O debate sueco, visto de dentro

Médicos e cientistas relatam repreensão por pregarem distanciamento e uso de máscaras

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Que a estratégia sueca para lidar com o coronavírus foi criticada no mundo todo, já sabemos. Mas uma reportagem da Science Magazine traz detalhes sobre o debate na comunidade científica e médica dentro do próprio país – mais especificamente, sobre o Science Forum Covid-19, formado por cerca de 200 pesquisadores que vão contra as medidas das autoridades. E suas críticas não são nada bem-recebidas. “Tem sido tão surreal”, diz Eele Brusselaers, epidemiologista do Instituto Karolinska, afirmando que é estranho enfrentar tantas reações “embora estejamos dizendo exatamente o que os pesquisadores internacionais estão dizendo. É como se fosse um universo diferente”. 

Vários cientistas ouvidos na matéria dizem que foram recebidos com “palavras duras” quando esse debate começou. Algumas vezes, mais do que palavras: Brusselaers foi advertida por seu chefe de departamento por ser uma “encrenqueira” e “um perigo para a sociedade”.  A pneumologista Dorota Szlosowska não teve seu contrato renovado com um hospital onde atuava, e um dos motivos alegados foi o fato de ela usar máscaras. Agnieszka Howoruszko, oftalmologista, também foi repreendida por começar a usar máscaras em março.”Eu disse [ao chefe]: ‘Desculpe, se não posso usar, não posso trabalhar. Muitos dos meus pacientes são idosos e estão em grupos de alto risco. O gerente cedeu e permitiu que os médicos da clínica usassem máscaras. Somos a única clínica oftalmológica da nossa província a fazer isso”, conta ela.

Seja como for, a abordagem sueca tem mudado. Já dissemos aqui que nunca foi um ‘libera geral’: havia e ainda há restrições a aglomerações, existe muito trabalho remoto, as escolas secundárias foram fechadas. Mas outros meios de prevenção e controle parecem estar se firmando. Depois de uma mortalidade altíssima nas casas de repouso, foram impostas restrições severas a esses ambientes. A taxa de testes no país aumentou e hoje é semelhante à norueguesa.  Além disso, está sendo feito rastreamento de contatos e, finalmente, familiares de pessoas infectadas agora devem permanecer isolados, mesmo sem sintomas. 

Em tempo: o site da Nature publicou um longo texto resumindo tudo o que se sabe sobre o uso de máscaras até agora. A relutância das autoridades suecas em recomendarem o uso massivo se devia à falta de evidências, e faz sentido até certo ponto. De fato, não há evidências irrefutáveis quando se trata das máscaras de pano, por exemplo. E é difícil provar a eficácia das máscaras para proteger a população em geral, porque é complicado (eticamente, inclusive) fazer um ensaio com um grupo de controle sem máscaras. A reportagem discute justo quão robustas as evidências precisam ser nesse caso, quando a observação indica claramente o benefício das coberturas faciais.

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