A redução seletiva dos assassinatos no Brasil

Atlas da violência mostra queda nos assassinatos – mas também mais mortes com causa indeterminada. Homicídios de negros aumentam, enquanto de brancos diminui

Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
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Saiu ontem o Atlas da Violência 2020, estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com dados de 2008 a 2018. O levantamento se baseia em informações do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde e, à primeira vista, os números parecem positivos: em 2018 houve uma boa redução nas mortes em relação a 2017 e a taxa chegou a 27,8 mortes por 100 mil habitantes, foi uma redução de 12%. Observando o gráfico de toda a década, porém, o que se tem é uma taxa próxima (ligeiramente maior) do que a de 2008, quando estava em 26,3%.

De todo modo, a queda entre 2017 e 2018 foi bastante significativa e é instigante. Mas pode conter distorções, que não foram mencionadas nas inúmeras reportagens que saíram sobre o levantamento: o Atlas aponta que em 2018 piorou muito a qualidade dos dados, e o total de mortes violentas com causa indeterminada cresceu 25,5% em relação ao ano seguinte, o que pode ter deixado milhares de homicídios ocultos. “Em 2018, foram registradas 2.511 MVCI a mais em relação ao ano anterior, fazendo com que o ano de 2018 figurasse como recordista nesse indicador, com 12.310 mortes cujas vítimas foram sepultadas na cova rasa das estatísticas, sem que o Estado fosse competente para dizer a causa do óbito, ou simplesmente responder: morreu por quê?”, escrevem os autores. Eles apresentam outros possíveis fatores para a queda: a diminuição no número de jovens na população (homens jovens são as principais vítimas), o arrefecimento dos conflitos entre o PCC e o CV em seis estados do Norte e Nordeste; políticas estaduais de segurança e ainda os efeitos do Estatuto do Desarmamento.

Também é preciso notar que, como sempre, os dados escancaram a disparidade racial. Ao longo desses 11 anos, a taxa de homicídios de negros subiu 11,5% e chegou a 37,8 por 100 mil habitantes (um número 35% maior do que a média nacional), enquanto a de não negros caiu 12,9% e ficou em 13,9 a cada 100 mil (50% menor que a média). Os negros são 75,7% de todas as vítimas, embora sejam 55,8% da população. Para cada indivíduo não negro morto em 2018, 2,7 negros foram assassinados. A diferença também vale para mulheres: sua taxa de homicídios cresceu 12,4% entre negras e caiu 11,7% entre não negras.

Com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder em 2019 e tudo o que foi feito de lá para cá para armar mais a população, é impossível não pensar em como o gráfico do Atlas vai se comportar nas próximas edições.

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