Bebês editados geneticamente: a polêmica do ano

Cientista chinês anunciou ontem, pelo YouTube, o que seria a primeira experiência a modificar fetos humanos – mas não há comprovação de que seja verdade

.

27 de novembro de 2018

MARCO, MONSTRUOSIDADE OU MENTIRA?

Já falamos aqui algumas vezes da CRISPR, técnica usada desde 2012 em todo o mundo para fazer edição de genes a partir da imitação de um mecanismo de combate a vírus usado por uma bactéria que “pica” o DNA do invasor. Pois um cientista da Universidade de Shenzhen chamado He Jiankui parece ter ultrapassado algumas barreiras éticas no seu uso. Ele anunciou no YouTube (e a história já começa estranha por isso) ter criado os primeiros bebês geneticamente modificados do mundo, embora não tenha publicado a experiência em nenhuma revista científica especializada. Além disso, teria usado a CRISPR em dois embriões fecundados por inseminação artificial feita por um casal em que um dos membros é portador do HIV de modo que o gene CCR5, porta de entrada do vírus no sistema imunológico humano, fosse inibido. Nasceram duas meninas, Lulu e Nana.

A notícia foi recebida pela comunidade científica como um álbum surpresa da cantora Beyoncé seria recebido pela população em geral, compara o site especializado STAT. O suposto ‘feito’ do pesquisador chinês não foi verificado por nenhum outro cientista. Mas é o assunto do momento na imprensa internacional e divide opiniões. Alguns acreditam ser um marco na ciência. A maior parte condenou Jiankui.

“Os embriões eram saudáveis, sem doenças conhecidas. A edição genética em si é experimental e ainda está associada a mutações indesejadas, capazes de causar problemas genéticos em etapas iniciais e posteriores da vida, inclusive o desenvolvimento de câncer”, criticou Julian Savulescu, diretor do Centro de Ética da Universidade de Oxford, para quem, se for verdade, a experiência é “monstruosa” e uma “roleta russa genética”. Jiankui se defende, dizendo que não usou a técnica para motivos fúteis, como mudar a cor dos olhos das crianças, mas para “livrá-las de uma doença”.

No STAT, os repórteres contam que Jiankui, que se formou nos Estados Unidos, publicou em 2010 – muito antes da descoberta de que a CRISPR poderia manipular o DNA – um artigo descrevendo a bactéria usada na técnica. Anos depois, voltou para a China, onde não há leis impedindo a experimentação genética em humanos, ao contrário da Europa e dos EUA, onde se encontram os principais grupos de pesquisa da CRISPR. O anúncio, descrevem, foi previamente calculado, e envolveu a contratação de um especialista em relações públicas, entrevistas exclusivas à agência internacional de notícias Associated Press e liberação dos vídeos no YouTube ao mesmo tempo em que o pesquisador anunciava o experimento para um público mais restrito num seminário em Hong Kong.

O ACORDO

Ontem, o Ministério da Saúde anunciou acordo firmado com a indústria que tem como meta reduzir em até 62,4% a quantidade de açúcar em alimentos. Os biscoitos recheados devem chegar a esse máximo, seguidos por produtos lácteos (53,9%), mistura para bolos (46,1%), refrigerantes (33,8%) e achocolatados (10,5%). A redução, contudo, não acontece desde já, mas gradualmente até 2022. A cada dois anos, deve haver monitoramento. Mas nem governo, nem empresas divulgaram as metas parciais. Diferente de outros países, o Brasil vedou que a indústria substituísse açúcar por adoçantes.

A OMS recomenda que cada pessoa consuma, no máximo, 50 gramas de açúcar por dia. Mas por aqui, a média hoje é de 80 gramas.

DESLOCAMENTO

Também ontem, o ministro Gilberto Occhi disse que o governo pode deslocar profissionais do programa Mais Médicos para cidades que ficarem desassistidas com a saída dos cubanos. Não explicou como seria a manobra, mas disse que aguarda o resultado final do novo edital para decidir.

