Vagina P, M ou G

Os horrores da violência obstétrica cometida no país em 53,5% dos partos normais

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VAGINA P, M OU G

Desde 19 de fevereiro, quando o Outra Saúde foi lançado, acumulamos algumas boas horas de leitura. E, até agora, essa foi a mais difícil de completar. Isso porque a excelente reportagem escrita por Bruna de Lara no The Intercept Brasil aborda uma prática de violência contra a mulher tão comum quanto chocante para quem nunca passou por ela. Trata-se da episiotomia, o corte feito em 53,5% dos partos normais no país que, na opinião de muitos médicos, serve para evitar que a passagem do bebê cause um rasgo entre a vagina e o ânus, mas de acordo com orientações da Organização Mundial da Saúde publicadas este ano, não deve ser feito.

Mas, descrito dessa forma, nem se arranha o verdadeiro horror da episiotomia. Por aqui, o corte acontece sem a autorização das mulheres, de surpresa. E como se não bastasse, a sutura feita para fechá-lo não raro vai além da incisão. E isso é conhecido como o “ponto do marido”, feito para deixar o órgão genital feminino mais “apertado” visando o prazer sexual do homem – e arruinando a vida sexual das mulheres, que sentem dor e ardência nas relações depois disso.

A matéria revela histórias revoltantes, em que um médico pergunta para o homem, gargalhando, de que tamanho quer a vagina da mulher depois do corte feito sem autorização: “P, M ou G?” (a cena foi registrada em vídeo). Ou se gaba depois do procedimento, afirmando para o companheiro que deixou a mulher “virgenzinha” para ele. Mesmo quando ainda era recomendada pela OMS na década de 1990– em apenas 10% dos casos! –, a episiotomia sempre deveria receber autorização da paciente. Mas no Brasil, como sempre, parece ter alguma coisa fora da ordem. Dois médicos procurados pela repórter afirmaram que não, não cabe à paciente ser informada ou decidir.

E pior: as entidades de representação silenciam, cúmplices.Procurada várias vezes, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia chegou ao cúmulo de dizer que os diretores tinham voltado de um congresso e estavam “priorizando atender ao paciente em vez de atender à imprensa”. O Conselho Federal de Medicina é contra a episiotomia de rotina (embora a OMS seja contra totalmente) mas respondeu que o médico tem autonomia para decidir. E a mulher? – que não decide, sofre violência num momento extremamente delicado e, ainda por cima, tem que lidar com dor para o suposto deleite alheio?

MAIS SOBRE

E recomendamos também o documentário Violência obstétrica: a voz das brasileiras,que saiu alguns anos atrás.

DATAFOLHA

Saiu a nova pesquisa Datafolha e, segundo ela, Jair Bolsonaro (PSL) subiu apenas dois pontos depois do atentado, saindo de 22% para 24%. Analistas alertavam que o evento poderia ter um efeito semelhante à disparada de Marina Silva depois da morte de Eduardo Campos, em 2014. Ciro Gomes (PDT) ultrapassou a candidata da Rede e agora está em segundo lugar, com 13% das intenções de voto. Marina mingou de 16% para 11%. Geraldo Alckmin (PSDB) está com 10% e, na cola dele, aparece Fernando Haddad, com 9%. Levando em conta a margem de erro, de dois pontos para mais ou para menos, os quatro estão em empate técnico.

Nas simulações de segundo turno, Bolsonaro perde para Ciro (45% a 35%), Marina (43% a 37%) e Alckmin (43% a 34%). Com Haddad, há empate técnico (39% para o petista contra 38%).A candidatura de Haddad deve ser confirmada hoje pelo PT. A última pesquisa Datafolha foi realizada nos dias 20 e 21 de agosto, antes do início do horário eleitoral.

MEIRELLES E A SAÚDE

Nossa análise sobre as propostas do candidato à Presidência Henrique Meirelles (MDB) para a saúde está no ar. Ele tem 3% das intenções de voto segundo este último Datafolha. Além do plano de governo, falamos sobre a trajetória do político goiano, que já foi presidente mundial do Bank Boston, esteve à frente do Banco Central nos governos Lula (com quem ele gosta de se identificar nos debates) e da Fazendo sob Michel Temer (de quem ele tenta se afastar).Também reunimos causos e declarações dadas em diversos eventos para contextualizar suas ideias que – não por acaso – parecem saídas do documento do Banco Mundial para a saúde.

