Salgueiro: o novo crime monstruoso da PM

Após operação “de vingança” do Bope, população encontra ao menos oito corpos de jovens num mangue. Há sinais de tortura e desfiguramento. Ação contraria decisão do STF. Número de chacinas no Rio chega a 58, com 242 assassinatos

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Por Jeniffer Mendonça, na Ponte Jornalismo

Moradores do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, encontraram corpos em um manguezal no bairro das Palmeiras na manhã desta segunda-feira (22/11). No domingo (21), o Bope (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia Militar realizou uma operação no local um dia depois do assassinato do sargento Leandro Rumbelsperger da Silva, que fazia patrulhamento na comunidade.

Ao telejornal Bom Dia Rio, da TV Globo, o tenente-coronel Ivan Blaz, porta-voz da PM, disse que havia uma ocupação do 7º BPM por conta de “denúncias de bandidos estarem fazendo o uso de escolas, inclusive, para o tráfico” e que o Bope foi acionado por causa da morte do sargento. A reportagem o procurou, mas não houve retorno.

À Ponte, a corporação disse, em nota, que foram encontrados ao menos sete corpos, mas não confirmou se as mortes foram decorrentes de intervenção dos policiais militares nem se a operação havia sido comunicada ao Ministério Público Estadual, tendo em vista decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que, desde junho do ano passado, proibiu incursões policiais em comunidades durante a pandemia, salvo casos excepcionais que devem, obrigatoriamente, serem comunicados com antecedência ao MPRJ. Informaram que equipes foram ao local para garantir o trabalho da perícia da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros nesta segunda-feira.

“As equipes foram atacadas nas proximidades de uma área de mangue com mata, ocorrendo um intenso confronto. Na ação foram apreendidos duas pistolas, 14 munições calibre 9 mm, 56 munições de fuzil calibre 762, cinco carregadores (02 para fuzil e 03 para pistola), um uniforme camuflado, 813 tabletes de maconha, 3.734 sacolés de pó branco e 3.760 sacolés de material assemelhado ao crack. A ocorrência foi registrada na 72ª DP”, informou a assessoria da PM em nota.

A corporação confirmou que apenas um homem foi socorrido pelos policiais, mas faleceu. Ele, cuja identidade não foi informada, teria sido “reconhecido por policiais do 7ºBPM como um dos envolvidos no ataque criminoso à guarnição no sábado (20/11)”. De acordo com o G1, uma idosa de 71 anos foi baleada no braço durante a ação do Bope.

Ao site, moradores do local disseram, ainda, que os corpos tinham sinais de tortura. “Os corpos estão todos jogados no mangue, com sinais de tortura. As pessoas, uma jogada por cima da outra. Estava com sinal totalmente de chacina mesmo”, relatou um ao G1. “Muito conhecido da gente aqui morreu. A gente estava gritando no mangue para ver se consegue tirar, mas todos mortos”, relatou outra.

Já a assessoria da Polícia Civil informou que foram localizados oito corpos. “A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG) está neste momento na localidade Palmeirinha, na comunidade do Salgueiro, em São Gonçalo. A perícia está sendo realizada próxima ao mangue, onde oito corpos, ainda não identificados, foram localizados por moradores. As equipes também realizam as primeiras diligências na região para a coleta de elementos informativos que possam ajudar a esclarecer a dinâmica dos fatos”, declarou em nota.

A reportagem procurou a assessoria do Ministério Público que confirmou ter sido comunicada da operação da PM. “O caso está sendo analisado pela 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada do Núcleo Niterói e São Gonçalo, que já está acompanhando as diligências no local e tomará as medidas cabíveis”.

Pelo Twitter, o Defensor Público Geral do Rio de Janeiro Rodrigo Baptista Pacheco disse que equipes do órgão e da Ouvidoria, além de membros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), da ALERJ (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) e FAFERJ (Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro) irão à comunidade a partir das 14h atender as famílias.

Em nota, a Defensoria Pública informou que recebeu relatos de violência pela Ouvidoria do órgão e que vai ao local coletar informações sobre o ocorrido “para as medidas, inclusive judiciais, que se fizerem necessárias em defesa dos moradores, vítimas e seus familiares”. “A instituição informa que sua Ouvidoria comunicou o fato ao Ministério Publico, para a adoção de medidas cabíveis a fim de interromper as violações. E que o órgão também está em contato com as lideranças locais prestando orientações necessárias”, declarou.

58 chacinas no Grande Rio

De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, em 2021, aconteceram 58 chacinas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com 242 pessoas mortas. São Gonçalo é um dos municípios que integra o Grande Rio, e a entidade contabilizou, desde 2016, 47 chacinas com 169 mortos só na cidade, sendo que 35 delas ocorridas durante ações e operações policiais, que resultaram em 121 mortos. No Complexo do Salgueiro, nos últimos cinco anos, foram 11 chacinas, cinco delas só neste ano.

O Complexo do Salgueiro também foi palco, em 2017, de uma chacina que deixou oito mortos e que segue sem solução. Em 11 de novembro daquele ano, as vítimas foram baleadas a tiros de fuzil numa operação do Exército com a Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) da Polícia Civil. O caso foi arquivado em 2019 e nenhum agente assumiu ter atirado.

Os depoimentos de testemunhas, de um sobrevivente e dos próprios policiais convergem, de certo modo, a essa versão de que os disparos, de fato, vieram da mata e nenhum ocupante dos blindados atirou, uma vez que ao chegarem na estrada das Palmeiras já havia corpos pela via.

Sete pessoas morreram no local. Marcio Melanes Sabino, Marcelo Silva Vaz, Luiz Américo da Silva Menezes, Victor Hugo Costa Carvalho, Bruno Coelho da Agonia, Lorran de Oliveira Gomes e Josué Coelho. A oitava vítima, o mototaxista Luiz Otávio Rosa dos Santos, foi socorrido e levado ao Hospital São Gonçalo e chegou a prestar esclarecimentos à polícia, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu no dia 1º de dezembro elevando o número de mortos na chacina para oito.

Reportagem de fevereiro deste ano da Revista Época apontou que homens do Exército que entraram no Complexo do Salgueiro usaram exatamente os mesmos equipamentos descritos pelo único sobrevivente e indicam que a operação pode ter tido a participação de agentes “ocultos”, que nunca chegaram a prestar depoimentos sobre o caso. Os papéis, apesar de terem sido anexados às duas investigações, foram ignorados.

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