Paraguai: o golpe e o dedo de Washington

Por que destituição do presidente Lugo é inconstitucional. Como reage América do Sul. Quais os sinais de envolvimento dos EUA

Asunción: multidão pede, diante do Congresso, que presidente resista ao golpe

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Por Mark Weisbrot | Tradução: Antonio Martins

Atualização: 

No final da tarde desta sexta, o Senado do Paraguai, dominado por partidos conservadores, decretou o afastamento do presidente eleito, Fernando Lugo. Mas o futuro do país é incerto. No plano interno, é provável que haja resistência ao ato, visto por boa parte da sociedade como um golpe. Uma multidão permanece diante do Legislativo, e passou a pedir a dissolução do próprio Congresso, por considerá-lo ilegítimo.

Na cena internacional, a União das Nações Sul-Americanas também acaba de emitir comunicado em que frisa “sua total solidariedade ao povo paraguaio e o respaldo ao Presidente constitucional Fernando Lugo.”

Em meio aos acontecimentos, um aspecto permanece incerto: o papel dos Estados Unidos. Com quem os golpistas poderiam contar, se enfrentam oposição interna e dos governos da região? No texto abaixo, o jornalista e cientista político Mark Weisbrot sugere: Washington pode estar dando respaldo aos golpistas. Colaborador do “The Guardian”, Weisbrot é também co-diretor do Centro para Pesquisa Econômica e Política, baseado na capital norte-americana (A.M.)

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Asunción, tarde de 22/6: Diante do Congresso, soldados apontam para os manifestantes

 

 

Um golpe de estado está sendo perpetrado neste exato momento, sexta-feira à noite, no Paraguai.

É esta a visão de diversos governos vizinhos. E a União das Nações Sulamericanas (Unasul) está tratando os acontecimentos desta maneira, além de levá-los muito a sério. Todos os doze ministros de Relações Exteriores (inclusive os do Brasil e da Argentina, que estão profundamente preocupados) voaram para Assunção na quinta-feira à noite, para manter contatos com o governo, e também com a oposição, no Legislativo.

O Congresso do Paraguai tenta afastar o presidente, Fernando Lugo, por meio de um procedimento de impeachment em que lhe foram dadas menos 24 horas para preparar sua defesa, e apenas duas para apresentá-la. Tudo indica que uma decisão para condená-lo já foi escrita, e será apresentada nesta noite (22/6). Seria impossível chamar este trâmite de “devido processo”, em qualquer circunstância, mas é também uma clara violação do Artigo 17 da Constituição paraguaia, que assegura o direito a defesa adequada.

O sentido político da tentativa de golpe também está suficientemente claro. O Paraguai foi controlado, durante 61 anos, pelo Partido Colorado, de direita. Na maior parte deste tempo (1947-1989), o país esteve sob ditadura. O presidente Lugo, um ex-bispo ligado à Teologia da Libertação e às lutas dos pobres, foi eleito em 2008, mas não conseguiu apoio da maioria do Congresso. Ele articulou uma coalizão de governo, mas a direita – incluindo a mídia – nunca aceitou de fato sua presidência.

Conheci Fernando Lugo no início de 2009. Impressionaram-me sua paciência e estratégia de longo prazo. Ele dizia que, dada a força das instituições alinhadas contra seu governo, não esperava ganhar tudo no presente; estava lutandopara que a nova geração pudesse ter uma vida melhor. Mas a oposição sempre foi implacável. Em novembro de 2009, Lugo teve de demitir os principais comandantes militares, devido a relatos firmes de que conspiravam com a oposição.

O impeachment foi desencadeado por um conflito armado entre camponeses que lutavam por terra e a polícia, quando morreram ao menos 17 pessoas, inclusive sete oficiais de polícia. Segundo os sem-terra, a área em disputa havia sido obtida ilegalmente por um político do Partido Colorado. Mas o confronto violento é apenas um pretexto: está claro que o presidente não teve responsabilidade alguma pelo ocorrido. Os oponentes de Lugo sequer apresentaram alguma evidência para as acusações no “julgamento” de hoje. O presiente propôs uma investigação sobre o incidente; a oposição não se mostrou interessada, preferindo partir para um procedimento judicial fraudulento.

A eleição de Lugo foi uma das muitas na América do Sul (Argentina, Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador, Uruguai, Peru, Honduras, Nicarágua, El Salvador) em que as sociedades escolheram governos de esquerda e mudaram a geografia política do hemisfério, nos últimos 14 anos. Com a mudança, veio uma crescente unidade política em temas regionais – especialmente na resistência aos Estados Unidos, que antes tinham sucesso, ao evitar o surgimento de governos de esquerda.

Por isso, não é surpreendente a resposta urgente e imediata dos países sul-americanos a esta tentativa de golpe, vista por eles como uma ameaça à democracia. O secretário-geral da Unasul, Ali Rodriguez, insistiu que Lugo deve ter direito ao “devido processo” e ao direito de se defender. O presidente do Equador, Rafael Correa, afirmou que a Unasul poderia recusar-se a reconhecer o governo pós-golpe – em cumprimento a uma das cláusulas de sua Carta.

