PEC anti-mulheres: a ameaça é real

Emenda que pode proibir o aborto em todas as situações vai a voto em comissão do Senado semana que vem. Leia também: como a falta de concursos públicos afeta a Saúde; mortes por poluição chegam a Londres; a epidemia de ebola agrava-se na África

Carlos Morales / Surreal woman
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Por Maíra Mathias e Raquel Torres | Imagem: Carlos Morales,Surreal Woman

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CONTRA AS MULHERES

Muito em breve, senadores podem decidir restringir ainda mais os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, se votarem a favor da PEC 29/2015, que garante o direito à vida “desde a concepção”: além de minorar chances futuras da descriminalização, não há nenhuma garantia de que serão mantidos os casos em que o aborto hoje é permitido. No próximo dia 8 o texto deve ser analisado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. 

No Gênero e Número, Lola Ferreira conta como anda a tramitação. A relatora na CCJ vai ser a “Juíza” Selma, que já deu parecer favorável à PEC. “Não podemos permitir que o aborto seja uma forma de descartar vidas inocentes. Precisamos resgatar os valores que foram perdidos em anos de uma política de esquerda, em que tudo era permitido”, disse ela, em uma entrevista. A juíza – que já foi comparada a Sérgio Moro – foi condenada no mês passado a perder o mandato por abuso de poder econômico e caixa 2. Mas ainda cabe recurso.

E, acima do Equador, Donald Trump também faz das suas. Ele anunciou ontem uma “regra de consciência” ampliada, garantindo que trabalhadores da saúde se recusem a prestar serviços como aborto, esterilização e suicídio assistido por objeção religiosa ou moral. Se as instituições de saúde não respeitarem esse “direito” dos trabalhadores, vão ser penalizadas com a perda de fundos. 

“Esta regra garante que as entidades e profissionais de saúde não sejam vítimas da área de saúde porque se recusam a participar de ações que violam sua consciência, incluindo a tomada de vidas humanas”, disse o diretor do Escritório de Direitos Civis, Roger Severino, em um comunicado. Prosseguiu: “Proteger a consciência e a liberdade religiosa não só promove uma maior diversidade nos cuidados de saúde, é a lei”.

Não são apenas os médicos que podem declarar objeção. A nova regra tem mais de 400 páginas e é tão ampla que, na prática, tem tudo para diminuir drasticamente o acesso a serviços. “A regra permite que uma gama muito ampla de pessoas – desde a recepcionista até os conselhos dos hospitais e todos os demais – neguem o atendimento médico de um paciente se suas crenças pessoais atrapalharem o caminho”, disse ao New York Times Fátima Goss Graves, presidente do National Women’s Law Center.

COBERTOR CURTO

O governo federal resolveu remanejar R$ 3,6 bilhões para atender demandas urgentes de ministérios. É que várias pastas foram duramente afetadas pelo contingenciamento de R$ 30 bi, anunciado em abril. O valor liberado ontem vai cobrir alguns buracos, como o no Minha Casa, Minha Vida (o programa vai receber R$ 800 mi) e cavar outros ainda mais fundos, como na Educação. O MEC, que já tinha tido mais de R$ 5 bi contingenciados, perdeu no remanejamento outros R$ 1,59 bi. O Ministério da Saúde não foi afetado também desta vez. Quem salvou a pasta foi justamente a obrigação constitucional de aplicação mínima em ações e serviços de saúde que Paulo Guedes quer extinguir.

REGRA DE OURO

Enquanto isso, a equipe econômica do governo tem um desafio grande pela frente. Segundo projeções, a partir de julho, não há dinheiro para pagar o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Em setembro, não conseguirá pagar benefícios do INSS, afetando 35 milhões de pessoas. O plano de Guedes & cia é quebrar a chamada regra de ouro do orçamento. Essa regra constitucional diz que o governo não pode se endividar para pagar salários e benefícios assistenciais. A situação é inédita, e o Executivo vai precisar de autorização do Congresso (257 votos na Câmara e 41 no Senado) para fazer R$ 248 bilhões através da emissão de títulos do Tesouro.

