Cobertura de diversas vacinas despenca e doenças superadas voltam a preocupar

Estudo mostra que imunizantes contra hepatite B, pólio, tuberculose e outras enfermidades não estão chegando nas crianças brasileiras e aponta desmonte do SUS e inércia federal como fatores da crise

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Para que haja imunidade coletiva, a cobertura vacinal contra a poliomelite precisa ser maior que 95%. Em 2015, ela era de 98,3% no Brasil, um valor invejável. Mas em 2019 já estava em 84,2% – e no ano passado caiu mais 8,3 pontos percentuais, ficando em apenas 75,9%.

Não foi só a vacina contra pólio: a cobertura de quase todos os imunizantes caiu muito, segundo análise do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps). Se todas as coberturas estavam acima de 90% em 2015, agora nenhuma alcança nem os 80%. E menos de metade dos municípios brasileiros atingiu as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Imunizações.

A maior queda em 2020 foi a da vacina contra a hepatite B em crianças com até 30 dias de vida, que foi de 78,6% no ano anterior para 62,8%. A da BCG caiu 16 pontos percentuais (chegando a 73,3%); a primeira dose da tríplice viral, 15 pontos (ficando em 79.5%). 

E a única vacina que teve melhora em 2020 foi a pentavalente, mas nem nesse caso a notícia é exatamente boa. Apesar do crescimento de seis pontos percentuais, ela ainda está em 76,9%. Em 2015, sua cobertura era de 96,3%.

O cenário é mais preocupante quando se observa a realidade dos estados e municípios individualmente. No caso da poliomelite, por exemplo, só 38% dos municípios atingiram as metas – e eram 70% em 2010. 

As regiões Norte e Nordeste apresentaram as piores diferenças: a parcela de cidades com a cobertura adequada passou de cerca de 64% e 67%, em 2010, para apenas 22% e 28% em 2020, respectivamente.

Acre, Amapá e Roraima estão na pior situação, com somente 5%, 6% e 7% de seus municípios alcançando as metas.

A pandemia é apontada pela pesquisa como catalisadora da piora, com o medo das pessoas de irem às unidades de saúde para vacinar as crianças. Mas o estudo reforça que não é só isso.

A queda já estava visível a partir de 2016, e há muito tempo especialistas alertam para o elevado risco de ressurgimento de doenças e surtos. O Brasil chegou a se ver livre do sarampo, mas a boa maré acabou em 2018, quando voltou a haver vítimas.

Em 2019, só dez estados tinham aplicado a primeira dose da tríplice viral (que protege contra o sarampo) em 95% da população. Para a hepatite B em recém-nascidos, só quatro estados tinham alcançado a meta naquele ano. 

E nem dá para dizer que isso é fruto do movimento antivacina, felizmente pouco difundido por aqui. Tudo indica que o problema é o desmonte do SUS, em especial da atenção básica.

“O Brasil possui capacidade, estrutura e experiência para vacinar toda a população de uma forma rápida e eficiente, como já demonstrado no passado pelo PNI. Para que o país supere essa pandemia e não vivencie novos surtos de sarampo ou outras doenças anteriormente controladas, é importante reordenar ações e serviços para retomar as coberturas vacinais em tempo oportuno, garantir infraestrutura e logística para evitar o desabastecimento de doses, uma intensa coordenação do Ministério da Saúde com os demais entes federativos e a comunicação com a população, de forma a conscientizá-la sobre a importância da vacinação e combater os movimentos anti-vacina”, diz a pesquisa do Ieps.

Em outras palavras, é preciso que o Brasil faça tudo  que já demonstrou ser capaz de fazer no passado – mas que não parece nem um pouco disposto a fazer no presente.

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