O céu é o limite

Bolsonaro segue aposta no conflito enquanto Brasil ultrapassa, com folga, a marca de 10 mil mortes

Bolsonaro segue apostando no conflito, enquanto país já passa com folga de 10 mil mortes
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O Brasil já chegou naquele estágio em que, de tão monstruosa a escalada da covid-19, seus marcos ficam velhos imediatamente depois de atingidos. Foi assim com as dez mil mortes. No sábado à noite, o Ministério da Saúde anunciou que esse ponto havia sido alcançado e que havia naquele momento o registro de 10.627 óbitos; o Congresso e o Judiciário declararam luto. Na noite seguinte, já eram 11.123. O número de mortos é maior do que a população de 2,5 mil municípios brasileiros. De sexta para sábado, o recorde de 730 registros em 24 horas deixou o Brasil atrás apenas dos Estados Unidos nesse quesito. Amanhã ou depois, devemos estar perto dos 12 mil óbitos no total. E, mesmo com a subnotificação, que não parece perto de ser resolvida, o número de casos cresceu 60% em uma semana, passando de 100 mil para quase 163 mil.

As galhofas do presidente Jair Bolsonaro também envelhecem rápido, de tão frequentes. A última foi sábado e logo correu a internet. Horas antes de a (já esperada) marca dos dez mil ser anunciada, ele saiu para festejar alguma coisa passeando em um jet ski no lago Paranoá – cartão-postal de Brasília onde ricos costumam se divertir em suas lanchas, rodeados pelos restaurantes e bares sofisticados da orla. Sua lancha encostou ao lado de outra, onde um grupo de apoiadores também curtia o fim de semana. “Ai, que querido, cara”, exclamou uma mulher, enquanto gravava a cena. “Se a gente não cuidar, vai entrar em caos”, disse Bolsonaro. Esse ‘caos’, evidentemente, não é o número de mortos pelo vírus, e o “se cuidar” não significava ficar em casa. Pelo contrário. Sua crítica, como sempre, era contra o isolamento: “É uma neurose, 70% vai pegar o vírus, não tem como. É uma loucura”, completou ele.

A pequena excursão substituiu o churrasquinho anunciado mais de uma vez por Bolsonaro na semana passada. Depois de receber uma chuva de críticas, inclusive por parte de aliados, o presidente disse que era tudo “FAKE” e cancelou o evento. A hashtag #Churrasco10kdoBolsonaro havia chegado ao topo dos assuntos mais comentados no Twitter.

No domingo, habituados às aparições do líder no Palácio do Alvorada, aquela meia dúzia de bolsonaristas de sempre voltou ao local. Eles treinaram tiro ao alvo contra uma carta com os rostos do ministro do STF Alexandre de Moraes, do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do ex-ministro Sergio Moro, da deputada Joice Hasselmann e dos governadores João Dória e Wilson Witzel. Dessa vez, o presidente só passou rapidamente por ali, mas não ficou.

Em meio ao silêncio presidencial em relação às mortes, coube ao apático ministro da Saúde Nelson Teich lamentá-las: “Hoje é um dia marcado por sentimentos muito distintos: o sentimento especial de dia das mães e o sentimento que reflete o sofrimento e a triste das mais de dez mil mortes causadas pela covid-19”, disse ele, em vídeo postado em suas redes sociais.

De Fernando de Barros e Silva, na Piauí: “Com a eleição de Bolsonaro, abrimos um alçapão que não poderia ter sido aberto. O cinismo das elites brasileiras pode custar, já está custando muito caro. Tenho vontade de dizer: as vítimas do novo coronavírus são os petralhas que o presidente ameaçou mandar para a ponta da praia uma semana antes de vencer. Naquela época, a imprensa dizia – com falsa isenção, com falso espírito crítico, com uma equidistância que só ela, na sua miopia de classe, conseguia enxergar e, sim, com uma dose intolerável de cinismo – que estávamos diante de “dois extremos” igualmente perigosos, diante de uma “escolha difícil”, diante de “duas ameaças” à democracia. Aqui estamos hoje. Não venham agora, por favor, com a ladainha de que Bolsonaro passa e as instituições permanecem. É justamente o contrário o que está se desenhando no horizonte muito acanhado ou no horizonte nenhum que temos à nossa frente”.

Em tempo: jornais como a Folha e O Globo (junto com a iniciativa Inumeráveis) começaram esforços de contar as histórias das vítimas por trás dos números.

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