Orçamento Participativo: por que retomá-lo

E se ao invés de “orçamento secreto” os recursos públicos fossem geridos através da participação cidadã? Experiência exitosa de Porto Alegre, criada há 30 anos e replicada em diversos países, mostra que dá para superar a democracia excludente

Raul Pont (PT) fala ao microfone no plenário, em rodada do Orçamento Participativo, em Porto Alegre. Foto: Aline Gonçalves
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Na ultima conferência anual da Organização Internacional de Democracia Participativa (OIDP), ocorrida em dezembro, na cidade de Grenoble, o Brasil voltou a ser saudado como o país onde foi inventada a mais avançada experiência de democratização da aplicação do orçamento público, conhecida como o Orçamento Participativo (OP).

Depois de trinta e dois anos do seu início, na cidade de Porto Alegre, ela logo tornou-se uma marca dos governos do campo democrático e deu incontáveis demonstrações da sua eficácia social e econômica.

Idealizada para superar a compreensão de democracia que restrinje a participação das pessoas na vida pública ao voto nas eleições, o êxito do OP é tal que já alcançou mais de 1700 cidades em todos os continentes, incluindo cidades como Paris e Barcelona e avançou ao ponto de já contar com experiências de âmbito nacional, como em Portugal e Moçambique.

Todas estas experiências demonstram que aplicar os recursos públicos a partir de prioridades construidas com a participação dos cidadãos – os principais interessados – garante mais economicidade e eficácia nos investimentos. Entre outras razões, por serem feitos atraves de critérios que resistem à luz do dia.

Pois bem, imaginem a surpresa de todos ao saber que a experiência de Orçamento Participativo em Porto Alegre, assim como a do Sistema Nacional de Participação Social, construído ao longo dos governos de Lula e de Dilma no Brasil, foi substituída pelo orçamento secreto de Bolsonaro e de Lira.

Meu argumento nos debates foi de que há uma relação direta entre a volta do Brasil ao Mapa da Fome e a aceleração do desmatamento da Amazônia, com o desmonte de todas as formas de participação e controle social no processo de deliberação das políticas públicas, para citar apenas dois exemplos do retrocesso que este retrocesso democrático significa.

Depois dos governos de Lula e de Dilma terem conseguido tirar o Brasil do Mapa da Fome das Nações Unidas e diminuído o desmatamento da Amazônia em 67% no período de 2002 a 2016, cerca de 40 milhões de brasileiros voltarem a passar fome e o desmatamento da Amazônia cresceu 73%, apenas nos três primeiros anos do atual (des)governo.

Não é acaso que esses retrocessos civilizatórios tenham ocorrido depois do esvaziamento dos espaços de participação e do desmonte dos mecanismos de fiscalização e controle ambiental, que foram frutos exitosas dos processos participativos nos Conselhos, das Conferências e das Mesas de Negociação Nacional, entre outros arranjos democráticos que foram criados.

As 74 Conferências Nacionais ocorridas entre 2003 e 2010 mobilizaram diretamente mais de cinco milhões de pessoas nas suas etapas municipais, estaduais e nacional; e os 18 novos Conselhos Temáticos legaram programas e projetos de grande impacto para a diminuição das imensas desigualdades existentes no Brasil.   

As deliberações desta ampla mobilização participativa são responsáveis pela criação do Programa Nacional de Moradia Popular, do Sistema Nacional de Assistência Social, do Programa Nacional da Juventude, do Programa Nacional de Políticas para as Mulheres, do Programa Nacional de Promoção da Igualdade Racial, da Política Nacional Sobre Mudança do Clima, entre tantos outros. 

Agora, que o STF impediu a naturalização das práticas secretas e sem qualquer controle social na aplicação dos recursos do orçamento, há uma grande oportunidade para que o campo democrático mais uma vez recupere a capacidade de inovação nas práticas democráticas e não só recupere aquilo que foi desmontado, mas avance em formas de ampliação da participação social nos processos de deliberação das políticas públicas e na definição das prioridades na aplicação dos recursos.

Assim, o orçamento poderá, novamente, voltar a ser chamada de público.

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