Cidade dos Meninos: um dos mais chocantes crimes socioambientais do Brasil

História menos conhecida do que deveria envolve abandono de 400 toneladas de material tóxico em localidade fluminense

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Um escândalo de contaminação de 60 anos atrás – bem menos conhecido do que deveria, e cujos efeitos duram até hoje – é detalhado na ótima matéria de Pedro Grigori, na Repórter Brasil. Trata-se do caso da Cidade dos Meninos, erguida nos anos 1940 pelo governo Getúlio Vargas e que hoje abriga cerca de 1,4 mil famílias. O lugar era um internatopara crianças órfãs e retiradas das ruas, e no terreno moravam também as famílias dos funcionários, que ganharam casas ali.

Mas, nos anos 1950, pavilhões desocupados passaram a abrigar o Instituto de Malariologia e uma fábrica de inseticidas organoclorados hoje proibidos no Brasil, como o DDT e o HCH. Este último, conhecido como pó de broca, pode causar câncer, má-formação fetal, abortos espontâneos e alterações no sistema nervoso.

A fábrica fechou uma década depois e 400 toneladas de pó de broca foram simplesmente abandonadas. “Os moradores diziam: se fosse perigoso, o governo não deixaria aqui”, diz Miguel da Silva, liderança na comunidade. As crianças brincavam com o pó (“Elas jogavam as pedras do pó umas nas outras, como numa partida de paintball“, e os adultos o usavam não só como inseticida, mas até em construção civil.

Ao longo de 20 anos, pelo menos 360 toneladas se espalharam pela região. O resultado, obviamente, foi a contaminação geral. Como a substância leva décadas para se degradar, ainda está presente por lá. Hoje, resíduos de organoclorados estão no sangue de quase 75% dos moradores. 

Pouco depois que o problema veio à tona, o orfanato e as escolas públicas fecharam as portas, e hoje é difícil ter qualquer atividade econômica por lá. Mas parte dos moradores se recusa a ir embora: “Quem tem que sair é o pó, não é a gente”, diz Miguel, que luta há anos pela descontaminação do lugar. Até agora, nem sinal de que isso vá acontecer: a única ação nesse sentido aconteceu nos anos 1990, mas foi ineficaz.

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