Boas e más

Em resultados preliminares, Vacina da Novavax mostra ótima eficácia contra covid-19 no Reino Unido, mas bem menor na África do Sul. Cresce preocupação com escape das novas variantes às vacinas existentes

.

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 29 de janeiro. Leia a edição inteira. Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

Mais uma empresa divulgou ontem resultados preliminares da eficácia da sua vacina contra o novo coronavírus: a Novavax (veja o comunicado à imprensa). Além da importância mais geral disso – sabermos o potencial de uma nova opção de imunizante para controlar a pandemia –, outro ponto de interesse é que os dados se baseiam em ensaios realizados recentemente no Reino Unido e na África do Sul, onde surgiram duas das três variantes do SARS-CoV-2 mais relevantes já identificadas até agora. Ou seja: pela primeira vez, há números com testes de fase 3 que podem mostrar a diferença na eficácia de um mesmo imunizante para variantes distintas. 

A notícias da Novavax são ao mesmo tempo boas e ruins. A parte boa: no Reino Unido, metade dos casos identificados eram atribuíveis à nova variante (a  B.1.1.7); a eficácia contra ela ficou em 85,6%, e contra a cepa original ficou em 95,6% – ambos são percentuais altíssimos, e a eficácia geral, incluindo a proteção contra ambas as cepas, ficou em 89,3%. A parte ruim: a variante identificada na África do Sul (a 501Y.V2) já responde por 90% das infecções desse país. E, lá, a eficácia geral ficou em 49,4%. 

Apesar de ser um pouco inferior ao que a OMS considera aceitável para a aprovação de imunizantes, esse último percentual não é tão ruim. É semelhante ao que a CoronaVac apresentou no Brasil, por exemplo, e já falamos bastante sobre o quanto mesmo eficácias baixas e moderadas são muito melhores do que nada. Além disso, o ensaio sul-africano envolvia 240 voluntários HIV-positivos e, retirando-os da conta, o percentual subiu um pouco, para 60%. Então os números são até razoáveis, certo? Podemos dizer que o teste indica, pela primeira vez, que uma vacina têm chance de ajudar no controle dessa variante.

Sim, mas não é só isso. O problema não é tanto a taxa observada, mas a diferença brutal da eficácia para essa variante, em comparação com a que foi observada para a cepa original e para a do Reino Unido. Embora os resultados não possam ser aplicados a outros imunizantes, eles sugerem que a gente deva mesmo se preocupar com a capacidade desse vírus de escapar da imunidade produzida pelas vacinas desenvolvidas até aqui. Isso é grave para o mundo todo e mais ainda para o Brasil, onde os governos não têm feito absolutamente nada para conter a variante que surgiu em Manaus.

Na apresentação dos resultados, o executivo-chefe da Novavax Stanley Erck disse que já era esperada alguma diferença, mas que “o tamanho das mudanças foi uma surpresa para todos”. Os números foram inquietantes o suficiente para a empresa anunciar que já começaria a testar um novo produto, feito sob medida para proteger contra essa cepa. “Será necessário fazer novas vacinas”, vaticinou Erck.

Outro ponto de atenção é que um terço dos voluntários na África do Sul já tinham sido previamente infectados pelo coronavírus – e eles desenvolveram covid-19 na mesmíssima proporção dos que não tinham anticorpos, sugerindo que infecções anteriores não protegem nada contra a nova variante. Segundo a empresa, a vacina ofereceu proteção “significativa” para esse grupo, mas os dados não foram incluídos na análise. 

Vale notar que esses resultados não são finais, mas preliminares. No Reino Unido, o estudo tem 15 mil voluntários e os números se baseiam em 62 infecções. Já na África do Sul, o ensaio envolve 4,4 mil pessoas e foram identificadas ao todo 44 casos.

Também é importante ressaltar que os dados gerais são bons e o imunizante deve entrar logo com os primeiros pedidos para aprovação emergencial no Reino Unido e os EUA. Sua tecnologia é mais tradicional do que a das vacinas de mRNA (é baseada em réplicas inofensivas da proteína de pico do vírus usadas para induzir a resposta imunológica). O melhor é que ela pode ser armazenada em geladeira comum. O Brasil, para variar, perdeu esse bonde – até onde se sabe, não há nenhum acordo em vista. Além disso, não há ensaios da Novavax por aqui. 

Em tempo: a AstraZeneca também está conduzindo ensaios de fase 3 na África do Sul e espera compartilhar esses números em breve. E a Johnson & Johnson, que faz testes tanto lá como no Brasil, também está prestes a anunciar seus resultados. 

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 29 de janeiro. Leia a edição inteira. Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

Leia Também: