Mais dados recomendam reforçar vacinação de idosos

No Brasil, pandemia recua. Mas no Rio, onde a variante delta avançou primeiro, crescem mortes e internações da população com mais de 60 anos — sinal de que imunidade pode estar acabando. Ministério da Saúde adia posição para outubro

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LUPA NOS DADOS

Queda no número de mortes, mas avanço das infecções pela variante Delta. Campanha de vacinação chegando aos adolescentes em algumas cidades, planos de abertura com direito a 40 dias de carnaval no Rio em 2022, mas alta de hospitalizações e mortes entre idosos. Assim fragmentadas, as notícias que dão conta do quadro da pandemia no Brasil desenham um cenário preocupante, mas difícil de entender. O volume de informação (e desinformação) se soma à gestão criminosa da pandemia pelo governo Bolsonaro e a projeções de autoridades locais que são, para dizer o mínimo, contraditórias. Afinal, em que pé estamos?  

Os dados mais recentes do consórcio dos veículos de imprensa confirmam uma redução no número de mortes por covid no Brasil. A média móvel ficou em 765 óbitos por dia, representando redução de 16% em relação ao número de duas semanas atrás. A média móvel de casos, de 29.490 infecções por dia, ficou estável. 

Um alerta, no entanto, vem do Rio de Janeiro: com crescente circulação da Delta, o estado já registra alta nos casos e internações. É o que mostrou o último boletim do Observatório Covid-19 da Fiocruz, divulgado na quinta da semana passada. Os números confirmam a redução do número de casos, internações e óbitos no Brasil pela 8ª semana consecutiva e apontam que o Rio caminha no sentido oposto à tendência nacional

A situação do Rio  precisa ser olhada de perto porque pode antecipar um cenário nacional. É o que diz Leonardo Bastos, pesquisador da Fiocruz. Ele explica que o que acontece no estado se espalha rapidamente pelo país, já que o Rio é um ponto de rede importante no Brasil. Um lembrete: como dissemos aqui, a alta de infecções pela Delta é real e preocupante, mas os dados sobre o rastreamento das amostras e proporção da variante entre o total de infecções precisam de contextualização, já que está sendo priorizada a investigação para sequenciamento dessa variante.

Ainda segundo o boletim da Fiocruz, os idosos já são quase sete entre cada dez mortos no país. O que explica a reversão da tendência anterior, que era de “rejuvenescimento” da pandemia, são o aumento da vacinação entre os mais jovens, a alta na circulação do vírus e, como temos falado bastante por aqui, o fato de que esse grupo etário, com sistema imune mais frágil, já pode estar sendo afetado pela queda no desempenho das vacinas após alguns meses.  Entre junho e agosto, a proporção de idosos entre os mortos por covid saltou de 44,6% para 69,2%. 

Diante dos novos números, na última sexta o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD) sinalizou que as medidas de restrição da cidade “podem voltar”, mas que nada está decidido e será avaliado “com muita calma”. Em coletiva, ele reforçou que o momento exige atenção: “Nunca antes, no ano de 2021, nós tivemos tantas pessoas com covid na cidade do Rio de Janeiro como neste momento agora. Pessoas próximas, familiares, amigos. Eu, pessoalmente, nunca vi tanta gente com covid no meu entorno como estou vendo”, disse.

No mesmo dia, no entanto, veio uma perfeita demonstração do que não fazer para se comunicar objetivamente com a população: a empresa de turismo da mesma prefeitura publicou em seu site a convocação para parceiros privados participarem do carnaval de rua do ano que vem. A divulgação das regras do evento – prevendo 40 dias de festa entre janeiro e março e até 500 desfiles de blocos oficiais – obviamente repercutiu como um anúncio do carnaval de 2022 e foi recebida como um sinal de “volta à normalidade”, diluindo totalmente a nota de rodapé sobre a celebração estar “condicionada às determinações estabelecidas pelos órgãos competentes no combate à covid-19”. Puxado. 

ESPERANDO O MINISTÉRIO

Foi publicado no BMJ (agora com revisão de pares) o trabalho que avaliou a efetividade da CoronaVac em idosos, e que já mencionamos por aqui. O estudo encontrou uma proteção de apenas 44% contra mortes em idosos com mais de 80 anos. Para os mais novos, o percentual foi sensivelmente maior: 78% para a faixa entre 75 e 79 anos, e 83,9% para a de 70 a 74. A proteção contra hospitalizações também declinou com a idade, chegando a 38,9% para os maiores de 80 (contra 77,6% naqueles entre 70 e 74 anos). Um lembrete: o estudo foi conduzido entre janeiro e abril – sem Delta, portanto.

Um dos autores, o infectologista Julio Croda, disse à Folha que a terceira dose para essa população deve ser pensada “para ontem”, porque alguns estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, já veem aumento nas hospitalizações nessa faixa etária. 

De acordo com ele, isso poderia começar a ser feito sem prejuízo da vacinação dos mais jovens, porque são apenas quatro milhões de pessoas acima de 80 anos e imunossuprimidas. Mas gestores devem pensar estratégias de acordo com as doses disponíveis, olhando para o cenário nos hospitais: “Entender o contexto do país como um todo, que a gente pode avançar na imunização dos adolescentes ao mesmo tempo que não podemos deixar de lado a terceira dose nos idosos, é fundamental, e cabe a cada gestor otimizar as doses que recebe e avaliar qual a melhor estratégia. O que não tem sentido é privilegiar os adolescentes, porque na prática estamos vendo o aumento de hospitalizações nas pessoas acima de 60 anos”. 

