O Brasil rumo ao obscurantismo climático

Articulação com ONU estava feita para que país sediasse próxima conferência do clima; Bolsonaro brecou e reafirmou intenção de sair do Acordo de Paris

Foto: Pixabay

A articulação com a ONU já estava feita: o Brasil sediaria a próxima conferência do clima. Eis que Bolsonaro breca e reafirma intenção de sair do Acordo do Clima
 29 de novembro de 2018
SEM CLIMA
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O Brasil retirou sua candidatura da lista de países que desejavam sediar a próxima Conferência do Clima, a COP-25, que acontece no ano que vem. A decisão provocou mal-estar diplomático, segundo o Estadão. Isso porque estava tudo planejado para que a ONU chancelasse a escolha do país. A justificativa do governo foi o orçamento. Mas ninguém acredita que este seja o motivo real da decisão. Qual seria, então? Não é preciso nem contar até três: Jair Bolsonaro. Ele confirmou. “Houve participação minha nessa decisão”, disse ontem, e acrescentou que existe a possibilidade de o país sair do acordo do clima. O argumento é de que o compromisso fere a soberania nacional, e que o agronegócio está ‘sufocado’ por questões ambientais. (O futuro ministro de relações exteriores, nunca é demais lembrar, acredita que o aquecimento global é parte de uma conspiração “liberal” e “marxista”.)

Do lado de quem faz ciência, as conclusões são outras. O periódico Lancet acabou de lançar um estudo que relaciona a saúde com as mudanças climáticas. O Brasil é considerado um caso especial, por ser o país com a maior área da Amazônia. “A saúde da população brasileira está ligada à floresta Amazônica”, alertam os pesquisadores. A mensagem é clara: desmatamento reduz a expectativa de vida. De várias formas: pela razão óbvia de que o próprio desmatamento contribui para o aquecimento global, mas também porque há relação comprovada entre fogueiras feitas para desmatar, doenças respiratórias e internações hospitalares. Ou ainda porque “para cada quilômetro quarado de mata que derrubamos, há descobertas que deixamos de fazer”, como resume uma das cientistas. E também porque se a temperatura aumentar, um problema bem brasileiro – as doenças transmitidas por vetores como Aedes aegypti – podem piorar, como já está sendo verificado: entre 1950 e 2010, o mosquito aumentou sua capacidade de transmissão de doenças em 6%.

TERRA, DE NOVO

Ontem, Bolsonaro anunciou três nomes que integrarão o governo. E para a pasta que vai concentrar as políticas de esporte, cultura e programas como o Bolsa Família – batizada de Ministério da Cidadania – o nome indicado é velho conhecido de quem acompanha saúde: Osmar Terra (MDB). No início do ano, Terra conseguiu aprovar uma guinada na política voltada a usuários de drogas durante sua passagem pelo Conad, conselho ligado ao Ministério da Justiça. Guinada pró-internações e instituições religiosas, em detrimento das estruturas do SUS como CAPS.

Terra desbancou Magno Malta, que estava cotado para assumir o Ministério da Cidadania (e, antes disso, lá atrás, para ser vice de Bolsonaro). Mais um sinal desses novos tempos: jornais repercutiram o anúncio com o pastor Silas Malafaia, que taxou a decisão do presidente eleito de “ingratidão”.

DEZ MIL CASOS

Ontem, o Ministério da Saúde divulgou novo balanço do sarampo. E o país acaba de bater a casa dos dez mil casos confirmados. A maior parte deles no Amazonas e em Roraima. Segundo a pasta, o aumento do número de confirmações se deve a uma força-tarefa realizada mês passado para avaliar os exames. Os casos suspeitos teriam reduzido nas últimas semanas. Mesmo assim, é o pior cenário desde 1997, quando houve 53 mil casos confirmados.

