Cúpula do Clima começa hoje: o que esperar?

Brasil tentará chantagear mundo condicionando cumprimento de metas a pagamentos. Enquanto isso, ativistas têm expectativas de que crise climática apareça como problema de saúde pública

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Começa hoje a Cúpula de Líderes sobre o Clima, convocada por Joe Biden para discutir metas mais robustas para a redução das emissões mundiais de carbono. Só assim vai dar para tornar viável o objetivo do Acordo de Paris, de impedir que a temperatura média mundial suba 1,5º C acima dos níveis pré-industriais – desde a assinatura do acordo, as emissões só fizeram crescer. O debate vai ser orientado pela ideia de que é preciso mudar os modos de produção, trocando carvão e petróleo por fontes de energia renováveis. 

Hoje, a China é disparado o maior produtor mundial de CO₂, com 26% das emissões. Os EUA vêm logo depois, com 13%, e em seguida estão a União Europeia e a Índia, com cerca de 7% cada. Líderes de todos esses grandes emissores estarão no evento online.

Organizações de ativismo pelo clima têm alguma esperança de que a crise climática apareça na Cúpula como um problema de saúde pública, que causa sete milhões de mortes por ano, gera insegurança alimentar e aumenta o risco de haver novas pandemias devastadoras. A expectativa se deve ao fato de que o governo Biden nomeou recentemente duas pessoas que costumam fazer essa leitura: John Kerry, o enviado presidencial especial para o Clima dos EUA, e Gina MacCarthy, a conselheira climática da Casa Branca. Apesar disso, a saúde não está formalmente na agenda e, portanto, há também uma preocupação de que a pauta climática acabe reduzida apenas a um problema econômico.

A reportagem do Health Policy Watch salienta que alguns países já estão colocando a saúde em destaque nesse tipo de discussão: o Canadá deu esse enfoque no seu plano mais recente de ações para o clima; no Reino Unido, o NHS (o “SUS” britânico) se comprometeu recentemente com a neutralidade de carbono até 2040; a Argentina está se movendo para incluir a saúde em seus compromissos climáticos nacionais assumidos no Acordo de Paris.

O plano brasileiro

O Brasil estará na Cúpula, com Jair Bolsonaro e sua (justificada) má reputação em relação à política ambiental. E, pela primeira vez, o país decidiu condicionar o cumprimento de metas ao recebimento de recursos. Na semana passada, Bolsonaro enviou uma carta de sete páginas a Biden mentindo que governo tem feito “muito” para a proteção ao meio ambiente e comprometendo-se a eliminar o desmatamento ilegal até 2030, desde que seja apoiado – financeiramente – por outros países. É essa a ideia que ele vai tentar defender em sua fala de três minutos. 

Como se sabe, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já tinha feito um papelão ao tentar explicar a americanos sua expectativa de receber verbas, o que fez usando uma metáfora com frangos de padaria. A proposta enviada pelo governo brasileiro aos EUA pede US$ 1 bilhão para colocar 3,5 mil pessoas da Força Nacional de Segurança na fiscalização, o que, segundo ele, diminuiria entre 30% e 40% do desmatamento da Amazônia em 12 meses. Ontem, Salles defendeu essa ideia em reunião com o empresariado brasileiro.

Só que o ministro é conhecido justamente por afrouxar qualquer vigilância a partir dos órgãos que já existem para isso, como Ibama e ICMBio. Aliás, na terça, 400 servidores do Ibama divulgaram uma carta denunciando que estão com suas atividades de fiscalização paralisadas desde que Salles mudou o rito para a aplicação de multas ambientais. Recentemente, ele virou alvo de investigação da Polícia Federal por atuar em favor de madeireiros ilegais.

De acordo com entidades de acompanhamento das questões climáticas, o que Salles quer é formar uma ‘milícia ambiental’, para “controlar e direcionar as ações de combate ao desmatamento de acordo com objetivos políticos e não de estado”. É o que narra a colunista d’O Globo Malu Gaspar.

O desmatamento da Amazônia é o principal responsável pelas emissões no Brasil. Se continuar avançando, o bioma entrará em colapso e “se tornará uma bomba de emissão“, segundo especialistas ouvidos pelo mesmo jornal. “Nesse momento, ela liberará sozinha o carbono acumulado. E aí o Brasil passará a emitir 10%, 15%, 20% de todo o carbono mundial. Mas, principalmente, todo o esforço para reter o aquecimento global terá sido em vão”, diz Márcio Astrini, secretário-executivo do coletivo de ONGs Observatório do Clima.

Em tempo: Jair Bolsonaro não vai ser o único brasileiro a falar. Sinéia Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima, também foi convidada. Ela está engajada no debate climático há anos, foi a criadora e coordenadora do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas na Funai e já participou de várias conferências de clima das Nações Unidas.

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