Inédita costura de espécies: um homem com coração de porco

Em uma proeza que pode revolucionar os transplantes de órgãos, médicos americanos dão a um homem um coração de porco geneticamente alterado. O Brasil também avança nessa área, e produziu resultados recentes importantes na chamada edição genética de animais

Cirurgiões dos EUA testam com sucesso transplante de rim de porco em humano
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Por Flávio Dieguez

“A anatomia era um pouco esquisita”, comentou o médico americano Bartley Griffith sobre a inédita transposição de um coração de porco para um organismo humano, realizada por sua equipe do Centro Médico da Universidade de Maryland, dia 7/1. Deve ter sido realmente estranho. Em alguns momentos, conta o cirurgião, sua equipe teve dúvida do que fazer, e precisou executar manobras cirúrgicas engenhosas para fazer tudo se encaixar. No final, deu tudo certo.

Um dos primeiros “xenotransplantes” da história – envolvendo doador e receptor de espécies distintas –, a intervenção liderada por Griffith durou cerca de oito horas e na segunda-feira, 10/1, o paciente David Bennett, morador de Maryland, estava bem, com seu novo coração fazendo a maior parte do trabalho cardíaco corretamente. Não é garantia de sucesso porque, apesar do notável resultado obtido, trata-se de um trabalho ainda essencialmente experimental.

Bennett não tinha condições clínicas para receber um coração humano. “Mas talvez possamos usar um de um animal, um porco”, disse-lhe Griffith, de acordo com a reportagem do diário The New York Times. “Isso nunca foi feito antes, mas achamos que podemos fazer.” Nos próximos dias, além da melhora do paciente, os especialistas deverão avaliar o quanto avançaram na arte dos xenotransplantes. Ela vem avançando mais rapidamente nos últimos anos, inclusive no Brasil, onde se obteve um ótimo resultado em 2021.

Em março passado, uma equipe brasileira coordenada pela geneticista Mayana Zatz e pelo médico Silvano Raia, ambos da USP, conseguiu eliminar materiais genéticos de partes, ou “tecidos”, do organismo de porcos. Tais tecidos poderiam desencadear rejeição ou causar doença em possíveis pacientes de um transplante de origem suína. O primeiro objetivo da equipe, ao longo do tempo, será realizar transplantes de rim, registrou reportagem da Folha de São Paulo, à época.

O suíno doador do coração transplantado em Maryland havia sido preparado pela Revivicor, uma empresa de medicina regenerativa, escreveu o New York Times. O animal tinha 10 modificações genéticas. Quatro genes haviam sido eliminados ou inativados, um dos quais responsável por uma molécula que causa resposta agressiva de rejeição humana. Um gene de crescimento também foi inativado para evitar que o coração do porco continuasse a crescer depois de implantado.

Além disso, seis genes humanos foram inseridos no genoma do porco doador – modificações destinadas a tornar os órgãos suínos mais toleráveis ao sistema imunológico humano. Como todos os países, o Brasil depende muito de novas tecnologias para ampliar a oferta de órgãos para transplante, o que poderia evitar um número significativo de mortes. Além da carência permanente, o déficit de órgãos às vezes cresce, com efeitos pesados.

Agora mesmo há uma falta extraordinária de doações viáveis devido à covid. Quase metade (44%) das doações usuais no Brasil foram rejeitadas no primeiro semestre de 2021 por risco de contágio de covid. Veja o gráfico a seguir. Isso fez com que, em setembro passado, houvesse 53. 218 pessoas na fila de transplantes, reportou a CNN, especialmente de rim, o órgão com maior demanda no país.

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