Não é radiação, é plástico

As substâncias tóxicas envolvidas no desastre ambiental em Ohio envolviam componentes para a produção de plásticos. A emergência relembrou os riscos de uma economia mundial focada no uso do material – e a situação dessa indústria no Brasil

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Quando ocorreu o acidente de trem em Ohio, nos Estados Unidos, muitos internautas chamaram o episódio de “chernobyl americana”. Mas o trem que descarrilou causando uma extensa fumaça preta não carregava materiais radioativos – e sim compostos químicos para a fabricação de plásticos. O principal deles, o cloreto de vinila, é cancerígeno e ataca principalmente o fígado. 

Eram 20 vagões contendo materiais tóxicos, transportados pela empresa ferroviária Norfolk Southern, quando o trem descarrilou no dia 3 de fevereiro causando uma explosão. Apesar de em um primeiro momento as agências de proteção ambiental afirmarem que o acidente não causou danos ambientais, tiveram que voltar atrás na última semana – após sinais de contaminação começarem a aparecer, como a morte de 3,5 mil peixes no rio Ohio e, recentemente, a morte de 45 mil animais na região, segundo o Departamento de Recursos Naturais de Ohio. Até o momento, nenhum membro do governo federal de Joe Biden fez uma visita ao local. A carga continha também acrilato de butila e acrilato de etilexila, ambos ingredientes tóxicos presentes em plásticos. 

O cloreto de vinila, assim como os outros tóxicos envolvidos na produção de plásticos, persiste no meio ambiente e nos organismos. Um estudo da Universidade de Pádua, na Itália, revelou já em 2003 que trabalhadores expostos ao pó de PVC tinham maior risco de desenvolver câncer; isso porque o químico vazado em Ohio é um dos cancerígenos mais estudados em ambientes ocupacionais desde 1970. Em entrevista ao Wired, John Bucher, ex-diretor associado do Programa Nacional de Toxicologia dos EUA afirmou que, nas últimas décadas, houve diversos estudos em fábricas de produção de cloreto de vinila e de PVC, onde foi evidenciado que “as pessoas desenvolviam câncer, principalmente leucemia e no fígado”.

No caso de Ohio, a queima do composto químico produziu compostos tóxicos chamados dioxinas – que, com a nuvem gerada pela explosão, podem ter se espalhado para além do local do acidente. “As dioxinas são potentes em níveis baixos, são persistentes e bioacumulativas”, afirmou, também ao Wired, Ted Schettler, diretor científico do Science and Environmental Health Network. Ou seja, elas persistem no ambiente e no corpo em vez de se decompor – o que pode estar acontecendo em East Palestine, cidade no estado norte-americano onde ocorreu o descarrilamento. 

Tubulações, embalagens de diversos tipos, produtos de consumo do nosso dia-a-dia – como cortinas de chuveiro. O PVC é um dos tipos mais comuns de plástico – são 5 mil empresas que produzem esse composto só nos Estados Unidos. Uma delas, a ExxonMobil, é a maior do mundo. Qualquer processo de polimerização e a posterior moldagem para desenvolver qualquer tipo de plástico necessita de agentes químicos em sua formulação; daí que vem a capacidade de alguns materiais serem mais flexíveis, enquanto outros são mais resistentes ao calor, por exemplo. Então, apesar da alta toxicidade desses componentes, seu transporte em trens e caminhões é comum. 

Outros produtos presentes nas fábricas são conhecidos como “desreguladores endócrinos”, ou EDCs, que influenciam na produção de hormônios do organismo humano. Muitos, quando são descobertos, são substituídos pela indústria – por outros componentes também tóxicos, mas com riscos à saúde ainda desconhecidos. Segundo Gerald Markowitz, historiador de saúde ambiental da Universidade de Nova Iorque, levará anos até que conheçamos os possíveis efeitos colaterais dos produtos químicos substitutos. Um estudo de 2021 elaborado por pesquisadores de diversas universidades norte-americanas indica que a exposição aos ftalatos, por exemplo, pode ser responsável por 100 mil mortes prematuras nos EUA a cada ano. Isso quando a contaminação ocorre nos países produtores: segundo o Fórum Econômico Mundial, bilhões de quilos de resíduos plásticos são exportados todos os anos para países como Malásia e Vietnã, onde são queimados a céu aberto e envenenam comunidades. 

No Brasil, a produção não fica para trás. Segundo os relatórios elaborados pela Associação Brasileira da Indústria do Plástico, o país manteve, entre 2020 e 2021, uma produção entre 7,1 e 7,3 milhões de toneladas em produtos plásticos. São mais de 11 mil indústrias no ramo – não à toa, é o quarto maior gerador de lixo plástico do mundo. São descartados 11,3 milhões de toneladas por ano, dos quais apenas 1,28% são recicladas, segundo o Fundo Mundial da Natureza

Sabemos que os plásticos não se decompõem facilmente. Descoberto no início do século XX, o material teve desenvolvimentos importantes da década de 1930 – e um verdadeiro boom produtivo no pós-segunda guerra, com a criação da garrafa pet: só nos Estados Unidos, a produção de plástico nesse período aumentou 100%. As primeiras evidências de poluição por plásticos nos oceanos surgiram na década de 1960. Hoje existem provas concretas de que o processo de reciclagem não é suficiente para resolver o problema da poluição e não consegue acompanhar os números de produção – fato já conhecido pelas indústrias, que propagandeiam a reciclagem com o objetivo de vender mais plástico. O agravante é que, além de ficar na superfície por muito tempo após o descarte, o que está nos plásticos não fica apenas nos plásticos. Quando um saco ou garrafa se rompe, componentes químicos são liberados; os objetos são fragmentados pela ação do clima e viram microplásticos – que, como detectaram estudos recentes, já estão presentes no sangue de animais e humanos. No entanto, sabemos pouco sobre as consequências dessas microssubstâncias para a saúde.

Como resolver o problema de acidentes como o de Ohio, poluição ambiental e a contaminação de seres vivos? A resposta dos especialistas é unânime: produzir menos plástico. O problema é que, quando não se coloca na conta o custo ambiental e sanitário, a produção do material é lucrativa – mais barata do que melhorar a infraestrutura da reciclagem, inclusive. Apesar de existirem discussões na Organização das Nações Unidas (ONU) para limitar a produção de plástico, os encaminhamentos são tímidos para o tamanho do problema. 

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