ESSA TAL DESIGUALDADE

Na maior cidade do Brasil, dependendo do bairro onde você more, sua expectativa de vida pode ser 23 anos maior ou menor. Esse é um dos achados do Mapa da Desigualdade, divulgado ontem. O abismo social é mostrado a partir da vida de duas adolescentes nessa reportagem do El País. Kimberly, moradora da favela Paraisópolis, e Mariana, moradora de Perdizes. A primeira nunca botou os pés na Avenida Paulista e sonha em sair da comunidade, pois não conhece nenhuma jovem que lá tenha ficado e não tido seus planos interrompidos, geralmente pela gravidez precoce. Para a segunda esse tipo de preocupação não está no radar, a saúde é assegurada pelo plano do Hospital Albert Einstein e as férias foram em Paris…

Outra boa matéria, no Estadão, foca na mortalidade infantil. O levantamento revelou que crianças menores de cinco anos morrem mais nas zonas leste e norte da cidade. A diferença vai de zero mortes no Butantã a 21,34 a cada mil nascidos vivos em Artur Alvim. A média do município é 11,1 e a do Brasil é 14. “Quando há uma incidência de mortalidade infantil é porque existe algum tipo de problema em toda a estrutura para que o bebê nasça com saúde, desde o pré-natal feito de forma correta, até o acompanhamento. A questão familiar e a infraestrutura urbana de onde este bebê nasce também é importante, se tem saneamento básico, se as condições de habitabilidade são razoáveis também”, explicou ao jornal José Américo Sampaio, coordenador da Rede Nossa São Paulo, responsável pelo Mapa.

PRIMEIROS PASSOS

O cultivo de maconha para fins terapêuticos foi aprovado ontem pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado. Mas ainda falta muito chão pela frente: o projeto de lei segue para outra comissão, a de Constituição e Justiça, depois tem que ser aprovado no plenário da Casa para, aí sim, enfrentar a maior barreira: a tramitação na Câmara dos Deputados.

A CAS aprovou um substitutivo da senadora Marta Suplicy ao PLS 514, de 2017. O texto dá sinal verde para semeio, cultivo e colheita de Cannabis sativa para uso terapêutico pessoal em quantidade não maior que a suficiente ao tratamento segundo a prescrição médica. Prevê que o cultivo pode ser feito por associações de pacientes e familiares criadas especificamente para isso. E altera a Lei de Drogas, descriminalizando a prática nesses casos.

LÁ NA FRENTE

Enquanto isso, ontem o Uruguai – que foi o primeiro país do mundo a legalizar a maconha, em 2013 – tomou de novo a dianteira: inaugurou o primeiro laboratório de remédios derivados da maconha na América Latina. O produto de estreia será o óleo de cannabidiol, e o plano é expandir a produção para cápsulas, cremes e aerossóis. Haverá uma equipe voltada para a pesquisa das propriedades dos medicamentos. E foram anunciados planos de criar uma fundação para capacitar os médicos uruguaios sobre o uso da substância. A fábrica é uma parceria entre o governo e a empresa canadense Aurora Cannabis e custou US$ 20 milhões.

MORTES CAEM

Ontem, o Ministério da Saúde divulgou que, entre 2006 e 2016, houve queda de 13,4% nas mortes pro câncer em crianças de zero a 14 anos. A redução foi maior entre os menores de um ano (27,8%) e menor entre as crianças de um a quatro anos (9%).

BARREIRA

De acordo com a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 49% dos brasileiros com mais de 45 anos nunca fizeram o exame de toque retal que pode detectar o câncer de próstata. Entre os cânceres, este é uns dos que mais mata homens, atrás apenas do de pulmão. A explicação continua sendo a resistência em relação ao exame. O mês de novembro é dedicado à conscientização sobre os problemas de saúde masculinos.

MESMOS MÉDICOS

O Globo e Estadão abordam o mesmo problema: profissionais que já atuam no SUS contratados pelas prefeituras planejam deixar seus atuais postos para se candidatarem às vagas do Mais Médicos. A conclusão é simples: ao invés de mais médicos, teremos os mesmos médicos distribuídos de forma diferente. Vão desfalcar as vagas antigas, afetando também a Estratégia Saúde da Família. A tendência foi verificada em sete estados, onde mais da metade dos profissionais que preencheram as vagas do novo edital do programa já trabalhavam em unidades básicas de saúde.

Já a Folha mostra que, com a saída dos cubanos, a desorganização impera no interior do país: ambulâncias e carros das prefeituras são chamadas a todo momento para levar os moradores a unidades que tenham o profissional. Algumas pessoas simplesmente desistem de procurar o atendimento em outras cidades por conta própria, mesmo em casos graves, como o de suspeita de meningite.

CHECAGEM

A Lupa, agência de checagem da revista Piauífoi atrás dos números citados pelo futuro ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, em entrevistas. Por exemplo: ele disse que até 2013, o país tinha 148 faculdade de Medicina, e saltou para 323 em 2016. Mas de acordo com os dados do Inep, os números corretos são respectivamente 190 e 234 (143 faculdades privadas e 91 públicas). Em relação à declaração que destacamos na newsletter de segunda, quando Mandetta afirma que os hospitais filantrópicos fazem mais com menos recursos do que os hospitais públicos, não houve checagem. O mais perto do tema é a verificação de frase dita em outra entrevista de que ao invés de responderem por 60% dos atendimentos feitos no SUS, as instituições filantrópicas responder por 53%, segundo o fórum que as representa.

BOLSONARO E O SUS

Enio Lourenço, na Carta Capital: “Três décadas depois da sua criação, o Sistema Único de Saúde entra na fase mais crucial da sua história. […] O embate com Cuba no caso do programa Mais Médicos e a escolha do deputado Luiz Henrique Mandetta para o Ministério da Saúde indicam, porém, um propósito de desmonte do SUS a partir de janeiro de 2019 […] A indicação do deputado para o segundo ministério com maior orçamento em 2019, 128 bilhões de reais, contou com o apoio da Frente Parlamentar da Saúde, de entidades da área médica e dos hospitais filantrópicos, como as Santas Casas”.

SEM MEA CULPA

Ontem, He Jiankui discursou e respondeu (de forma vaga) a perguntas do público em um auditório abarrotado de cientistas e jornalistas, durante Cúpula de Edição do Genoma Humano, em Hong Kong. Além de não se mostrar constrangido pela enxurrada de críticas à experiência que teria resultado em gêmeas geneticamente modificadas, o pesquisador chinês anunciou que vêm mais por aí: outra voluntária estaria grávida.

DADOS COMO GUIA

O projeto conjunto das empresas Amazon, J.P. Morgan e Berkshire Hathaway de proverem, elas mesmas, assistência médica para seus mais de 1,2 milhão de empregados avança. Como noticiamos por aqui, as empresas anunciaram a decisão no primeiro semestre e têm como meta cortar custos e mudar a forma como os trabalhadores usam os serviços de saúde. O CEO da iniciativa que permanece sem nome definido, Atul Gawande, acaba de contratar uma especialista chamada Dana Safran. Ela é especialista em analisar dados e vai ocupar um cargo que recebeu um nome bizarro: “chefe de medição”. “A contratação de Safran sugere que os dados vão guiar as decisões de como os empregados das empresas serão tratados”, analisa Joseph Burns, no site da Associação de Jornalistas de Saúde.

HISTÓRIA MUITO TRISTE

Nos Estados Unidos, Yazmin Juarez está processando o governo Trump: sua filhinha de apenas um ano e meio foi uma das crianças detidas pela política anti-imigração. A bebê morreu seis semanas depois de sair do centro para onde foi levada. Yasmin acusa o local de não ter prestado os cuidados necessários à uma infecção respiratória que a neném teve durante o período de detenção, que durou 20 dias.

PARA BAIXAR

O relatório lançado anteontem pela Organização Pan-Americana de Saúde sobre os 30 anos do SUS, que fala sobre os impactos positivos do Mais Médicos, pode ser acessado e baixado aqui.

PEZÃO PRESO

E para fechar, uma bomba: o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, é alvo de um mandado de prisão da nova fase da Operação Lava-Jato. Agendas da Polícia Federal entraram no Palácio Laranjeiras no início da manhã. Pezão é acusado em delação premiada de ter recebido uma propina mensal de R$ 150 mil entre 2007 e 2014, além de uma espécie de décimo terceiro salário e dois bônus, no valor de R$ 1 milhão.

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