Acabou o problema do dinheiro

Álvaro Dias já denunciou a falta de recursos para o SUS, mas agora, segundo ele, faltam gestão e honestidade

Crédito: Jane de Araújo/Agência Senado

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Álvaro Dias, do Podemos, já denunciou a falta de recursos para o SUS, mas não mais. Agora, segundo ele, faltam gestão e honestidade.

Por Raquel Torres, do Outra Saúde

21 de setembro de 2018

Há não muito tempo atrás, o senador Álvaro Dias (Podemos) pedia que o governo federal investisse mais recursos em saúde. Em 2013, durante o primeiro governo de Dilma Rousseff, ele criticava duramente o Programa Mais Médicos alegando justo que o problema do país não era a falta desses profissionais, mas a falta “de recursos, de competência administrativa, de planejamento e de honestidade”. Em um pronunciamento àquela época, ele chegou a dizer: “Enquanto o governo brasileiro não decidir aceitar essa reivindicação nacional de que cabe à União transferir 10% de sua receita para a saúde pública, ele perde autoridade para propor o que vem propondo”.

Essa reivindicação foi uma longa pauta dos movimentos em defesa do SUS nos 2000 e chegou a ser aprovada pelo Senado em 2008, mas empacou na Câmara. Com a CPMF já extinta, o governo federal, primeiro com Lula da Silva e depois de forma muito mais incisiva  com Dilma Rousseff, tentou apoiar novas fontes de financiamento para a saúde. Como uma nova taxação chamada Contribuição Social da Saúde (CSS).

Álvaro Dias era na época líder da oposição no Senado em 2011 e me disse em entrevista que era “contra qualquer imposto extra. O país já tem uma das maiores cargas tributárias”. As reportagens que saíram na época, via de regra, faziam coro com essa ideia. Na verdade era era muito grito para pouco efeito no bolso dos brasileiros: apesar da comparação com a CPMF, a CSS seria um desconto de apenas 0,1% sobre movimentações bancárias (contra 0,38 da CPMF), e mesmo assim estaria isento quem ganhasse menos de R$ 3,6 mil na época, ou seja, uns 95% da população.

Enfim, o mundo dá voltas. Nem a CSS, nem os 10% das receitas correntes brutas da União jamais foram aceitos. A legislação que trata do financiamento do SUS foi piorando pouco a pouco. E quem ajudou a levar a situação ao extremo que vemos hoje foi o próprio Álvaro Dias, que em 2016, no Senado, votou pela aprovação da Emenda Constitucional 95, conhecida como teto dos gastos. Ela congela gastos da  União com áreas como educação e saúde até 2036.

Hoje, ele continua falando sobre os problemas de gestão e planejamento e da corrupção, mas, embora o dinheiro da saúde esteja minguando, essa questão parece não ter mais importância para Dias. Em sua entrevista ao Roda Viva, chegou a dizer: “O SUS é um bom programa. Alegam sempre que faltam recursos, mas nós gastamos mais do que países da OCDE em saúde no país”.  O financiamento da saúde sequer aparece em seu plano de governo. Agora, segundo o candidato, o papel da União não é o de dar mais dinheiro, mas o de oferecer orientação técnica para que os municípios façam melhor gestão.

Constituição envelhecida

O que, sim, aparece no programa é a necessidade de reformular uma “Constituição Envelhecida”, já que  “em outubro nossa Constituição completa 30 anos e a Federação não cabe no Brasil”. Dias quer fazer no ano que vem uma “ampla revisão constitucional”, com reforma política e eleitoral e uma “radical reforma administrativa para reduzir o tamanho do Estado”, que é classificado como “Estado-babá”.

Ele afirma que seu programa é inspirado no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e traz 19 metas definidas a partir de sete problemas. Apesar de a “Saúde Doente” estar na lista, não há realmente muitas propostas concretas para ela ao longo do plano. Os pesquisadores da Abrasco que analisaram os planos de governo dos presidenciáveis observaram bem que, enquanto a maior parte dos candidatos defende investimentos em atenção básica, Álvaro Dias vai no sentido contrário: para ele, “a organização da assistência à saúde começa nos postos de pronto atendimento e emergência”.  As metas do plano do governo para a saúde são “saúde com pronto atendimento”, “fila zero nas emergências e prontuário eletrônico” e “genéricos sem imposto até 2022”. Há também a promessa de investir 20 bilhões de reais por ano em tratamento de esgotos.

No Roda Viva, ele falou também sobre as deduções no Imposto de Renda de despesas médicas e sobre o não ressarcimento dos planos ao SUS quando seus clientes precisam usar o serviço público. “Estamos gastando duas vezes”, disse, referindo-se às isenções. Não defendeu que se mexa nelas, mas quer maior fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em relação ao ressarcimento.

Na mesma entrevista, o candidato se disse “totalmente” desfavorável à descriminalização das drogas. “Porque olho com muita tristeza o drama vivido por famílias brasileiras com seus filhos, feito farrapos humanos, jogados nas cracolândias. A droga é perversa, é cruel. Temos que combater a produção e o tráfico e oferecer mecanismos oficiais para recuperação dos dependentes. A descriminalização poderia significar um estímulo ao consumo”, justificou.

Para a previdência, sua proposta é semelhante à de Jair Bolsonaro (PSL). A ideia é acabar com o sistema que temos, baseado na solidariedade intergeracional, e instituir contas individualizadas capitalizadas em que o contribuinte recolhe recursos para garantir apenas a sua própria aposentadoria, que pode ser tão mais gorda quanto maiores forem as contribuições individuais.

Álvaro Dias tem um compromisso bem estreito com o agronegócio e seu plano cita, duas vezes, a necessidade de fazer a “reintegração sumária de posse nas áreas rurais”. Sobre o Pacote do Veneno, que altera a lei dos agrotóxicos e afrouxa a regulação, ele fica em cima do muro. Já disse que é “prematuro” tomar decisão, mas afirmou que  “uma mudança no sistema de registro de agrotóxico que elimine a burocracia e a morosidade, e que confira maior transparência possível ao processo, seguramente será para todos”. Não se sabe a que transparência ele se refere.

Há alguns anos, ainda no PV, Dias foi autor de um projeto de lei para trocar o nome “agrotóxico” por “produto fitossanitário”, mas, sob críticas, acabou  retirando de pauta. A mudança do nome é um dos pontos do Pacote que tramita agora, segundo o qual “agrotóxicos” passariam a ser chamados de “pesticidas”.

O caráter privatizante do plano de Álvaro Dias, presente ao longo de todo o documento, não é oculto: “A eventual participação direta do governo na oferta de serviços públicos deve se ater, exclusivamente, àqueles que, devido à sua natureza ou a certas distorções na distribuição de renda e riqueza não podem ser alcançados pelos indivíduos de forma universal”.

Em suas palavras, o candidato defende um “capitalismo popular”, em que “a sociedade participa amplamente do progresso e da riqueza, pela partilha justa dos ativos sociais”. Não inventou o termo. Ele foi usado pela ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher – responsável pelas privatizações em massa no Reino Unido dos anos 1980 – para descrever o seu “sonho de fazer de cada cidadão um capitalista, o capitalismo das pessoas comuns”.

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