A meticulosa construção do subdesenvolvimento

Novas de Brumadinho: Vale sabia dos problemas da barragem; a lama avança ao S. Francisco; uma Holanda para mineração no Brasil. Leia também: celular embrutece crianças; “esquecido” o tributo sobre refrigerantes; a lucrativa epidemia de opióides

Manifestantes protestam em frente à sede da Vale, no Rio
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
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AINDA SOBRE BRUMADINHO

A Vale estava ciente dos problemas de manutenção da barragem de rejeitos da mina do Feijão, em Brumadinho. De acordo com Breno Costa, do Intercept Brasil, a empresa omitiu em seu Relatório de Impacto Ambiental uma tabela que alertava para o risco. O repórter comparou o relatório produzido em agosto de 2015 (com tabela), com a versão de 2017, na qual o dado foi omitido. Sérgio Augusto da Silva Roman, dono da empresa de consultoria contratada pela mineradora para avaliar a expansão da mina, justifica a manobra da seguinte forma: “não foi por omissão, mas porque não cabia mesmo”. (Detalhe: o documento tem 238 páginas.) Ainda de acordo com ele, “a população não ia entender porcaria nenhuma”.

O relatório dava conta de que alguns instrumentos usados para medir o nível de pressão sobre a estrutura das barragens eram velhos e, suspeitava-se, não estavam funcionando corretamente. Drenos responsáveis por medir a vazão da água também não estavam funcionando. Além disso, foi constatado o acúmulo de sedimentos em calhas onde a água deveria escorrer pela encosta da barragem e a presença de formigueiros na estrutura que ligava a estrutura ao chão – “se há formigueiros, sinal de que as formigas estavam penetrando no solo”, explica o repórter.

Mesmo assim, em dezembro do ano passado, a Vale obteve permissão do governo de Minas Gerais para explorar os rejeitos da barragem que estourou em mina do Feijão. “Pouco mais de um mês depois, a barragem inativa que a Vale teve autorização para colocar retroescavadeiras em cima se rompeu e sua lama tóxica matou dezenas de pessoas”, destaca

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, é o pior desastre do tipo registrado na última década. A avaliação leva em conta o número potencial de vítimas fatais. Ontem, subiu para 65 o número de mortos. Mas ainda restam muitos desaparecidos: 279. Segundo a Defesa Civil, o resgate dos corpos deve durar semanas devido à dificuldade de locomoção.

Levantamento da BBC Brasil afirma que mina do Feijão pode se tornar o maior acidente de trabalho da história do Brasil e, segundo especialistas, o mais mortífero do século 21 em todo o mundo. Até então, o desabamento de um galpão em Belo Horizonte, em 1971, era considerado o maior acidente e trabalho, com 69 mortos.

O rejeito da barragem já percorreu 57 quilômetros e chegou à cidade de Juatuba, na região metropolitana de BH. Pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil e da Agência Nacional das Águas avaliam que a lama da Vale vai chegar à hidrelétrica de Três Marias, no rio São Francisco, entre os dias 15 e 20 de fevereiro.

Segundo De Olho nos  Ruralistas, o território controlado pela Vale soma 3,8 milhões de hectares no Brasil, o equivalente ao tamanho da Holanda ou da Suíça. 

Sai no Diário Oficial de hoje uma portaria do governo federal para que todos os órgãos reguladores da mineração fiscalizem todas as barragens que apresentem risco à vida humana. O governo recomenda ainda que haja auditoria e revisão nos procedimentos de fiscalização e que os órgãos avaliem a necessidade de remover instalações de empresas localizadas próximas às barragens. Um subcomitê foi criado para propor uma revisão da Política Nacional de Segurança de Barragens. O governo quer usar maioria no conselho de administração da empresa para afastar a diretoria da Vale durante as investigações. E parlamentares articulam instaurar uma comissão parlamentar mista de inquérito para apurar responsabilidades sobre o rompimento.