REFORMA

Falando em BPC, dois deputados tucanos estão colhendo assinaturas para apresentar emenda à reforma da Previdência, removendo do texto qualquer referência ao Benefício de Prestação Continuada. Precisam de 171 assinaturas.

AFETARÁ OS PLANOS DE SAÚDE?

Ainda na seara econômica, o governo trabalha em um plano para cortar renúncias fiscais. E já tem uma meta: recuperar 1,5% do PIB, ou R$ 102 bi, até 2022. Ainda não se sabe o que pode entrar nesse plano, mas o Estadão lembra que as deduções do Imposto de Renda da Pessoa Física com ensino e saúde chegaram a R$ 19,7 bi no ano passado. Os cortes entraram no projeto de lei orçamentária, enviado ao Congresso em agosto.

VAZIOS
Hoje, um em cada três postos do governo federal está vazio, aponta o El País. Sem novos concursos e sem a convocação de aprovados nos anteriores, a tendência é piorar, ainda mais com Guedes e Bolsonaro forçando um enxugamento ainda maior. A Saúde é uma das áreas mais afetadas: dos 25 mil médicos previstos para o Ministério, faltam 20,3 mil.

NOVO FOCO

A Funasa é mais um foco de insatisfação de aliados com o governo, segundo a coluna Painel da Folha. A paralisação em obras de saneamento está irritando muita gente. O órgão não conta com a simpatia do ministro Luiz Henrique Mandetta, por conta de escândalos de corrupção no passado. Funcionários reclamam que não têm suas ações autorizadas.

DECISÃO IMPORTANTE

O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que operadoras de planos de saúde coletivos não podem rescindir por conta própria e sem motivo os contratos com menos de 30 beneficiários. A Quarta Turma do STJ negou o recurso de uma operadora que rescindiu unilateralmente o contrato com cinco beneficiários, todos com mais de 60 anos. A operadora já havia sido condenada em primeira e segunda instâncias.

O Globo explica que as duas modalidades de contrato coletivo de saúde existentes no país – empresarial e por adesão – são regidas pela resolução 195 da ANS, que permite a inclusão de cláusula de rescisão unilateral. Mas a relatora do caso no STJ entendeu que o caso da empresa de pequeno porte é especial, e parecido com as bases atuariais dos contratos nas modalidades individual e familiar, por ter poucas vidas e elevados reajustes no valor das mensalidades. “A quebra unilateral costuma acontecer quando a operadora não tem interesse naquele contrato, e isso se dá normalmente quando há custo elevado com tratamentos ou quando o grupo é predominantemente de idosos. Em ambos os casos, os beneficiários ficavam sem proteção de uma hora para outra e dificilmente conseguiam um novo plano, já que o mercado se fecha para esse público”, explica o advogado Rafael Robba, ouvido pelo jornal. A decisão deve influenciar tribunais estaduais e, quem sabe, até a própria ANS a rever a resolução 195.

O FUTURO NÃO DEMORA

E os drones chegaram, com força, à saúde. É notícia no mundo todo o voo que um desses aparelhos fez para entregar um rim para um transplante que aconteceu nos Estados Unidos. O percurso foi de menos de cinco quilômetros, um pequeno ‘passo’. Mas os pesquisadores que devolveram o projeto para transportar órgãos assim, da Universidade de Maryland, garantem que representa um passo importante para agilizar todo o processo envolvendo transplantes, já que a cada hora que passa, o órgão removido do doador se torna menos saudável, o que compromete o potencial de sucesso desse tipo de cirurgia.