Segundo o Ministério da Saúde, 224 profissionais já se apresentaram a 118 prefeituras no novo edital. A pasta divulgou que 97,2% das vagas foram preenchidas. O salário é de R$ 11,8 mil.

DO VOTO À REALIDADE

A contradição entre o voto em Jair Bolsonaro e a dependência e aprovação do programa Mais Médicos é explorada nessa reportagem do Intercept Brasil. Em Içara, Santa Catarina, 82% dos votos válidos foram para o capitão reformado. Por lá, metade dos médicos, cubanos, deixaram o município. E, também, saudades. É o caso de Renata Reuss, mãe do pequeno Nicolas de oito anos, com quem peregrinava de médico em médico até encontrar no SUS a cubana Ienni Camacho, que enfim descobriu o que havia levado o garoto a passar mal e ficar internado: múltiplas alergias.  “Não quero desmerecer os médicos brasileiros, mas os cubanos têm um cuidado especial com os pacientes. Se eles forem embora, acho que a nossa cidade vai piorar”, desabafou Renata, que votou em Bolsonaro. Outra eleitora, usuária da atenção básica em Içara e paciente de outra médica cubana, completa: “A gente votou nele [Bolsonaro] pra ele mudar o que estava errado, não o que estava certo. Já não estou gostando disso. Espero que ele melhore quando assumir a Presidência”.

FONTE DE RECEITA

Deixamos passar ontem, mas remediamos hoje: matéria do El País fala sobre a importância para Cuba dos acordos de cooperação internacional envolvendo os médicos. A receita obtida pela ilha com a “diplomacia dos jalecos brancos” é de R$ 42 bilhões. É a principal fonte de receita do Estado, mais importante do que turismo e o envio de remessas de cubanos expatriados a familiares. Desde a revolução, em 1959, mais de 600 mil missões foram realizadas pelo país caribenho, num total de 164 países. As brigadas médicas cubanas atendem desde emergências, como a epidemia de ebola em Serra Leoa, como programas de saúde comunitária – caso do Brasil. Um médico recebe por mês, em Cuba, cerca de 30 dólares (R$ 115). Caso faça parte das brigadas e esteja em missão, o salário sobe para 750 dólares (R$ 2,8 mil). No acordo por aqui, o Brasil pagava a Cuba três mil dólares.

IMPLANT FILES

Mais reportagens do esforço investigativo internacional ‘Implant Files’ saíram. A Agência Pública acompanhou brasileiras que tiveram o Essure, dispositivo fabricado pela Bayer com a promessa de esterilizar permanentemente quem não deseja ter filhos, implantado pelo SUS. Já falamos dele duas vezes. No mundo, a Bayer enfrenta milhares de processos judiciais por efeitos adversos do Essure e movimentos de vítimas surgiram em países como a França. A FDA esse ano confirmou que, desde novembro de 2002, recebeu mais de 26 mil reclamações por danos ligados ao aparelho, no mercado há 16 anos. Por aqui, não foi diferente e diversas sofreram complicações como fortes dores e infecções. Elas batalham para fazer o explante, também pelo SUS, mas encontram muitas dificuldades. O setor público passou a comprar o Essure em 2012 e já foram vendidos mais de oito mil dispositivos para hospitais públicos em São Paulo, no Rio, Pará, Tocantins e Brasília. É considerado pelos gestores um método econômico porque pode ser colocado no consultório, sem necessidade de intervenção cirúrgica ou internação. Mas para retirar o dispositivo, espécie de mola que se gruda às trompas, não é tão simples. Exige a retirada das trompas e, em alguns casos, até do útero. Nada disso foi explicado às usuárias, que não puderam avaliar os riscos.

A Anvisa chegou a suspender o produto em 2017 e a reportagem conta, em detalhes, como a Bayer e a empresa responsável pela importação do produto, Commed, pressionaram a agência e conseguiram reverter a decisão sem que nenhum teste clínico fosse realizado no Brasil. Mas as críticas ao produto em outros países obrigaram a Bayer a encerrar a comercialização do Essure em todo o mundo a partir de 2019.

 no site da Piauí, foram publicadas duas matérias sobre implantes de mama. Uma, assinada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, falasobre a prática das empresas de recolocar à venda produtos com defeito. Outra, de lavra local, denuncia o fato de o Brasil permitir próteses mamárias proibidas na Europa.

SAIU DO PAÍS

A pesquisadora brasileira Débora Diniz, que foi incluída no programa de proteção aos defensores dos direitos humanos depois de ameaças por conta da sua atuação pela descriminalização do aborto no Brasil, e teve que se mudar do país, deu entrevista ao Correio Braziliense: “A gente teve um momento em que a igualdade como valor passou a ser uma exigência da vida pública, fosse nas universidades com as cotas, fosse na existência de uma nova paisagem política com mulheres, com negros; fosse por mudarmos o vocabulário sobre como se referir aos grupos que são discriminados socialmente. A gente passou a falar em raça, em gênero. Então, o que nós tivemos foi a incorporação de um novo vocabulário político com algumas conquistas. Mas as gerações que viveram os privilégios ainda coexistem no tempo histórico. Esse período de trégua provocou uma perda de privilégio. Por que ele volta com tanta força? Porque nunca deixou de existir, nunca deixou de existir como ressentimento daqueles que perderam suas posições, e ele volta como uma onda mundial de países muito importantes economicamente, como os Estados Unidos. Volta em um bloco de países conservadores do Leste Europeu, mas volta também dentro de 30 anos de uma abertura democrática em que nós não conseguimos solucionar de uma maneira histórica o que foi o nosso período ditatorial.”

CRISE VENEZUELANA

Nos últimos dias, a ONU liberou o envio de US$ 6,5 milhões em ajuda humanitária para a Venezuela. Mas as Nações Unidas devem aportar US$ 9,2 milhões no país. Desse total, US$ 3,6 mi vêm da OMS para realizar atendimentos de saúde urgentes voltados para a necessidade da população mais vulnerável. Outros US$ 2,6 milhões saem do orçamento da Unicef para o combate à desnutrição em crianças menores de cinco anos, gestantes e lactantes. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, quase 70% das crianças nessa faixa etária estão desnutridas; 15% de forma aguda. Estima-se que cinco mil venezuelanos emigrem por dia.

“São vividos muitos lutos ao mesmo tempo, o das pessoas que morrem e também o da perda econômica, da perda da saúde, do emprego, da qualidade de vida, dos espaços para recreação e reunião, dos afetos pelas pessoas que emigram. Por isso, nós nos concentramos em tratar os lutos não resolvidos que, quando se acumulam, podem levar à depressão”. A frase é de uma profissional do grupo Psicólogos Sem Fronteiras, que atua no serviço de ajuda telefônica a venezuelanos em crise. A linha existe a um ano e, desde então, 41% dos telefones foram feitos por pessoas com transtornos de ansiedade. Em 2018, 786 pessoas cometeram suicídio em Caracas – para se ter uma ideia, é um número maior do que o total dessas mortes no país inteiro registradas em 2012.

MERCADO

A operadora de planos de saúde Notre Dame Intermédica aprovou no domingo oferta de 87 milhões de ações. O preço por ação ainda não foi definido. A oferta inicial de ações da empresa, feita em abril, arrecadou R$ 2,7 bilhões.

AGENDA

Hoje, será lançada uma frente parlamentar mista em defesa da nova Política Nacional de Saúde Mental e da Assistência Hospitalar Psiquiátrica. O grupo, contrário ao movimento antimanicomial e alinhado com as decisões do governo Temer, é formado por 203 deputados e quatro senadores. Acontece às 15h no Salão Nobre da Câmara.

E também na Câmara, acontece uma audiência pública para debater o PL 9482, de 2018, que propõe a liberação da venda de medicamentos isentos de prescrição em supermercados. O autor do projeto é Ronaldo Martins (PRB-CE). Debatem o presidente da Anvisa e representantes do Idec, dos conselhos federais de medicina e farmácia, além das empresas beneficiadas. Terá transmissão ao vivo, a partir das 14h.

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *