ICMS: Governo tenta sacrificar Saúde no altar da especulação

Incapaz de enfrentar os interesses por trás da alta dos combustíveis, Bolsonaro tenta saída que espreme o gasto social. Movimentos denunciam. Parte dos governadores resiste. Batalha expõe necessidade de novo projeto de país

Com teto de 17% no ICMS, SUS (já com orçamento em queda) pode perder mais de R$ 10 bilhões
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Que fazer, se a alta dos preços dos combustíveis inquieta a população e ameaça os projetos do poder? Uma saída é enfrentar as causas do problema. Outra – a mais nova “ideia” do governo Bolsonaro para tentar disfarçar a crise econômica –  é o teto do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviço). Na esdrúxula estrutura tributária brasileira, Estados e municípios dependem deste tributo para financiar despesas sociais  indispensáveis. Mas a proposta do Executivo federal, já em fase de votação final na Câmara dos Deputados, é reduzir as alíquotas que incidem sobre combustíveis, energia e telecomunicações ao teto de 17%. A média atual das alíquotas é 29%. O corte de 12 pontos percentuais pode significar um impacto negativo de ao menos R$ 10 bilhões só na Saúde, indicam secretários da Fazenda dos estados. 

Autoridades de Estados e municípios calculam que o rombo total seria de até R$ 115 bilhões. O governo federal promete ressarcir a parte dos municípios, 22,35% do total, por meio de uma PEC que lhes transferiria recursos, obtidos a partir de um drible no teto de gastos. O ministro da Economia, Paulo Guedes descarta compensar mais que isso. Bolsonaro também chantageia governadores para reduzirem a zero o ICMS dos combustíveis até dezembro. Promete, em troca, uma compensação de R$ 25,7 bi – e ameaça expor os que não aceitarem o acordo.

A proposta é eleitoreira, empurra a inflação para 2023 e atinge em cheio a arrecadação com Saúde (além dos  R$ 10 bilhões retirados do SUS, a Educação perderá quase R$ 20 bilhões de recursos do Fundeb). Essa é a denúncia de presidentes de partidos da oposição, que posicionaram-se contra o teto do ICMS em nota. “O máximo que o pacote de Bolsonaro poderá produzir é que os preços atuais sejam mantidos” – tudo para garantir os lucros exorbitantes dos acionistas privados da Petrobrás, na maioria estrangeiros. “O alegado risco de desabastecimento que Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, usam para justificar mais este abuso, é resultado da venda de refinarias da Petrobrás e submissão de nossa maior empresa a interesses estrangeiros”, declaram.

A raiz do problema está na política de preços dos combustíveis. Chamada de “preço de paridade de importação” (PPI), foi implementada pelo então presidente Michel Temer, após o golpe de 2016 – e mantida com afinco por Bolsonaro. Prevê que os preços dos derivados de petróleo nas refinarias da Petrobrás sejam reajustados de acordo com a evolução da cotação em dólar do barril do óleo no mercado internacional. A política permite aos acionistas da empresa – em sua maioria grandes fundos internacionais especulativos – manter seus lucros intactos, enquanto a população sofre com os aumentos do combustível e a inflação. Só no ano passado, a Petrobrás lucrou R$ 106,6 bilhões – mais que os quatro maiores bancos brasileiros juntos. O lucro foi integralmente transferido aos acionistas – algo que a legislação não exigia. E os ganhos do primeiro trimestre de 2022, anunciados em 5/5 foram proporcionalmente maiores: R$ 44,5 bilhões.

O desespero de Bolsonaro com as pesquisas eleitorais pode custar caro ao país. Segundo os números divulgados ontem, 33% da população brasileira passa fome, a inflação nos últimos 12 meses foi de 11,73%. Mas a pressa do governo é para contentar aqueles que têm carro – além dos caminhoneiros, parte de sua base de apoio. A ideia agrada também aos ultraliberais, obcecados por destruir o patrimônio público. Os brasileiros, como se viu, perdem com ela. Saberão reagir e buscar alternativas? Esta é a grande dúvida, a ser respondida nos próximos quatro meses.

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