No Rio, a prefeitura reafirmou que pretende começar a aplicar doses de reforço em idosos já em setembro. Depende para isso da avaliação do comitê científico do município, que deve se reunir hoje, e do Ministério da Saúde. A diretoria da Anvisa já aprovou, na semana passada, uma recomendação para que PNI (o Programa Nacional de Imunizações) avalie a medida.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, segue afirmando que espera uma definição nesse sentido em outubro, quando devem sair os resultados da pesquisa encomendada à Fiocruz pela pasta. 

PROFILAXIA POSSÍVEL

A AstraZeneca divulgou na sexta-feira resultados de um medicamento contra a covid-19 que pode reduzir o risco de pessoas mais vulneráveis desenvolverem doença sintomática. Trata-se de uma combinação de dois anticorpos de longa duração (chamada AZD7442), e o estudo envolveu 5.197 participantes não-vacinados e sem infecção prévia, sendo 75% com comorbidades e outras características associadas a risco aumentado de covid-19 grave (como doença imunossupressora).

Ainda não houve publicação em periódico nem disponibilização dos dados completos, mas o comunicado à imprensa diz que o coquetel diminuiu o risco de desenvolver covid-19 sintomática em 77%, em comparação com um placebo. O número de casos observados no geral, porém, é pequeno: foram apenas 25. Os resultados foram obtidos três meses após a administração dos anticorpos; segundo a empresa, os voluntários continuarão sendo acompanhados por 15 meses.

Um ponto interessante é que o tratamento pode ser administrado por injeção intramuscular, o que facilita o acesso – os anticorpos monoclonais, que também têm demonstrado proteção, são injetados por infusão intravenosa, só em hospitais. “Pode ser muito importante como uma opção para pacientes com alto risco de infecção por covid que responderam mal à vacinação ou que devem receber tratamento imunossupressor para outras doenças (câncer, pós-transplante, doença autoimune, etc.). Na verdade, pode ser uma virada de jogo para esses indivíduos, que atualmente estão sendo aconselhados a continuar a se proteger, apesar de estarem totalmente vacinados”, avalia a médica Penny Ward, professora visitante no Kings College de Londres, no Science Media Centre. Agora é esperar pelos dados completos.

INOVAÇÃO DESIGUAL

Pesquisadores da Universidade de Harvard analisaram mais de 400 mil patentes relacionadas à saúde depositadas nos Estados Unidos ao longo de quase 40 anos e descobriram que, em 2010, apenas 16% haviam sido geradas por equipes compostas principalmente por mulheres. É um percentual maior do que em 1976 (primeiro ano analisado pelo trabalho), quando eram 6,3%. Mas, ainda assim, muito pequeno.

Tem mais. Usando um algoritmo, os cientistas buscaram por termos que indicassem se as invenções eram relacionadas à saúde feminina ou masculina. Viram que as equipes compostas por mulheres tinham 35% mais chances de inventar tecnologias relacionadas à saúde da mulher.

Faz sentido: as barreiras que mulheres ainda enfrentam para avançar na ciência explicam sua participação reduzida nas equipes de inventores, e é comum que inovações sejam motivadas por problemas que afetam a vida dos cientistas envolvidos. “Isso poderia explicar em parte por que as doenças que afetam desproporcionalmente as pessoas de grupos étnicos minoritários ou pessoas que vivem em países em desenvolvimento tendem a receber menos financiamento para pesquisa do que as doenças que afetam pessoas brancas com privilégios financeiros. Se as equipes de pesquisa fossem mais diversificadas racialmente, o foco de seu interesse poderia mudar”, avalia a socióloga Laurel Smith-Doerr na reportagem da Nature

E AINDA ARDE

Se 2020 foi o pior ano do Pantanal em número de queimadas, 2021 não está atrás. Desde janeiro, o bioma perdeu 261,8 mil hectares, uma área quase igual à que foi perdida no mesmo período no ano passado (265,3 mil hectares), e que equivale a dois municípios do Rio de Janeiro. A Folha lembra que estamos a poucos dias de começar setembro, mês que historicamente tem mais focos de incêndio. 

E o Pantanal está mais seco este ano: “Em 20 de agosto, o rio Paraguai, o mais importante do Pantanal, atingiu 0,44 metro em Cáceres (MT), o nível mais baixo registrado no local. No mesmo dia de 2020, era de 0,70 metro. O nível médio para o período é 1,49 metro”, diz a reportagem. 

Enquanto isso, um levantamento inédito do MapBiomas mostrou que, em 30 anos, 15,7% da superfície de água do Brasil desapareceu.  O estado mais afetado foi o Mato Grosso do Sul, que perdeu quase 60% de sua água – e essa redução no estado aconteceu basicamente no Pantanal. “Nesse ritmo vamos chegar a um quarto (25%) de redução da superfície de água do Brasil antes de 2050”, prevê Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, no Estadão.

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