Outra América: uma viagem

Nova coluna: fotógrafa brasileira conta como decidiu, aos 32, suspender carreira e vida urbana, para conhecer continente a fundo

 

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Por Elaine Santana*

 

“Viajar é uma brutalidade.

Te força a confiar em estranhos,

a se perder do conforto familiar do lar e dos amigos.

A estar em constante desequilíbrio.

Nada é seu, exceto as coisas essenciais

–  ar, sono, sonhos, o mar, o céu”.

Cesare Pavese, escritor e poeta italiano

“Talvez viajar não acabe com o preconceito fanático,

mas ao mostrar que todas as pessoas choram,

 riem, comem, se preocupam e morrem,

viajar apresenta a ideia de que se tentarmos

compreender uns aos outros,

podemos até nos tornar amigos”.

Maya Angelou, escritora e ativista de direitos humanos

 

Esta história toda de viajar pela América do Sul começou uns anos atrás, em 2007, quando eu tinha um tempo livre entre a casa desmontada e a data de embarque para Nova Iorque, onde iria morar e estudar fotojornalismo por um ano (que acabou virando dois).

Três meses era o que tinha disponível. Mas então, achei que este tempo não seria suficiente para ver a América do Sul e acabei decidindo por ir ao nordeste brasileiro, região onde meu pai nasceu e que eu não conhecia.

Novamente cogitei fazer a viagem no fim de 2009, quando voltei ao Brasil depois da experiência novaiorquina, mas acabei construindo nova base em São Paulo. Nesta época, além da viagem, eu queria experimentar viver como nômade por um período e me parecia que um ano seria um tempo razoável. Cabe dizer que dentro destes planos, sempre imaginei que conseguiria vender fotos e textos ao longo da jornada.

Em 2010, pensei novamente em ir, mas comecei a dar aulas de fotografia numa ONG na região da chamada cracolândia em São Paulo e preferi me dedicar a este trabalho. Dois anos depois, tendo saído da ONG, e sem outro trabalho em vista, percebi que era chegada a hora de me organizar e partir.

Propus a viagem e o roteiro ao meu companheiro, Rodrigo, e começamos a fazer os planejamentos. Foi difícil desmontar o apartamento, encontrar lugar para móveis, documentos, e tantos objetos que juntamos, sem nem perceber, ao longo dos anos; difícil encontrar uma data de partida, despedir-nos dos amigos e da família e das facilidades e comodidades da vida sedentária numa cidade como São Paulo; e difícil separar e fazer caber em uma mochila tudo que planejamos usar em um ano.

Muitas coisas foram deixadas para trás. Aliás, “deixar coisas prá trás” foi o mote no primeiro mês de viagem, quando ainda carregávamos quatro mochilas (hoje levamos apenas duas, uma grande e uma média), com roupas, sacos de dormir, barraca, um pequeno fogareiro, dois botijões de gás e equipamentos de fotografia.

A viagem, marcada para abril de 2012, começou com um mês de atraso, em 15 de maio de 2012, por Santiago, no Chile, seguindo ao norte deste país.

No dia da partida, meu cunhado nos deixou na frente do aeroporto de Guarulhos e me despedi com o frio da barriga de quem tem consciência de que vai voltar diferente, mas não sabe como. A incerteza do que aconteceria ao longo da viagem me deixava ansiosa e foi esta ansiedade que senti quase o tempo todo nas primeiras semanas desta jornada.

Questões do dia-a-dia de uma mulher de 32 anos de classe média que vive em São Paulo — como a construção e investimento em carreira, a idade certa (ou errada) para ter filhos, viver com mais liberdade ou com mais segurança financeira e fazer certos sacrifícios em prol de uma ideologia de vida — me perseguiam e aumentavam o medo de que, viajar por um ano não fosse, afinal, uma decisão muito sábia.

Aos poucos, no entanto, fui relaxando e passei a apreciar e a viver mais cada momento, sem me preocupar tanto com o que o próximo dia me reserva. Aos poucos, sinto que chego mais no âmago de mim mesma, e encontro respostas para as minhas mais profundas questões, ao mesmo tempo que aprendo a rir de mim, me levando menos à sério. Dinheiro, sempre uma preocupação na vida de uma freelancer, não deixa de preocupar, mas vai se tornando menos essencial conforme aprendo a precisar de menos e a confiar mais nos passos que vou dando.

Conhecer o outro, entender como o meio influencia ideias, modos de vida e comportamentos, entender quem são nossos vizinhos: as nações vizinhas e as pessoas vizinhas; encontrar similaridades e diferenças; entender quais são as fronteiras que nos separam; reaprender a confiar; ver; experimentar; deixar que as experiências me modifiquem; reencontrar-me; fotografar e contar histórias do que sinto e do que vemos é o que quero com esta viagem.

Sabemos por quais países queremos passar: Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela. No mais, o roteiro se forma ao longo do caminho, nas trocas com as pessoas que conhecemos, nas experiências que vamos tendo, nas decisões tomadas de última hora ou nos planejamentos feitos minuciosamente.

Cada dia, descubro algo novo, que não sabia, que não imaginava; cada dia, sinto que compreendo mais a fundo o continente onde vivo; cada dia, tenho a oportunidade e o privilégio de colocar em perspectiva minhas próprias crenças e cultura. Cada dia, me torno mais livre: é sobre tudo isto que escrevo.

Elaine Santana é fotógrafa e documentarista. Participa desde 2010 da Escola Livre de Comunicação Compartilhada de Outras Palavras. Sua viagem está sendo relatada, desde maio, em breves posts (e muitas fotos) publicadas em seu blog: http://blog.elainesantana.com.br. A partir de hoje (28/7/2012), passa a escrever, especialmente para o siteuma coluna quinzenal em que reflete sobre estas andanças e seu sentido.

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2 comentários para "Outra América: uma viagem"

  1. Tadeu Breda disse:

    força no mingau, casal!

  2. "O que os olhos não vê, o coração não sente!". É necessário conhecer bem para melhor integração. Conhecer nossos vizinhos é uma forma de nos fortalecer mediante situações que possam nos afligir. Isto vale tanto para pessoas como para países. Ao nos aproximar teremos grandes possibilidades de ampliarmos nossos relacionamentos e nossa fraternidade, além de enriquecer a nossa cultura. Continuo defendendo o ideal de Lennon: "Imagine que não hajam países!".

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