DA FOME À OBESIDADE

O site O Joio e o Trigo entrou em contato com oito presidenciáveis para descobrir o que eles pensam (e se eles pensam) sobre o estado das políticas de segurança alimentar e nutricional no país. Isso porque a maior parte dos programas dos candidatos não toca no assunto, também ignorado nos debates, mesmo que o consumo de alimentos ultraprocessados tenha aumentado – e , junto com ele, várias doenças crônicas como diabetes e hipertensão –, a obesidade já atinja 19% da população adulta e fome ronde os lares da população mais pobre. As exceções são os programas de Marina Silva, Lula/Haddad e Guilherme Boulos (PSOL) que dedicam propostas ao tema. Procurados pela reportagem, apenas as assessorias de Boulos e Álvaro Dias (PODE) responderam os jornalistas. O site então reuniu as propostas nos programas, as respostas, declarações e fatos para fazer um panorama, que conta ainda com Bolsonaro, Ciro, Alckmin e Meirelles.

PLATAFORMA

E há de tudo nas eleições brasileiras. A última aberração vem de uma médica. Carla Dickson, vereadora em Natal, é candidata a deputada federal pelo PROS com a seguinte proposta: lutar contra a liberação do “casamento interespécies”. Ela se baseou em uma fakenews do comediante Joselito Muller para compor a excêntrica plataforma. Ele, por sua vez, tinha como alvo Maria do Rosário, do PT, e afirmou que a deputada tinha apresentado um projeto nesse sentido.

SUICÍDIO

Vice preparou um especial sobre saúde mental para setembro, mês de prevenção ao suicídio. O Brasil ocupa o oitavo lugar no ranking em números absolutos. A cada 45 minutos, uma pessoa tira a própria vida por aqui.

A matéria que abre a série aborda as pesquisas científicas que tentam decifrar se a predisposição para o ato pode ser de alguma forma genética. No último 17 de julho, um neto de Getúlio Vargas cometeu suicídio e, antes dele, um dos filhos do ex-presidente brasileiro também havia se matado, em 1997. Histórias como essa não são raras e intrigam a ciência. Por enquanto, pesquisas, como as feitas nas renomadas universidades Johns Hopkins e Columbia, identificaram variações na sequência de DNA que podem ter efeito na gênese do comportamento suicida – que seria, então, um fenômeno além de multifatorial, multigênico. O sonho é que um dia se possa desenvolver medicamentos capazes de prevenir tendências suicidas. Mas a realidade é que ainda há um estigma muito grande quando o assunto é saúde mental, e se estima que 90% das pessoas que cometem suicídio são portadores de distúrbios que muitas vezes sequer são diagnosticados.

Sob orientação da professora de Psicologia Maria Helena Franco, da PUC-SP, a Vice fez um passo a passo sobre o que fazer para ajudar alguém quando o suicídio parece uma opção. As principais orientações: entender que existem vários motivos para que a ideação suicida surja, perceber a tendência de isolamento de pessoas como um sinal de alerta, sondar se a pessoa está fazendo planos no médio e longo prazo, reforçar a importância da pessoa, pois é importante ouvir que somos necessários, monitorar o uso da internet, no caso de menores de idade, e atentar para se existe bullying no ambiente escolar. Por fim, falar sobre o assunto, que não pode ser tabu. E procurar ajuda profissional, que no SUS pode ser buscada nos Centros de Atenção Psicossocial e nas unidades básicas de saúde, por exemplo. Discando 136 dá para saber informações sobre serviços públicos que possam ajudar.

MAIS UMA

Temos falado aqui sobre edição gênica, um dos campos mais promissores da ciência. E, talvez por isso mesmo, toda semana tem uma novidade. A última pesquisa foi feita para corrigir a rara síndrome de Hunter, que impede a produção de uma enzima chamada IDS, necessária para digerir açúcares complexos – a acumulação deles pode danificar órgãos como pulmões, coração e cérebro. Até agora, o tratamento disponível é uma infusão da enzima, que tem que ser feita semanalmente. Conduzido por uma empresa na Califórnia, o teste para tentar resolver a questão de forma definitiva foi feito em humanos. (Apenas quatro, contudo.)

Os cientistas basicamente implantaram o gene numa região do genoma considerada “segura” (o que foi considerado pela Nature um avanço em comparação com outras terapias convencionais, que não possibilitam aos pesquisadores controlar onde o gene saudável será inserido). Depois, eles usaram um vírus para transportar o DNA com a enzima para dentro de células do fígado onde a IDS é produzida em condições normais. Em dois pacientes, os testes de urine mostraram um declínio do acúmulo dos açúcares. Os outros dois receberam uma dose menor e neles não se observou nenhuma mudança. Nenhum dos voluntários, até agora, reportaram efeitos adversos relacionados à terapia.  O problema é que todos continuaram a tomar as infusões regulares da enzima, o que traz dificuldades para que se chegue a uma conclusão sobre a eficácia do tratamento.

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