Como a Pfizer lucra com o apartheid vacinal

Corporação relata novo trimestre de receitas bilionárias, enquanto se recusa a permitir que laboratórios do Sul produzam sua vacina – e cobra até 350 dólares por tratamento contra a covid. Ativistas protestam e OMS amplia apelo pela quebra das patentes

.

O lucro da Pfizer aumentou 77% se comparado aos primeiros meses de 2021. Dos 25,7 bilhões de dólares, 13,2 bilhões são da venda de vacinas criadas em parceria com o laboratório alemão BioNTech e outros 1,5 bilhões estão relacionados a Paxlovid, novo medicamento que reduz em até 89% o risco de internações e óbitos de pacientes infectados com covid. As receitas da farmacêutica dobraram em 2021, atingindo US$ 81,3 bilhões e o esperado para 2022 são vendas recordes de US$ 98 bilhões a 102 bilhões. Desse valor, espera-se que metade virá de produtos relacionados à covid. 

“Durante a pandemia, a Pfizer se recusou a compartilhar sua tecnologia. Em vez disso, manteve o monopólio sobre sua vacina e tratamento, estrangulando o fornecimento global”, afirmou Tim Bierley, ativista do Global Justice Now ao jornal The Guardian. A organização britânica pelo desenvolvimento global foi uma das presentes em protestos realizados no final de março em Londres, Reino Unido, em frente a sede da Pfizer no país. A manifestação foi uma das várias que ocorreram em países europeus pela quebra de patentes das vacinas para a covid-19. 

Em maio de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um relatório em que recomendava a quebra de patentes das vacinas, através da suspensão do direito de propriedade intelectual em um prazo de três meses. O diretor da organização, Tedros Adhanon, afirmou que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. Para reforçar os argumentos pela quebra das patentes, os movimentos contra o apartheid vacinal frisam: grande parte da pesquisa que levou aos imunizantes foi financiada por recursos públicos. A própria pesquisa da vacina Pfizer/BioNTech recebeu, só em setembro de 2020, 350 milhões de euros do governo alemão, segundo indica o site do laboratório. 

A comercialização do Paxlovid é outro caso de lucro baseado em escassez programada. O medicamento da Pfizer é altamente eficaz para tratar casos moderados e graves de covid. Mas a OMS reiterou sua preocupação com “a falta de transparência por parte da empresa originadora” que dificulta que “as organizações de saúde pública obtenham uma imagem precisa da disponibilidade do medicamento, quais países estão envolvidos em acordos bilaterais e quanto está sendo pago”. Para entender melhor o que isso significa, basta olhar para os números: cada tratamento é vendido pela Pfizer por algo entre US$ 350 (nos EUA) e US$ 250 (no Brasil). Mas uma pesquisa da Universidade de Harvard demonstrou que o custo de produção de genéricos poderia ser de US$ 64,91 – entre quatro e seis vezes menor. A Pfizer chegou a estabelecer um acordo de licenciamento com o Medicines Patent Pool, mas os Médicos sem Fronteiras alertaram que tal compromisso limita o número de países que podem se beneficiar da produção genérica do medicamento.

No ano passado, a OMS estabeleceu a meta de atingir 70% da população mundial totalmente vacinada contra a covid-19 até junho de 2022, cenário que aparece cada vez mais distante devido a “perda de impulso”, segundo especialistas, das doações de imunizantes por parte dos laboratórios e dos países mais desenvolvidos. Segundo o Our World in Data da Universidade Oxford, muitos países ainda não chegaram a vacinar 20% de sua população, enquanto dois terços dos países mais ricos do mundo atingiram 70% de imunização populacional. 

Leia Também: