A vulnerabilidade e o descaso

Resposta brasileira aos maiores prejudicados na pandemia: auxílio insuficiente, benefícios que não chegam e um presidente que reclama de “minoria barulhenta”

Tânia Rêgo / Agência Brasil
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Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 8 de maio. Leia a edição inteira.
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A Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou ontem um documento destacando que os confinamentos durante a pandemia deixam cerca de 1,6 bilhão de trabalhadores informais do mundo todo sob ameaça de aumento de pobreza. Nos países mais ricos, os níveis de pobreza dessas pessoas devem subir 52%, e nos de renda média a taxa deve ser de 21%. Ao mesmo tempo, são esses trabalhadores que menos conseguem ficar em casa, já que precisam trabalhar para comer, colocando-se em risco ao mesmo tempo em que diminuem os esforços locais de isolamento.

Não é 100% mentira quando figuras como Jair Bolsonaro dizem que as quarentenas podem prejudicar trabalhadores. A questão é o que se faz com essa meia-verdade: deveria estar claro para todos que é do Estado a obrigação de prover condições para a população continuar vivendo – e em casa –, mas por enquanto  pesquisas de opinião parecem indicar que o argumento do presidente ganha vulto entre as camadas mais pobres da população, justamente as mais prejudicadas pelas medidas econômicas e sanitárias do bolsonarismo.

Um grupo que não para de crescer é o dos entregadores de aplicativos. O que tem sido bom para as empresas que os gerenciam, mas não para eles, que já tinham um esquema muito precário de trabalho. Um levantamento da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista ouviu 252 entregadores de 26 cidades. Apesar de estarem trabalhando mais durante a pandemia, 60% deles disseram que estão ganhando menos. “O trabalhador já vive no limite financeiro e não pode parar. Não interessa se a saúde está em risco, se eles não estão dando proteção ou garantias de trabalho. A Rappi em março teve um aumento de 300% do número de cadastros. Provavelmente aumentou o contingente enquanto está rebaixando o valor da hora de trabalho sem deixar isso claro. Inclusive não há nenhuma pré-determinação do valor mínimo da hora de trabalho desses motociclistas”, diz, na BBC, a pesquisadora da Unicamp Ludmila Costhek Abílio, uma das coordenadoras do estudo.

O documento da OIT, que aponta para o aumento de pobreza, não prega que se flexibilizem as restrições de mobilidade. Suas recomendações envolvem políticas para diminuir a exposição dos trabalhadores informais ao vírus e a garantia de renda e alimentação às suas famílias.

No Brasil, sabemos que a merenda escolar é a principal (às vezes a única) fonte de alimentação para várias crianças e adolescentes. Desde que foram decretadas as primeiras suspensões de aulas, essa foi uma preocupação, e a reportagem da Agência Pública descreve como falhas nos programas de manutenção da alimentação escolar estão deixando crianças com fome. O governo federal não estabeleceu nenhum padrão ou orientação nesse sentido (novidade…), e cada local adotou uma medida diferente. Em Pernambuco, por exemplo, o governo deu R$ 50 para cada aluno, inclusive para os que estudavam em tempo integral e tinham três refeições diárias na escola. O dinheiro, que deveria durar um mês, não dá nem para dez dias – e mesmo assim só consegue cobrir o básico, como arroz, feijão, macarrão e alguma carne mais barata. Se é difícil viver assim, pode ser pior ainda: várias famílias ainda não receberam o benefício.

Bolsonaro, que foi ao STF pautar a “aflição” dos empresários, não tem o mesmo tato quando se trata de defender as famílias que estão passando por necessidades. Em sua live de ontem, ao se referir a quem ainda não conseguiu receber os R$ 600 emergenciais, disse que se trata de uma “minoria barulhenta“.

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