A Valeperdeu R$ 71 bilhões em valor de mercado ontem, a maior queda em um dia da história das empresas brasileiras de capital aberto. A companhia anunciou ontem que vai doar R$ 100 mil para cada família de vítima fatal. A Vale contratou uma equipe de psicólogos do Hospital Albert Einstein, especializada em tratamento de vítimas de catástrofes, para atender os atingidos.

MEGAVAZAMENTO DE DADOS

É notícia no mundo todo: um americano vazou dados confidenciais de 14,2 mil pessoas diagnosticadas com HIV em Singapura. São dados como nome, número de identidade, telefones e endereços. O ataque foi confirmado ontem pelo governo. O responsável é Mikhy Farrera Brochez, que possivelmente agiu por vingança. Ele, que é HIV positivo, vivia em Singapura desde 2008 e, em 2017, foi condenado por, dentre outras coisas, usar amostras de sangue do parceiro HIV negativo para conseguir um emprego. Singapura ainda restringe o visto de trabalho a estrangeiros com o vírus da Aids. 

DIANTE DAS TELAS

Outro assunto comentado por vários veículos, em vários países, é o estudo publicado no JAMA que fala sobre a relação entre tempo gasto vendo conteúdos em aparelhos como tablets e smartphones e danos ao desenvolvimento. Crianças entre dois e três anos que gastem mais de uma hora diante das telas podem sofrer com dificuldades na comunicação, nas habilidades motoras, interpessoais e na capacidade de resolução de problemas na fase posterior, que vai dos três aos cinco anos. 

OUTRO FOCO

O ministro da Justiça Sergio Moro colocou à frente da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, a Senad, uma pessoa pouco interessada em falar sobre o assunto. O UOLentrevistou Luiz Beggiora afirmou que a prioridade será criar um sistema para aumentar a geração de recursos gerados a partir de bens do tráfico apreendidos, que incluem desde celulares a imóveis. “A parte dos cuidados, da atenção e da reinserção social ficou com o Ministério da Cidadania”, disse. Não por acaso: o titular da pasta tem obsessão pelo tema. É Osmar Terra, entusiasta da abstinência como única forma de tratamento e das comunidades terapêuticas.

ESPERAR PRA VER

Na gestão de Ricardo Barros, o Ministério da Saúde pediu à Receita Federal aumento no imposto para taxar refrigerantes e bebidas açucaradas. A proposta recebeu parecer favorável da Receita. Procurado pelo UOL, o ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou que não pretende interferir no processo em andamento. Mas ressalvou que qualquer aumento de impostos depende da decisão de outro ministro, Paulo Guedes, cuja equipe trabalha numa proposta de reforma tributária. A indústria de bebidas, é claro, se posiciona contra o aumento dos preços, recomendado pela OMS. 

MAIS AGROTÓXICOS
 O Ministério da Agricultura aprovou no dia 10 o registro de 28 produtos comerciais com agrotóxicos, autorizando pela primeira vez no Brasil o uso de um produto à base de Sulfoxaflor, princípio ativo com potencial para exterminar abelhas. O Huffington Post Brasilouviu especialistas que criticam a decisão.
POPULAÇÃO LGBTI+ 

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva criou um novo grupo de trabalho. O tema é a População LGBTI+. O objetivo é aprofundar pesquisas e estudos científicos mas não só. Segundo os pesquisadores Daniel Canavese e Marcos Caludio Signorelli, o GT deve promover resistência política: “Mais do que nunca, não podemos permitir que as poucas iniciativas voltadas à saúde da população LGBTI+ sofram retrocessos”.

CONTRA MUDANÇAS

Ana Estela Haddad, na Folhafala sobre a importância da política de HIV-Aids brasileira. “Analisar a história para formar opiniões e tomar decisões baseadas em evidências pode evitar retrocessos que coloquem a perder a saúde e a vida das famílias brasileiras, nas suas diversas composições”, escreveu, em referência às declarações do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta de que as campanhas de prevenção não podiam “ofender as famílias” e que a profilaxia pré-exposição, pílula que visa prevenir o HIV, não pode ser ‘banalizada’. 

ARMAS E FEMINICÍDIOS

O portal Catarinasanalisou várias fontes de informação para mostrar que o decreto que flexibiliza a posse de armas é um risco para as mulheres brasileiras. O país detém uma taxa de homicídios de mulheres maior do que qualquer país da OCDE (4,4 para cada cem mil mulheres, em 2015). Entre as mulheres negras, o índice chegou a 5,3 em 2016. De acordo com o DataSUS, o instrumento utilizado em metade desses assassinatos é a arma de fogo. Já de acordo com a Human Rights Watch, em 2017, das 4.539 mulheres assassinadas, pelo menos 1.133 foram vítimas de feminicídio.

SOBRE POSSE DE ARMAS

Um estudo traz novos números sobre posse de armas nos Estados Unidos. Pesquisadores analisaram o período entre 1976 e 2016 e verificaram que a proporção de famílias nos EUA que possuem armas caiu. Entre brancos, foi uma queda pequena, de 50% para 45%. Entre negros, o índice foi bem maior: de 38% para 6%. Contudo, entre brancos, houve um aumento nas famílias com crianças pequenas que detêm armas, indo de 25% para 32%. Acidentes com armas em crianças entre um e cinco anos cresceram de 2% para 5%. A probabilidade de uma criança negra morrer em um acidente desses é três vezes maior do que a de uma criança branca.

BILIONÁRIOS NA BERLINDA

Uma das famílias mais ricas dos EUA é acusada de lucrar com a crise de opioides que assola aquele país. Detalhes sobre discussões de estratégias de marketing feitas pelos Sacklers, donos da Purdue Pharma, devem vir a público nesta sexta. São dezenas de documentos em que membros da família e outros executivos orientam empregados a agir de forma agressiva para aumentar as vendas. A CNN apurou que a família atuou para que médicos prescrevessem o medicamento OxyContin por longos períodos, mesmo sabendo que a droga causava overdoses e mortes. A família e executivos da Purdue admitiram em documentos internos que os profissionais tinham a ideia equivocada de que o OxyContin era um substituto para o Tylenol.  

Executivos de outra companhia, a Insys Therapeutics, estão sendo julgadospor seu papel da crise de opioides. Eles são acusados de montar esquema de propinas para que médicos prescrevessem um spray do opioide fentanyl.

SE NÃO HOUVER ACORDO

O acordo que dita os termos da saída do Reino Unido da União Europeia enfrenta resistência por todos os lados. E caso não seja possível votar o acordo até 29 de março, o ministro da Saúde defende que a importação de medicamentos seja priorizada, até mesmo em relação à compra de comida. A maior parte das drogas usadas no país são fabricadas em outros países europeus. A dependência em relação a alimentos é menor, segundo o governo.

O PREÇO DE UM DESMAIO

O mais caro sistema de saúde do mundo é assunto recorrente por aqui. E os casos chocantes nos EUA não têm fim. O último deles: Matt Gleason desmaiou após tomar vacina contra a gripe no trabalho. Os colegas se assustaram e discaram 911; os paramédicos o levaram para um hospital. No caminho, ele vomitou e isso levou a unidade de saúde a monitorá-lo por oito horas, agendar uma consulta por teleconferência com um médico, fazer um eletrocardiograma, raio X, exames de sangue e urina… Tudo isso levou a uma fatura de US$ 4.692, ou R$ 17,6 mil.

COMEMORAÇÕES

A Anvisa celebra seus 20 anos hoje. Durante o evento, que começa às 11h, será lançado o serviço de emissão digital do certificado internacional de vacinação. O país será o primeiro a oferecer o serviço online, de forma gratuita e descentralizada. O governo afirma que vai economizar R$ 120 milhões por ano com a novidade. Dá para acompanhar ao vivo por aqui.

BOLSONARO

O presidente passa bem após a cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia e reconstrução do trânsito instestinal, que levou sete horas.

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