse grave lidera a lista.

(E quando se pensa que esses são os dados do mercado de trabalho formal, se pode especular: e entre trabalhadores informais, que não têm nem direito a afastamento?)

Como no Brasil há uma conexão entre carteira assinada e acesso a planos de saúde, a reportagem da Folha olhou para os números da ANS oferece mais elementos para entender o quadro. Concluiu que houve um aumento de 54% no número de consultas psiquiátricas cobertas pelos planos entre 2012 e 2017: saltaram de 2,9 milhões para 4,5 mi. Na comparação com consultas ambulatoriais, também dá para ter um susto: estas cresceram 10% no período, enquanto as psiquiátricas aumentaram 54%. E as internações psiquiátricas emergenciais (de no máximo 12 horas) seguem a tendência de alta: foram 32 mil em 2012, passaram para 77 mil no ano passado – aumento de 139%, quando a média de todas as internações rápidas foi 49%.

VER PRA CRER

Segundo o Ministério da Saúde, até ontem, 96,6% das vagas do novo edital do Mais Médicos haviam sido preenchidas. As inscrições seguem até 7 de dezembro. Resta saber se os profissionais brasileiros vão para os postos e, chegando lá, permanecerão neles atendendo a população com a mesma empatia dos cubanos. “A taxa de desistência de profissionais brasileiros tradicionalmente sempre foi muito alta. Muitos se inscrevem no programa, mas desistem antes de ocupar postos de trabalho ou depois de um tempo de atuação”, contou ao Estadão o presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, Mauro Junqueira.

MAIS A FUNDO

A reportagem de capa da Carta Capital aborda o fim da parceria entre Cuba e Brasil no Mais Médicos. Começando pelas consequências: cidades que não são nem tão distantes assim de grandes centros urbanos serão duramente afetadas. É o caso de Embu-Guaçu, localizada a 47km de São Paulo, que vai perder nada menos do que 16 dos 18 médicos que atendem na atenção básica. A secretária municipal de saúde Maria Dalva dos Santos relembra: antes, mesmo concursos que ofereciam R$ 15 mil não atraíam os profissionais brasileiros e, além disso, desde a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, ficou difícil para cidades que sofrem com a falta de médicos pagarem salários altos. É que muitas vezes, os médicos queriam ganhar mais do que o prefeito… Em Ponta Grossa, no Paraná, dos 80 médicos que atendem pela prefeitura, 60 são cubanos. Para se ter uma ideia do alívio orçamentário do Mais Médicos, o município teria que desembolsar R$ 12 milhões em 2019 se quisesse manter os profissionais cubanos por conta própria. E, óbvio, esse impacto não foi previsto no orçamento do ano que vem. “O município vai precisar reduzir investimentos para suprir esse déficit”, contou o secretário municipal de saúde Robson Xavier à revista.

Outro ângulo abordado com destaque é o vínculo empregatício dos cubanos. O repórter Rodrigo Martins ouviu médicos e dois ex-ministros da saúde dos governos Dilma (Alexandre Padilha e Artur Chioro) e destaca que os médicos cubanos são contratados por uma empresa estatal da ilha. Não são como os demais bolsistas do programa que, findo o vínculo, deixam de receber salário. Essa empresa repassa 30% dos R$ 10 mil para o profissional e deposita outros 30% num fundo previdenciário. Os 40% restantes, de fato, ficam com a estatal ligada ao Ministério da Saúde cubano. O governo de lá investe na formação de profissionais, no sistema de saúde e financia ações humanitárias em lugares que recebem os médicos cubanos de graça (caso do Haiti e de países na África), disse Padilha. E tudo é estabelecido no contrato que os médicos assinam quando aceitam vir para o Brasil, de modo que o Supremo Tribunal Federal rejeitou em novembro de 2017 ação movida pela Associação dos Médicos Brasileiros, que queria a declaração de inconstitucionalidade da medida provisória que criou o programa. Inclusive os pontos relacionados ao regime de contratação dos cubanos.

Em relação à proposta de que os estrangeiros do Mais Médicos se submetam ao Revalida, exame nacional para revalidar diplomas no Brasil, os ex-ministros são enfáticos: não faz sentido se o objetivo é suprir as áreas que sempre sofreram com a falta dos profissionais. Isso porque, com o diploma revalidado, o médico pode trabalhar onde quiser: numa grande capital, num serviço privado. “As áreas mais vulneráveis continuarão sem assistência”, concluiu Chioro.

FORÇA ESTRANHA

No Outras Palavras, Marcos Pacheco, que é secretário estadual de políticas públicas do Maranhão, reflete sobre seus muitos encontros com a medicina cubana: “Enquanto conversávamos, eu perguntava-me o que levaria médicos a deixar seu país e virem trabalhar em comunidades pobres ou entre indígenas. Lugares remotos, onde normalmente só Deus e o povo estão. Que espírito missionário é esse que acorre a médicos vindo de um regime comunista, portanto, ateu. Que vocação desvairada é essa? Somente aos poucos eu fui entendendo que se tratava de um tipo específico de formação médica. São formados para servir. São preparados para fazer ‘medicina de ponta’, exercer a clínica do cuidado onde a medicina é mais necessária, onde estão os mais necessitados.”

BATE CABEÇA

Na edição de ontem do Globo, a manchete destacava a entrevista concedida pelo futuro ministro da saúde ao jornal. Nela, Luiz Henrique Mandetta defendeu que o novo governo encaminhe ao Congresso proposta para um marco que regule a atuação dos médicos brasileiros. “Temos hoje um dos modelos de fiscalização do exercício profissional mais frágeis do mundo”, disse, comparando com Europa, Estados Unidos e Canadá. “No mundo inteiro, depois do término da escola, o médico volta em cinco anos para uma recertificação. No Brasil não existe nada”, observou.

Mas, no mesmíssimo dia, Bolsonaro rejeitou a ideia: “Sou contra Revalida para médicos brasileiros, está ok? Ele [Mandetta] está sugerindo um Revalida até com uma certa periodicidade. Sou contra porque vai desaguar na mesma situação que acontece com a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]. Nós não podemos formar jovens no Brasil, cinco anos no caso da advocacia, e depois submetê-los a serem boys de luxo nos escritórios de advocacia”, disse a jornalistas na saída de evento da Escola de Educação Física do Exército, no Rio.

OUTRAS IDEIAS DE MANDETTA

Mandetta defendeu outras coisas na entrevista concedida ao Globo. Por exemplo, reinterpretou a Carta Magna para concluir que o SUS não deve ser universal: “Em 1988, escrevemos na Constituição: saúde é um direito de todos e dever do Estado. O Estado precisa decidir qual é seu papel. Não acredito que seja pôr médico em Ipanema, Leblon, no Eixo Monumental de Brasília, no centro de Salvador, mas nas áreas de exclusão social absoluta, onde há grandes vazios de assistência”.

Para fazer “frentes de interiorização”, continuou, quer cumprir promessa de campanha de Bolsonaro e criar uma carreira de Estado – de acordo com Mandetta, não só para médicos, mas para todos os profissionais da saúde (a ampliação começaria pela enfermagem). E, seguindo o raciocínio, o Mais Médicos teria seu nome mudado para Mais Saúde. O dinheiro para isso, segundo ele, “está dentro” dos R$ 7,5 bilhões que o Brasil manda para Cuba. Mas diferente de Bolsonaro, o futuro ministro acredita que, além de gestão, falta dinheiro na saúde.

Além desses pontos, o jornal optou por abordar Santas Casas e Anvisa. Para Mandetta, ressalvadas exceções, “as filantrópicas têm uma performance muito superior com recurso público do que o hospital público”. E “tem unidades públicas que consomem dez vezes mais dinheiro para fazer menos do que uma Santa Casa”. Ele não disse a fonte que embasa tais afirmações (nem foi cobrado por isso). Já na esfera da regulação, defendeu que o Brasil dê licença provisória a alimentos e medicamentos já avaliados por “três agências de primeira linha” de outros países.

EM RELAÇÃO ÀS DENÚNCIAS…

Mandetta, que foi denunciado pelo Ministério Público por caixa dois (entre outros crimes) na campanha de 2010, quando concorreu pela primeira vez à Câmara, descreveu de forma matreira como as coisas se deram. Alguns trechos:

“Eu tinha uma grande amizade com o Leandro, irmão do dono da Amapil [empresa de táxi-aéreo], e ele falou: ‘Pode usar’. Mas nunca pedi nada.”

“É fato: fui até Portugal, voei com a Amapil, muita gente ajudou. Tem um amigo meu que leiloou um tourinho, fez rifa, me deu umas horas de voo, e eu usei.”

“Lembro que na campanha de 2010 foi feita uma reunião numa associação médica. Alguém falou: ‘Gente, para ajudar, vamos passar o chapéu’. Aí ele tira e faz um cheque de ‘milão’, outro dá ‘quinhentão’ (…). No final, deu R$ 20 mil. Se fosse hoje, era doação fora da lei e blá, blá, blá. Na época, não tinha essa paranoia obsessiva.”

Segundo ele, se “tiver que pagar alguma coisa, não tem problema” e se não for nomeado em janeiro por conta do processo, quer “ajudar a construir” o nome que o substituirá.

DESENHANDO

Promessas caras, verba igual. Essa é a equação do novo governo em relação à saúde e a Folha ouviu especialistas e gestores para saber quais são as propostas mais contraditórias de Bolsonaro. Para implantar o prontuário eletrônico, seriam necessários, de saída, pelo menos R$ 10,7 bilhões para comprar computadores para todas as unidades, instalar internet com banda larga… O dobro do orçamento anual do Programa Nacional de Imunizações. Já para incorporar profissionais de educação física às 40 mil equipes da Estratégia Saúde da Família seriam necessários R$ 500 milhões por ano – isso pagando salário mínimo, o que é improvável. Em relação à criação da carreira de Estado para médicos não há cálculos, mas supõe-se que seria mais caro do que o programa Mais Médicos, já que os trabalhadores deixariam de ser bolsistas para ser servidores federais. E como a União tem que cumprir o limite de contratação da Lei de Responsabilidade Fiscal, é difícil que saia do papel, observou Mauro Junqueira (que já apareceu na news hoje em outra matéria e é presidente do Conasems).

ADIADA

Os médicos que cuidam da saúde de Bolsonaro decidiram adiar a realização da cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia, usada pelo presidente eleito desde que foi esfaqueado em Juiz de Fora. Exames realizados na sexta no Albert Einstein apontaram inflamação no local. A nova data é 20 de janeiro, bem depois da posse.

COMBATE AO MOSQUITO

Começou ontem a semana nacional de combate ao Aedes aegypti, que segue até a sexta em todo o país com ações de visitas domiciliares para aplicação de larvicidas, mutirões de limpeza e distribuição de panfletos.

AGENDA

Acontece hoje a mostra de experiências do projeto Saúde é Meu Lugar. No palco, profissionais da atenção básica contam suas histórias e vivências, mostrando como fazem o SUS no cotidiano dos territórios. O evento é na Tenda da Ciência da Fiocruz, no Rio.

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