Lobby da Big Pharma venceu no Congresso – e agora?

Parlamento mantém mimo de Bolsonaro à indústria farmacêutica e impede quebra de patentes das vacinas contra a covid. Mas campanha para tornar país autônomo na produção de medicamentos está mais forte e prosseguirá

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Contribuição especial de Felipe Carvalho Borges da Fonseca, Susana Rodrigues Cavalcanti Van Der Ploeg e Alan Rossi Silva

Depois de mais de 10 meses de atrasos e adiamentos arbitrários, na última terça-feira (05/07), o Congresso Nacional finalmente decidiu analisar os vetos presidenciais ao Projeto de Lei (PL) nº 12/2021, de iniciativa do Senador Paulo Paim (PT/RS) e que deu origem à Lei nº 14.200/2021. Apesar da ampla demanda por sua derrubada vinda de profissionais de saúde, grupos de pacientes, vítimas da Covid-19, políticos internacionais e de órgãos como o Conselho Nacional de Saúde (CNS), mais uma vez, a indústria farmacêutica exerceu forte influência sobre o processo legislativo e garantiu que o Veto nº 48/2021 fosse mantido.

A Lei nº 14.200/2021 ficou amplamente conhecida como a “Lei da Licença” e alterou a Lei de Propriedade Industrial (LPI), aprimorando o instituto do licenciamento compulsório de patentes no Brasil e adequando-o às especificidades de tempos emergenciais. Na prática, o objetivo principal da proposta era preparar o país para enfrentar não “apenas” a pandemia de Covid-19, mas também futuras crises sanitárias, fazendo tudo o que fosse possível para poupar a vida de brasileiros e brasileiras.

No entanto, mesmo diante de uma das maiores crises da história da humanidade e de centenas de milhares de mortes em nosso país, em setembro de 2021, o governo Bolsonaro decidiu agradar a indústria farmacêutica e vetar pontos cruciais do PL nº 12/2021. Com isso, a proposta original foi completamente desfigurada e nossa capacidade de responder a pandemias foi severamente reduzida.

O Veto nº 48/2021 buscava, primordialmente, eliminar a obrigação de os titulares de patentes licenciadas fornecerem informações e materiais relevantes para a reprodução local da invenção — o que garantiria maior celeridade e segurança jurídica para todas as partes envolvidas. Além disso, o veto tentava impedir a possibilidade de se conceder licenças compulsórias por meio de lei e, mais grave ainda, gerar incertezas em relação à aplicabilidade da lei durante a pandemia de Covid-19.

Diante deste cenário, diversas organizações da sociedade civil, que já vinham cobrando a aprovação da nova lei, redirecionaram toda a sua atenção para a derrubada dos vetos no Congresso Nacional. No âmbito da campanha Vacina para Todas e Todos, cidadãos e cidadãs de todas as origens e campos de atuação se reuniram para qualificar o debate público, mobilizar a população e chamar a atenção dos parlamentares.

Contudo, apesar de ampla adesão à derrubada dos vetos, manifestada por parlamentares dos mais variados partidos, os interesses da grande indústria farmacêutica prevaleceram. No fim das contas, o Congresso Nacional optou por ignorar as necessidades de saúde da população e manteve intactos os danos causados por Bolsonaro.

O desfecho observado no Brasil é muito semelhante ao desfecho da negociação na Organização Mundial do Comércio (OMC), encerrada em 17 de junho de 2022, sobre a suspensão temporária de certos direitos de propriedade intelectual durante a pandemia de Covid-19, conhecida como TRIPS Waiver.

Ambos os processos tiveram como ponto de partida a constatação de que o sistema de propriedade intelectual representa um obstáculo à concretização do acesso à saúde. Apesar de serem bastante diferentes, tanto a lei no Brasil quanto a proposta de suspensão na OMC foram uma resposta ao cenário de desigualdade, exclusão e mortes causados pela falta de vacinas, diagnósticos, medicamentos e ventiladores pulmonares nos países em desenvolvimento. Além disso, ambas as propostas foram esvaziadas e desfiguradas pelos interesses econômicos responsáveis pela escassez e distribuição injusta desses bens essenciais.

Ainda assim, cabe ao Brasil um papel importante a desempenhar. Apesar dos vetos presidenciais, alguns avanços importantes foram alcançados com a aprovação da nova lei, tais como a ampliação e flexibilização das hipóteses de aplicação das licenças compulsórias previstas no art. 71 da LPI, a possibilidade de licenciamento compulsório de pedidos de patente e a obrigação de as instituições públicas compartilharem todos os elementos úteis à reprodução do objeto licenciado compulsoriamente.

Por isso, o próximo passo é acompanhar de perto o processo de regulamentação desta lei e garantir que ela ocorra da maneira mais democrática possível. Essa é a hora de exigirmos que nossas instituições parem de se curvar à pressão de empresas transnacionais, garantam a soberania do nosso país e, sobretudo, protejam a vida do nosso povo.

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