Contra a opacidade do governo na pandemia

“Senhores, o modelo anterior nunca me agradou”, disse o geral Pazuello a deputados, falando das mudanças na divulgação de dados sobre o coronavírus. Governo quer simular redução das mortes

Foto: Reprodução
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O ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, participou ontem de uma audiência na comissão do Congresso que discute ações de combate ao coronavírus. Tentou apagar o incêndio gerado pela postura do governo em relação à divulgação dos dados, criticando quem aponta a evidente intenção de Jair Bolsonaro de esconder a gravidade da pandemia. Segundo Pazuello, está tudo certo e os números são “inescondíveis”… Mas ele sustentou a ideia de mudar em breve a forma de divulgação, dando ênfase às mortes ocorridas de fato nas últimas 24 horas. “Senhores, o modelo anterior nunca me agradou. Eu não achava que eram suficientes para os gestores”, disse o ministro interino, completando depois: “Eu estava somando contas que não existem, que não eram somáveis. Marcando um horário para apresentar uma informação que não dizia nada aos gestores e ao nosso país”.

Pois é. Boa mesmo devia ser a ‘solução’ encontrada no fim de semana, de não mencionar os números gerais da pandemia… Bolsonaro também falou sobre isso, na saída da reunião ministerial de ontem. “Queremos o número limpo que sirva para prognóstico e não que apenas sirva para inflar e dar notícias em órgãos de imprensa. (…) Esses números têm que servir para alguma coisa e não para dar manchete de jornal”

Voltando à comissão do Congresso: “Se não olharmos para a data do óbito, o gestor não consegue entender o que está acontecendo na sua cidade, não consegue ter medidas para corrigir”, argumentou Pazuello. Resta saber se, na nova contagem, a pasta pretende mostrar também todas as mortes ocorridas nas últimas 24 horas que ainda estão sem diagnóstico. Algo nos diz que não.

Uma nova plataforma vai ser lançada, e Pazuello garante que todas as informações estarão lá: número de infectados e mortos por estado, regiões de saúde e municípios, curvas sobre avanço da doença em capitais e no interior e a tão sonhada informação sobre ocupação de leitos de UTI em cada local. “São todos os dados que jamais tivemos. Estão todos disponíveis full time“, disse. 

No momento, a história é outra. Pesquisadores do LabCidade, da USP, denunciam que o Ministério da Saúde excluiu de suas bases de dados todos os registros dos CEPs onde foram registrados casos e mortes pelo novo coronavírus. Isso aconteceu dias depois de o LabCidade divulgar um mapa das hospitalizações na região metropolitana de São Paulo, feito com base nessas informações A liminar do STF que obrigou o governo a divulgar melhor as informações não menciona a variável CEP, de modo que ela pode deixar de ser disponibilizada de vez.

A Câmara aprovou ontem um requerimento para conceder regime de urgência a um projeto com medidas para aumentar a transparência do governo em relação à divulgação de dados. Já o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) protocolou ontem uma notícia-crime contra Pazuello no STF, por improbidade administrativa e prevaricação, devido à decisão do governo de mudar o formato de apresentação. E mais de cem organizações assinaram uma carta aberta ao governo federal cobrando transparência.

A propósito: a Agência Pública entrevistou líderes de iniciativas independentes que desde o início da pandemia têm se destacado por disponibilizar dados. Álvaro Justen, no Brasil.io, lembra que em março o site do Ministério ficou fora do ar por uma semana. Já se via, na época, que “não dava para contar” com a pasta, diz ele. Marcelo Soares, fundador do Lagom Dados, conta que era possível prever o caos antes mesmo de Bolsonaro assumir a Presidência: “Quando saiu o resultado das eleições eu comprei um HD só para fazer backup de dados públicos. Conhecendo a atuação do então deputado eu imaginava que haveria a tentativa de cercear o acesso aos dados. Eles só gostam da informação que os enaltece”.

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