CPI poderá reverter voo cego do Brasil na pandemia?

Apagão dos dados da Saúde deixa estados e municípios sem poder planejar-se para nova onda. Para Carlos Lula, presidente do Conass, situação é interessante para o ministério. Parlamentares mobilizam-se para investigar governo

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Por Gabriela Leite

O que fazer perante a escuridão de dados de saúde em que o Brasil se encontra? Em pleno crescimento da onda causada pela variante ômicron da covid, o apagão dos principais sistemas do ministério da Saúde está causando estranhas distorções. O exemplo de São Paulo dá uma pequena demonstração: a capital registrou um número maior de casos da doença, entre os dias 1º e 6 de janeiro, do que o estado inteiro, constatou o G1. A discrepância parece mais um indicativo de que persistem os graves problemas na Rede Nacional de Dados em Saúde, “plataforma-mãe” que reúne informações de estados e municípios.

Frente ao problema que se prolonga, a oposição ao governo no Congresso está se mobilizando para a abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o que está causando o atraso da manutenção das plataformas de dados. Nos últimos dias, duas iniciativas foram anunciadas. A primeira foi proposta pela bancada do PT na Câmara dos deputados, e diz respeito especificamente ao apagão. A segunda, proposta no Senado, é apoiada pelos parlamentares que participaram da CPI da covid. Sua abrangência é mais ampla: busca investigar, também, o atraso na vacinação infantil, a falta de testes e os ataques do presidente a membros da Anvisa. 

Não se trata apenas da falta de registros, por mais de um mês, de dados sobre infecções e mortes causadas pela covid, essenciais para a gestão da pandemia em um momento crítico. O governo também deixa de revelar o que está fazendo para solucionar o problema, quem são os suspeitos pelo ataque cibernético e até mesmo qual a extensão dos danos. Não explica se tomou alguma atitude após os dois avisos de hackers de que o sistema estava muito vulnerável. Também não é capaz de dar uma previsão consistente para a retomada: o ministro Marcelo Queiroga diz que “não dá pra cravar”, mas espera que os sistemas retornem plenamente no próximo sábado, 15/1. Se de fato acontecer, terão sido longas cinco semanas de apagão.

Para Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), a falta de informações sobre a situação da pandemia acabou se tornando interessante para o ministério da Saúde. “Nada melhor para dizer que não há aumento de casos de covid do que não saber os números da covid”, brinca ele, que também é secretário de Saúde do Maranhão. Carlos relata que o seu estado tem um registro próprio dos dados, mas muitos dos municípios – e mesmo alguns estados como o Tocantins e Roraima –, não. “Eu fico às escuras também”, explica. “Os municípios estão testando, mas não conseguem subir os dados, então eu não consigo saber como está a doença”. O único dado confiável, muitas vezes, é o das internações – mas este acaba sendo muito fraco para ter noção da gravidade da onda de ômicron, já que a variante, por ser menos severa, não leva a tantas hospitalizações. O presidente do Conass também avalia que, quando o sistema voltar ao ar, será difícil que os registros do período do apagão cheguem a ser corretamente digitalizados: “Não vamos conseguir olhar para o passado”. 

Com o recesso parlamentar segue até dia 31/1, ainda leva algum tempo para que a nova CPI possa ser aberta. Enquanto isso, deputados mobilizam-se para conseguir as assinaturas necessárias. Segundo o gabinete do deputado Reginaldo Lopes (MG-SP), as articulações entre os deputados da oposição já estão bastante adiantadas e o movimento beneficia-se da liminar concedida em abril de 2021 pelo STF, que garante que a CPI seja instaurada sem precisar passar pelo presidente da Casa. Na opinião de Carlos Lula, a abertura de uma investigação no legislativo pode ser um movimento muito importante pois, durante o andamento da CPI da covid, o ministério viu-se obrigado a tomar providências de maneira muito mais efetiva.

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