OCULTO

Em Londres, uma menina foi levada ao hospital em 2010 por um ataque de tosse; em seguida, foi internada outras 27 vezes até que, em 2013, ela morreu. O inquérito da época indicou óbito por insuficiência respiratória aguda e asma grave. Mas, quatro anos depois, um relatório apontou os níveis ilegais de poluição próximos à sua casa como prováveis responsáveis pela sua doença e morte. “Se ficar comprovado que a poluição matou Ella, o governo será forçado a reconhecer que esse assassino oculto, mas mortal, está acabando com a vida de nossos filhos”, diz sua mãe. Ella Kissi-Debra pode se tornar a primeira pessoa do Reino Unido a ter a poluição do ar listada como causa de morte.

O PIOR

Em meio às dificuldades – incluindo a violência – que temos acompanhado aqui na newsletter, o ebola já matou 970 pessoas e infectou 1.500 na República Democrática do Congo desde agosto. Em apenas um mês, o número de mortes subiu mais de 50%, e na semana passada foram 126 casos. No domingo, o recorde de óbitos em um único dia: 27. Mesmo para quem sobrevive à doença, o prognóstico não é bom. O governo congolês divulgou os resultados de pesquisas apontando que, a cada dez sobreviventes, dois desenvolvem problemas oculares diversos, incluindo a perda da visão. Isso por conta de efeitos colaterais do tratamento, que ainda é experimental e não tem aprovação oficial das autoridades da saúde. 

POUCO CONFIÁVEIS

Precisamos de pesquisas para conhecer os efeitos da maconha. Mas talvez elas não sejam muito confiáveis: um estudo recente sugere que a cannabis usada em pesquisas nos EUA é geneticamente diferente daquela fumada pelas pessoas. A usada pelos consumidores é mais forte. 

COMO FAZER?

Depois de ficar muito tempo com sua sobrinha em uma UPA, aguardando liberação para internação, Vera Lúcia Lopes postou a foto de dois médicos conversando no Facebook, com a legenda “Por isso que as UPAs não funcionam. Enquanto os pacientes padecem, os médicos ficam batendo papos”. Um deles tomou conhecimento da foto e entrou na Justiça. Ganhou. A juíza considerou que “o conteúdo extrapolou de modo grave e reprovável o direito de livre manifestação do pensamento”, e Vera vai ter que pagar R$ 10 mil a ele por danos morais. Ela é empregada doméstica e ganha um salário mínimo.

PRA ENTENDER MELHOR

Davide Rasella, o pesquisador responsável pelos estudos que projetam pelo menos cem mil mortes até 2030 devido ao teto de gastos, à redução da cobertura da Estratégia Saúde da Família e ao possível fim do Mais Médicos, falou com o repórter André Antunes, da Fiocruz. Na entrevista, ele explica a metodologia desses estudos e também comenta aquela primeira decisão do MEC de cortar verbas da UnB, UFF e UFBA, instituição onde leciona e pesquisa. “Retirar recursos de universidades federais de excelência é uma escolha, e aqui se está decidindo o futuro do Brasil. Ou se investe claramente na pesquisa científica e nas universidades públicas federais, que são de excelência e podem fazer isso de forma muito eficiente, ou se decide continuar sendo um país exportador de carne, de soja, de ferro.”

Agora, como você já sabe, o MEC resolveu cortar 30% da dotação orçamentária anual de todas as 60 universidades e 40 institutos federais.

ALÉM DAS ABELHAS
 
A mortandade de abelhas é um problema cada vez mais comentado; sua correlação com o uso de agrotóxicos foi apontada recentemente por Dayson Castillos, doutor em Ciência Animal, e também repercutiu muito. Em entrevista ao IHU-Unisinos, o pesquisador conta que a morte desses insetos é um indicador biológico da saúde do meio ambiente. Se as abelhas morrem, o problema vai muito além da perda desses excelentes polinizadores. “Podemos pensar: se as abelhas estão contaminadas, então tudo mais também pode estar contaminado em maior ou menor nível de contaminação, como o solo, a produção agrícola, a pecuária, os humanos e os biomas”, diz.

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