Asunción, tarde-noite de 22/6: população defende democracia diante do Congresso

Correa foi um dos mais duros oponentes ao golpe de Estado em Honduras, que afastou há três anos o presidente Manuel Zelaya. Honduras continua a sofrer violência extrema, incluindo assassinato de jornalistas e políticos opositores, sob o regime estabelecido em seguida ao golpe.

O afastamento de Zelaya foi um ponto de mudança nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina. Governos como os do Brasil e Argentina, antes esperançosos de que o presidente Obama abandonasse as políticas de seu antecessor, desapontaram-se. Washington fez declarações conflitantes sobre o golpe e em certo ponto – em oposição ao resto do hemisfério – fez todo o possível para assegurar-se de que o golpe teria sucesso. Isso incluiu bloquear, no interior da Organização dos Estados Americanos (OEA) os esforços das nações sulamericanas para restaurar a democracia. No último Encontro das Américas Obama ficou – em contraste com o que ocorrera em 2009 – tão isolado quanto seu antecessor, George W. Bush.

O governo Obama respondeu à crise atual no Paraguai com uma declaração em apoio ao devido processo. Talvez tenha aprendido algo de Honduras e não se oponha ativamente aos esforços da América do Sul para defender a democracia. Certamente, os países da região não permitirão que Washington controle o processo de mediação, se houver um – como fez Hillary Clinton com a OEA, em Honduras. Mas Washington pode desempenhar seu papel tradicional, assegurando à oposição que o novo governo terá apoio, inclusive financeiro e militar, dos EUA. Vermos nos próximos dias.

Resta saber o quê mais a Unasul fará para se opor ao golpe de direita no Paraguai. É certamente compreensível que a organização o enxergue como uma ameça à democracia e à estabilidade na região.

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10 comentários para "Paraguai: o golpe e o dedo de Washington"

  1. Matto disse:

    desde quando os EUA sao uma democracia??? e enfim, valeu João Ivan Rodrigues Junior, a gente começa a falar dos sionistas…
    EUA é o braço armado do imperio Atlanto-sionista

  2. O debate político tanto interno quanto externo nos países the América Latina está cada vez mais polarizado. Infelizmente isso parece contagiar também analistas e cientistas políticos dos mais variados matizes ideológicos. É importante considerar a situação em seus aspectos constituintes; no caso paraguaio isso implica retomar o próprio histórico do Mercosul desde os seus inícios e a crescente polarização do Congresso paraguaio com a Cúpula dos presidentes dos países participantes do Mercado comum, especialmente em torno the entrada the Venezuela como membro pleno do bloco. Além disso também é salutar levar em conta as estratégias dos presidentes ou de seus representantes no Mercosul para neutralizar o poder do parlamento Guarany, por exemplo a declaração do presidente do Uruguai sobre mecanismos jurídicos que dispensassem os congressos dos países membros de ratificarem os acordos firmados pelos chefes de Estado do Mercosul, assim como o Protocolo de Ushuaia 2, que, se ratificado, permite aos países membros do bloco intervirem (inclusive militarmente) em algum dos membros (leia-se Paraguai) em caso de risco the democracia, isto é, de golpe militar. Por isso é importante não se precipitar, os cientistas políticas e os analistas tem conhecimento de sobra para qualificarem e determinarem corretamente em caso caso o fenômeno que se apresenta à consideração, não precisam fazer uso do mero arbítrio. Para uma análise mais equilibrada em torno do caso paraguaio, veja-se: http://hyperapophasis.net/cotidiano/?p=229.

  3. Margarita Correia disse:

    Com democratas ou republicanos, os EUA nunca aprendem a respeitar a liberadde e as opções dos demais. Passam as décadas e nunca aprendem. E têm sempre os seus "muchachos" de serviço em toda a parte.

  4. Rachel Soihet disse:

    Infelizmente, mais uma vez os golpistas levaram a melhor. Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos "torcendo" por uma solução favorável ao interesse the maioria the população.

  5. Acredite cara ai esta os fattos e já ta bem avançados os seus planos ,se é nacionalista em breve não muito longe tu testemunhará bandeiras americanas asteadas em solo brasileiro , ai terá o agente da cia que trabalha naGlobo defender os interesses dos E.U.A Wilim Wack

  6. Ha tu entendeu e fica fácil isolar a Amazonia ,esta base no Paraguay é vital pras prentenções americanas no pais

  7. Tolos isso é um recado ao Brasil dado por washington ;abola da vez globo, elites e Sionista vão dar um golpe de estano no pais eo povo mais uma vez vai ser enganada

  8. A comentarista mor do PIG, a Catanhede, já cantou a pedra "o Paraguai é um país amigo, com muitos problemas e precisa ser ajudado pelo gigante Brasil". Ou seja, não importa que a oligarquia rural paraguaia tenha destituído do poder um presidente eleito e de forma sumária. Bola pra frente! Porque esta talvez seja a nova modalidade de democracia. Democracia?????? Nada me tira da cabeça que o golpe tem o dedo do USA. Eles estão de olho no Brasil, pricncipalmente no aquíifero guarani. Senão, por que eles querem instalar uma base militar no Paraguai?

  9. Eco, lá estão os EUA tentando retomar a força perdida. Mas eu não acredito que consigam não. Sério mesmo.

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